A animação brasileira tem galgado o seu espaço. Apesar disso, ainda não foi possível reunir todos os dados de quantos filmes animados o Brasil produziu. O que existe, no caso, são iniciativas individuais que têm o objetivo de reunir o que é possível, ainda, tangenciar. O mais próximo que se chegou dessa união é uma lista feita pelo cineasta Marcelo Marão, com o que foi possível identificar dos longas-metragens realizados no país. Disponível no catálogo da Mostra de Cinema de Ouro Preto, CineOP, a lista contempla cerca de 70 longas, feitos entre 1953 e 2024. Ainda não foi possível identificar, no entanto, o número de curtas.
Existe, agora, um movimento que caminha em busca dos dados da animação mineira, realizado pela pesquisadora Elisangela Lobo Schirigatti, com orientação de Maurício Silvio Gino, através do Registro e Divulgação da Animação Brasileira e Latino-Americana (Abrala). O fichamento identificou que 539 filmes de animação foram realizados em Minas Gerais. Deles, 537 são curta e dois são longas (“Placa-mãe”, de Igor Bastos, e “Chef Jack”, de Guilherme Fiuza).
Minas Gerais pioneira na animação
Focar esse estudo em Minas Gerais não é à toa: o estado tem uma longa história com a animação. De acordo com uma pesquisa feita por Sávio Leite, cineasta, pesquisador e professor mineiro, as primeiras experiências em cinema de animação que se tem notícia, feitas no estado, remontam a 1954, a partir dos filmes “Geografia infantil” e “Água limpa”, ambos de Igino Bonfioli. Durante um bom tempo, como aponta sua pesquisa, foi ele quem dominou a área no estado. Existiram, ainda, experimentações feitas para a rede de televisão no começo da década de 70. Mas só no final é que se sabe de outras realizações cinematográficas: “Criação”, de Helvécio Ratton, que, mais tarde, ficaria conhecido por seu trabalho com “A dança dos bonecos” e “O menino maluquinho”.
Outras produções foram realizadas nos anos 1970 em Minas Gerais. Mas o marco, de fato, foram os anos 1980. Nesse momento, surge, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o curso de Cinema de Animação da Escola de Belas Artes, que foi possível através de um convênio com o National Film Board do Canadá. Aí, sim, a produção animada no estado ganha mais forma. E vários são os animadores que surgiram desse pioneirismo e que, até hoje, produzem cinema, como é o caso do próprio Sávio. É por isso que os anos 1990 foram efervescentes, sobretudo a partir do nome de Tânia Anaya, realizadora de “Castelos de vento”, de 1998, dentre outros.
A pesquisa de Sávio dá conta de que a primeira década dos anos 2000 registrou um “número recorde de 247 curtas-metragens produzidos em Minas Gerais”. Isso, como fala, graças ao aumento no número de leis de incentivo, a partir de editais e fomentos para a produção. Dando continuidade, a segunda década dos anos 2000, como aponta, “confirma a tendência de crescimento da arte de animação do estado de Minas Gerais”, momento em que foi registrado um novo recorde: 262 curtas realizados.
Interior
Além da UFMG, novos cursos foram sendo criados, inclusive no interior, o que possibilitou a formação de novos animadores e, consequentemente, a criação de novas produções animadas. Um dos mais recentes é o curso Tecnologia em Cinema e Animação, criado em 2023, em Cataguases. Parte dessa produção feita dentro dos cursos e por realizadores mineiros. Inclusive, pode ser vista no festival Ver e Fazer Filmes, que acontece a partir desta segunda-feira (1º) até sábado (6), na cidade da Zona da Mata, com fóruns e apresentações musicais, além das exibições. A programação completa está disponível no Instagram (@polo_audiovisual).
Animação mineira em debate
Esse percurso do cinema de animação mineiro foi uma das pautas da CineOP que, neste ano, homenageou a produção animada no Brasil. Uma das mesas reuniu diversos realizadores mineiros, como Sávio, Igor Bastos, Maurício Gino e Rafael Guimarães, além da pesquisadora Elisangela Lobo Schirigatti. Além desse percurso na área com o enfoque mineiro, os presentes puderam apresentar a cara da animação em Minas Gerais, e os caminhos possíveis para o seu fortalecimento.
“A animação pode ser mais subversiva que qualquer outro estilo”, afirmou Sávio. E é exatamente por isso que ela tem sido utilizada como recurso para mostrar realidades intangíveis e igualmente verdadeiras. Foi acreditando nisso que Sávio decidiu se dedicar à animação e, mais que isso, pesquisar sua presença em Minas Gerais, o que deu origem a todo esse estudo.
“No contexto hoje, lógico que a UFMG continua nessa posição de liderança, nessa história de pioneirismo, mas outras surgiram. Eu acho interessante que Minas Gerais tem essa tradição. Cataguases, por exemplo, é a cidade do Humberto Mauro. Onde começou o cinema brasileiro. E é um lugar ainda vanguardista. E os meninos pegaram isso, de querer reconstruir ou reimaginar, ou pensar de novo a animação. Porque eu acho que a animação é a arte mais importante. É magia”, acredita.
E foi exatamente pela capilaridade instaurada em Minas Gerais que novos animadores surgiram. Igor, por exemplo, é um deles. Apesar de sempre ter tido a vontade de fazer animação, entendia que no interior isso não era possível. Até que chegou à sua cidade o Mumia, festival dedicado à animação e idealizado pelo Sávio. E ele viu que era possível.
Fortalecimento de políticas públicas
Mas isso, como aponta Igor, dependia de outros fatores primordiais em todo o estado: as políticas públicas. “Eu percebi que o cinema é indissociável, em todos os lugares do mundo, às políticas públicas.” E, ainda hoje, ele luta de forma ampla por elas. Mais atualmente, na linha de frente pela regulamentação do Vídeo sob Demanda (VoD).
De acordo com ele, foi essa luta que resultou na produção de dois longas, em 2018: o seu, “Placa-mãe”, e “Chef Jack”, de Fiuza: os dois únicos longas feitos em Minas Gerais e que foram lançados em 2023.
“Hoje, no estado, eu contei dez longas sendo feitos aqui. No Brasil todo tem 50. Então, é 20% da produção toda. Minas Gerais está se vocacionado para isso. A gente está se tornando a terra dos longas de animação”, acredita. E completa: “Mas, para que dê certo, é preciso fortalecer a UFMG, as produtoras, o circuito de distribuição e exibição, os festivais”.
Mineiridades em tela
Em um cenário pulsante, é possível analisar a construção de uma identidade a partir da animação em Minas Gerais. Não que todas tenham as mesmas características e técnicas. Mas elas têm algo em comum, como afirma Igor: “A animação mineira tem relação direta com o território. As animações e os territórios estão completamente interligados. Os materiais, inclusive, ficam impressos em tela. O território está dentro do filme, e o filme está no território”. E isso, como segue afirmando, é um nítido retrato de Minas Gerais que, como diz, são muitas.
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