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Estudante selecionada para escola de cinema de Cuba busca apoio

renata dorea foto guilherme evangelista
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Desde os 20 anos de idade, Renata Dorea tem um sonho: frequentar uma das escolas de cinema mais importantes da América Latina. Hoje, aos 25, a fluminense, que mora em Juiz de Fora desde 2014, celebra sua classificação para ingressar na famosa Escuela Internacional de Cine y Televisión, em Cuba. Jovem, negra e engajada em causas sociais, Renata se encantou pelo audiovisual por sua capacidade de democratização, sobretudo através dos meios digitais. Seu objetivo é abrir caminho para que outros jovens negros possam continuar realizando seus sonhos, ao invés de colocar sua capacidade em dúvida, como aconteceu com ela um dia.

Renata Dorea se formou em Artes e Design pela UFJF e cursa especialização em Cinema e Audiovisual (Foto: Arquivo Pessoal)

“Minha família veio dessa massa nordestina que migrou para o Sudeste e tenho isso muito forte na poética artística, a diáspora africana e a negritude. Algumas pessoas da minha família não têm alfabetização, mas assistem novelas e filmes. Isso mostra que os sonhos projetados em filmes podem ser uma forma de contar histórias de um jeito que amplia o acesso”, conta a jovem natural de São João de Meriti (RJ) e formada bacharel em artes e design pela Universidade Federal em Juiz de Fora (UFJF), onde cursa especialização.

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Maria Carolina de Jesus

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Quando mais nova, Renata sonhava em ser escritora, até migrar para a arte multidisciplinar. Em 2016, lançou seu primeiro filme, o documentário “Afrodites”. Pouco antes, ela havia se deparado com a dura realidade do mundo das artes, mas passou por cima e seguiu em frente. O filme foi exibido em mais de 20 festivais pelo Brasil, inclusive na Mostra Sesc de Cinema e no Festival Primeiro Plano.

Documentário Afrodites foi lançado em 2016 e exibido em diversos festivais do Brasil (Foto: Divulgação)

“Eu quase desisti de fazer o documentário, porque comecei a investigar sobre mulheres negras no cinema e encontrei uma pesquisa que dizia que o número de mulheres negras que tinham realizado filmes era quase zero, e mulheres brancas eram apenas 2%. Foi um baque atrás do outro, chorei muito, achei que nunca conseguiria ser uma cineasta, uma artista. É muito difícil ser mulher nas artes, você é muito invisibilizada e facilmente esquecida. Sendo uma mulher negra, você tem uma tendência maior a isso. Mas comecei a ler Maria Carolina de Jesus, que escrevia seu diário nos papéis que catava na rua e fiquei pensando: ela conseguiu ser uma escritora, mesmo com todas as dificuldades. Meus ancestrais batalharam muito para sobreviver nessa diáspora africana. Tenho orgulho de dar continuidade ao legado dessas mulheres e abrir caminho para as próximas meninas pretas que me verão cineasta, sabendo que é possível realizarmos nosso sonhos”, destaca a artista.

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Atualmente, Renata é membro da Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), do coletivo cênico As Ruths e cofundadora do Coletivo Descolônia. Ela também desenvolve o projeto de arte urbana #Sereiasdamata, tendo elaborado mais de 80 painéis de sereias pretas pelo Brasil.

Em agradecimento pelas doações, artista irá doar algumas de suas obras (Foto: Reprodução)

Vai pra Cuba?

Fundada em 1986, a Escuela Internacional de Cine y Televisión tem a proposta de “abraçar todos os mundos”. A admiração de Renata pela escola se deve inclusive a um de seus fundadores, o escritor, jornalista e ativista colombiano Gabriel García Márquez. “Um pesquisador cubano, Julio García Espinosa, tinha um manifesto do cinema imperfeito. Ele acreditava que a beleza desse cinema seria a imperfeição, uma gambiarra fílmica para lidar com a falta de recurso – por não ser algo hollywoodiano. Vejo que a escola de Cuba tem o compromisso desse cinema para a transformação do mundo, dessa perspectiva de expandir as vozes latino-americanas. É uma valorização da criatividade”, acredita a estudante.

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Como uma das cinco brasileiras selecionadas para estudar TV e Novas Mídias, um curso com duração de três anos, Renata precisa agora reunir verba para se manter no exterior. Para driblar a dificuldade financeira, a estudante conta com a ajuda de amigos e apoiadores que podem contribuir com um financiamento coletivo (benfeitoria.com/doreaemcuba). Sua meta é arrecadar R$ 55 mil até 23 de setembro, para custear matrícula, passagem para Cuba, seguro de vida e outros gastos relacionados com a travessia. Em troca, os colaboradores receberão recompensas variadas – dentre elas, videoaulas e até obras feitas pela própria artista. Até o início da noite desta quarta-feira (29), Renata havia arrecadado R$ 3.900, cerca de 7% do valor pretendido.

(Foto: Reprodução)

Para continuar pelos próximos anos em San Antonio de los Baños, onde deverá estudar em tempo integral, a estudante tentará recorrer a bolsas e parcerias. “A imagem do negro na novela, nas histórias no Brasil, sempre foi muito vinculada ao período escravocrata, mas nós não fomos escravos, fomos escravizados e antes de tudo somos humanos, com sonhos, famílias e vontades”, reflete Renata. “Espero dar continuidade a essas histórias, porque ajudam a descolonizar o imaginário, criam novos sonhos e possibilidades para futuros diversos. O audiovisual é uma forma de reescrever histórias que às vezes são traumáticas, mas a partir dessas narrativas, nos sentimos mais orgulhosos e dignos de sobreviver e existir, resistindo nessa América Latina.”

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