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O samba-choro de Milton Villela Mascarenhas

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Milton Villela (ao centro), na estica, em ação com os companheiros de samba (Foto: Arquivo pessoal)
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Milton Luiz Villela Mascarenhas (1927-1983) até poderia ser citado nos anais da história de Juiz de Fora apenas pela rigidez dos homens de negócio. O sobrenome denuncia. Milton é filho de Ulisses Guimarães Mascarenhas e neto de Bernardo Mascarenhas. Até trabalhou no escritório da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas no Rio de Janeiro quando Ulisses herdou o espólio do pai. Mas não era tão afeito a escritórios. Gostava de trajes esporte fino, é verdade. Só que nas rodas de samba. Milton é um dos tantos compositores juiz-foranos de MPB, mas está perdido na historiografia da música local entre os idos de 1930 e 1960. Não se sabe se por viver na então capital federal entre os 10 e 40 anos de idade. Ou se pela morte precoce, aos 56. Entretanto, até hoje a obra de Milton rende direitos autorais aos filhos. Ele assina junto a Pereira da Costa, por exemplo, a música “Teco-teco”, gravada a princípio pela rainha do choro, Ademilde Fonseca, mas depois por Miriam Batucada e Gal Costa.

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Milton começou a gostar de música popular aos 5 anos, em 1932, quando o pai tocava gravações de Noel Rosa, Mário Reis, Carmen Miranda numa vitrola de dar corda. “Comecei ouvindo aqueles discos e fui tomando gosto. Depois, já rapaz, arranjei um professor de violão, o Júlio de Oliveira (Júlio Macucão), aqui de Juiz de Fora, que estava no Rio. Do violão para a composição foi fácil, mas a raiz de tudo foi aquela coleção antiga de discos da Velha Guarda, onde comecei a assimilar a MPB”, disse Milton em entrevista à “Revista Momento”, publicada em julho de 1975. A conversa, aliás, é reproduzida em “História recente da música popular em Juiz de Fora” (1977), de Carlos Décio Mostaro, João Medeiros Filho e Roberto Faria de Medeiros. Mas a filha de Milton, Maria de Lourdes Ferreira Mascarenhas, revela que havia uma “disputa” entre o compositor e o avô, Ulisses. “O meu avô era um homem muito erudito, morou muitos anos na Europa. Não gostava muito da música popular, apenas dos clássicos.”

Maria de Lourdes é conhecida como Lurdinha desde a infância porque a avó também se chamava Maria de Lourdes. “Era uma família muito rica, mas me lembro que tanto o meu pai quanto a minha avó eram pessoas muito sensíveis a injustiças sociais, aos necessitados”, conta Lurdinha. Ulisses e a esposa moravam à época na Avenida Barão do Rio Branco 3.029, naquele castelinho em estilo normando onde está sediado atualmente um centro de diagnóstico médico por imagens. Mas a família não demorou a se mudar para o Rio de Janeiro por conta dos negócios da Companhia Têxtil. O acesso ao meio musical foi através do amigo Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955). “Garoto foi violonista, bandolinista, cavaquinhista, autor de ‘Gente humilde’, ‘Duas contas’, que tocou com a Carmen Miranda”, detalha o músico e pesquisador Márcio Gomes.

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Ali, Milton conheceu Ataulfo Alves, Ary Barroso e Blecaute – este viria a gravar composições de Milton mais tarde. “O meu pai citava muito o Blecaute, que eu conheci apenas por fotos. O Blecaute era muito parceiro dele, estavam sempre juntos. Mas ele também se encontrava com Lupicínio Rodrigues. O meu pai adorava o Lupicínio. Ele até gostava mais de músicas alegres, não muito das de fossa, como Lupicínio”, brinca Lurdinha. “Só que ele cantava em casa direto aquela ‘Nunca’, do Lupicínio, que veio a ser regravada pela Zizi Possi.” Ao contrário de Ulisses, Milton não era homem de escritório, embora até tenha trabalhado em um. “Ele tinha uma veio artística muito grande. Era o antigo boêmio, gostava muito de boemia”, pontua Lurdinha. Mas ela nunca viu o pai bêbado. “Não chegava em casa às 5h, 6h da manhã embriagado. Nunca foi amante de bebida. Ele vivia em um meio onde todo mundo bebia, mas estava mais em função da música e dos amigos.” Em Juiz de Fora, os amigos mais próximos eram Macucão e José Oceano Soares, um dos decanos da MPB na cidade.

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Um homem do samba e do carnaval

A obra de Milton concentra-se entre a segunda metade da década de 1940 e a primeira dos anos 1950, detalha Márcio Gomes. “O período é breve até porque foi quando esse tipo de música tradicional começou a perder espaço para a Bossa Nova e a Jovem Guarda, por exemplo.” A primeira a ser gravada foi “Baiana Tereza” (1949), composta em parceria com Hélio Nascimento e gravada por Blecaute. O intérprete ainda viria a gravar outras letras de Milton, como “Leilão de Ali Babá” (1950), assinada também por Augusto Rocha, “Salve, Mangueira” (1950) e “Banca do guarda” (1953), esta parceria com o próprio Blecaute. Outro intérprete a gravar composições de Milton foi Tesourinha. Além de gravar “Leilão de Ali Babá” (1951), deu voz a “Fingimento” (1951), composta também por Augusto Rocha e Tufi, e “Muito obrigado” (1949), assinada novamente por Augusto Rocha e Orlando Trindade. “Alguns falam que Milton compunha choro, mas era mais samba-choro e marcha. Quando falamos choro, pensamos no instrumental. Não era o caso dele. Era samba mesmo, de carnaval. O samba-choro é mais samba do que choro. É uma vertente do samba”, explica Márcio. Mas o repertório ainda tinha a canção “Maior presidente”, dedicada a Getúlio Vargas e utilizada nos anos 1950 pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). “Mas Getúlio nem precisava disso, era o maior presidente mesmo”, disse Milton à “Momento”.

Milton Villela (à direita), além de tocar pandeiro, era violonista e bandolinista, conforme Lurdinha (Foto: Arquivo pessoal)

Milton ainda teve canções interpretadas por Onessimo Gomes, Roberto Silva e Gilberto Alves, mas o grande sucesso foi mesmo “Teco-teco”. A música foi gravada por Ademilde Fonseca em 1950 e voltaria às paradas com Miriam Batucada e Gal Costa. Milton, aliás, já não vivia mais no Rio. “À época, o (programa de TV) ‘Fantástico’ fez uma chamada anunciando que no próximo bloco Gal Costa cantaria ‘Teco-teco’. O meu marido então se tocou que era a música do meu pai e lhe contou, porque não se fez menção a quem eram os autores da música. Então, o meu pai foi atrás dos direitos autorais”, relata Lurdinha. Gal gravou a canção no álbum “A arte de Gal”. “Na segunda-feira, comprou o disco e viu que o selo não trazia o nome do autor. Um telefonema para o Rio – e a súbita agitação que ressuscita o sambista de mais de 20 anos atrás. Ação. Providências. Contatos. Interdição de pagamentos dos direitos sobre a vendagem e de edição”, registram os autores em “História recente da música popular em Juiz de Fora”. Conforme Lurdinha, até hoje ela e o irmão Gabriel Ferreira Mascarenhas recebem direitos autorais por “Teco-teco”.

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Milton deixou o Rio de Janeiro em 1967, após o escritório da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas encerrar atividades. À época, ainda se separou da esposa, Rosa Maria Ferreira Mascarenhas. “Eles se separaram, mas nunca no papel”, ressalta Lurdinha. “Continuaram muito amigos. Tanto é que ela não tirou o nome dele. Todo mundo falava que eles eram apaixonados um pelo outro. Às vezes me contavam que os dois ficavam conversando no Parque Halfeld…” O compositor, então, mudou-se para Tocantins, a cerca de cem quilômetros de Juiz de Fora, para morar na Zona Rural. “Ele morou em Tocantins por uns três, quatro anos. Depois, não quis não. Lá era muito quente. Ele queria morar perto de serra, porque gostava de criar carneiros. Então, mudou-se para o estado do Rio, na estrada Niterói-Friburgo.” Milton criava cavalos, carneiros e gado para vender. “As nossas caminhadas a cavalo eram muito gostosas quando íamos visitá-lo. Mas ele nunca largou a música. Sempre compunha”, relembra Lurdinha. Milton tirou a própria vida em 1983, em Juiz de Fora, mas ainda aproveitou um pouco as netas Paula e Mariana – filhas de Lurdinha. “Ele até me roubava a Paula. Às vezes me perguntava onde estava a Paula e, quando via, estavam passeando os dois na rua para comprar sorvete.” O espírito de Milton era o mesmo de “Teco-teco”.

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