Quando o antigo Colégio Magister (Rua Braz Bernardino 155, Centro) foi demolido em julho de 2005, expressivas obras de Juiz de Fora foram reduzidas a entulho. A residência de inspiração modernista, projetada por Arthur Arcuri a pedido do engenheiro e empresário Frederico Álvares de Assis, reunia cinco murais. Três eram de autoria de João Guimarães Vieira, o Guima. Outros dois, de Mário Silésio. A relação entre arquitetos e muralistas modernistas era comum na época. “Em Brasília, por exemplo, há a forte presença do muralista Athos Bulcão e dos três maiores escultores modernistas brasileiros: Victor Brecheret, Bruno Jorge e Alfredo Ceschiatti”, explica o professor do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Ricardo Cristofaro. A parceria é também refletida em Juiz de Fora no Marco do Centenário, construído também por Arthur Arcuri com painel de Di Cavalcanti.
Cristofaro é um dos integrantes do coletivo de mosaico e muralismo Agrupa. Ao lado de Bárbara Morais, Helgan Noly, Larissa Brito, Leonardo Paiva, Nina Cristofaro e Valéria Faria, Cristofaro reconstitui um dos murais perdidos em meio à demolição do antigo Colégio Magister como tributo a Guima. “Quando o Arcuri construiu a Residência Frederico Álvares de Assis, já chamou o Guima para fazer os murais. Não foi algo anexado posteriormente ao imóvel. E a casa foi demolida com os cinco trabalhos de arte. Eles poderiam ter sido removidos, porque já há técnicas sedimentadas de remoção”, afirma Cristofaro. O artista plástico e professor de artes da Prefeitura de Juiz de Fora Leonardo Paiva exemplifica: “Em São Paulo, há um mosaico do Di Cavalcanti que foi retirado do restaurante de um hotel e transportado para outro lugar. Uma parede inteira”.
O Coletivo Agrupa reproduziu manualmente o mural de Guima na Reitoria da UFJF com as dimensões e os materiais originalmente utilizados pelo muralista. “Este trabalho praticamente renasceu, porque já era uma obra morta. Não é uma releitura ou interpretação”, pontua Cristofaro. “Ele foi feito na escala exata, nas cores o mais próximo possível. Se há alguma distorção de cores, é muito pequena. E ainda utilizamos pastilhas de vidro, que é o mesmo material utilizado pelo Guima.” A reconstituição foi financiada com os recursos da Lei Aldir Blanc da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais. “O material, como as pastilhas e o rejunte, é muito caro. Então, sempre ficamos atentos aos editais de fomento”, diz a pró-reitora de Cultura da UFJF, Valéria Faria. A intenção, inclusive, é reproduzir na própria Universidade outro dos murais perdidos na demolição do antigo Colégio Magister. Desta vez, um de Mário Silésio, completa Valéria.
Reconstituição
Em vias de ser finalizada, a reprodução já leva seis meses. O processo foi deflagrado a partir de fotos do mural de Guima cedidas pela Funalfa. “Só tínhamos uma foto e a resolução não era tão boa. Então, vetorizamos a imagem no CorelDraw e começamos a contar pastilha a pastilha para chegar à dimensão original do mural”, detalha Valéria. Apenas este cálculo durou um mês, acrescenta Cristofaro. O mural tem 2,72m x por 2,2m. Entretanto, ao contrário de Guima, o Agrupa constrói o mural a partir de um método indireto, ou seja, as pastilhas de vidro não foram colocadas diretamente na parede. “Primeiramente, as pastilhas foram todas posicionadas em uma tela de plástico como um quebra-cabeça para formarmos o desenho do mural. Para se ter uma ideia, montamos o mural de cabeça para baixo em cima de uma mesa. Depois, colamos as peças com um silicone – que, aliás, solta com facilidade – sobre este plástico para que as pastilhas não saíssem da posição. Por fim, recortamos o mural em partes para transportá-lo”, explica Cristofaro.
É como se fossem pedaços de tapete, acrescenta Leonardo. Apenas depois as pastilhas foram soltas do plástico para serem coladas uma a uma na Reitoria, porque, de acordo com Valéria, as peças têm pequenas variações. Essas pastilhas de plástico, explica Leonardo, são no fim das contas uma massa de vidro e pigmento. “Elas são feitas mais ou menos como é feito o pé-de-moleque”, exemplifica o especialista em arte mosaicista. “É um vidro derretido mais um pigmento para dar a cor. Essa massa é esparramada e, depois, partida.” A técnica foi idealizada pelos bizantinos, porque aquela utilizada anteriormente pelos greco-romanos era mais trabalhosa. “Os romanos e os gregos utilizavam a própria cor da pedra. Então, tinham que buscar as pedras para ter as cores que queriam para tudo quanto é lado. Já no Império Bizantino, eles começaram a fazer as próprias cores para ter uma paleta maior, ou seja, misturar o pigmento a uma massa de vidro derretido, esticar a massa – aí o pé-de-moleque – e cortar os cubinhos com uma talhadeira.”
A reconstituição do mural de Guima é uma espécie de ramificação de um projeto do Coletivo Agrupa feito durante a pandemia de Covid-19. O “Mosaico em rede” foi um trabalho de releitura de detalhes de murais e mosaicos desenvolvido no Instagram (@coletivoagrupa). Os desenhos são planificados e, posteriormente, divididos em nove para que cada um dos integrantes do Agrupa os reproduzissem com materiais que tivessem em casa. “Por exemplo, reproduzimos o detalhe de um mosaico do Ângelo Tanzini na Igreja do Bom Pastor. Cada um deve obedecer os riscos e as cores na reinterpretação, utilizando o material que quiser. Já utilizamos alimentos, comprimidos, lápis de cor etc. Depois, quando juntamos todas as partes, o desenho toma forma.” As reinterpretações passaram desde Ângelo Tanzini até Cândido Portinari, passando por Niva Villela e Alfredo Mucci.