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‘Quero ser fotografada como sou’

fotos sensuais
MULHERES BIA21
Bianca Martins buscou no ensaio fotográfico a reconquista de sua autoestima após se tornar mãe (Foto: Ana Ferreira/O Nome Delas)
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“Qual é a minha possibilidade de ser?” O questionamento da psicóloga Joyce Rosa perpassa uma série de concepções que, vira e mexe, atingem a mulher. Ter o domínio sobre o próprio corpo e decidir o que dele fazer é uma conquista ainda em construção. O olhar e a opinião do outro ainda restringem as decisões. O envio de nudes cresceu na quarentena, assim como o vazamento dessas fotos. Uma pesquisa da ONG Safernet registrou um aumento de 156%, em 2020, nos pedidos de ajuda com fotos vazadas, de qualquer gênero. No entanto, são as mulheres as maiores vítimas desse crime. Mas e quando a foto não é vazada, mas produto de um ensaio? E quando ela é publicada nas próprias redes sociais? Por que as mulheres escolheram ser as protagonistas das fotos sensuais?

O ponto principal é: muitas dessas mulheres escolhem fazer esse tipo de ensaio não para que o outro veja, mas para que ela própria se veja. E existe aí uma grande diferença entre esse tipo de ensaio e o ensaio pornográfico. As mulheres querem se reconhecer quando se olham. De corpo inteiro. Ensaios pornográficos são feitos, exclusivamente, para agradar os outros. Ana Ferreira, fotógrafa juiz-forana, lembra: “um espelho, muitas vezes, é retorcido. Assim como a câmera do celular. Por causa disso, a imagem que as mulheres têm de si acaba também sendo distorcida. A gente acaba não se reconhecendo. Com uma câmera, e a fotografia como uma ferramenta documental forte, a gente consegue mostrar quem é a mulher, sobretudo em fotos que não são tratadas”.

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“Um ensaio, muitas vezes, tem um reflexo importante dentro da autoestima das pessoas, porque elas vão conseguir se enxergar de outras formas, vão conseguir enxergar, talvez, coisas que elas não conseguiriam ver no espelho”, acredita Joyce. Bianca Martins, historiadora e coordenadora administrativa de um colégio de Juiz de Fora, fez parte do projeto de Ana Ferreira, chamado “O Nome delas”. Nele, a fotógrafa buscava contar a história das mulheres através da imagem. Mesmo que não fosse a intenção, algumas fotos nuas surgiram no projeto, de maneira intuitiva.

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Ana Ferreira, fotógrafa e fotografada para se entender no mundo (Foto: Ana Ferreira/O Nome Delas)

Mãe e mulher

Bianca é mãe. “A maternidade foi um processo muito duro para mim, eu abri mão de muitas coisas, e uma dessas coisas foi desse ser mulher. Eu virei mãe. Eu só me via como mãe.” Ela fez uma oficina de ginecologia autônoma e, a partir dela, começou a entender que ela era mais do que só um corpo que pariu. Começou a entender e aceitar as mudanças físicas nesse período. Na mesma oficina, conheceu Ana e, em 2018, fez o ensaio. “Foram fotos para mim, não foi para mostrar. Eu queria me ver esta mulher de novo. E quem era essa mulher? Eu não sabia mais. Eu sabia quem era a Bianca antes da maternidade, mas não sabia quem era a Bianca depois.” Ana explica que, durante o encontro para as fotos, deixa a mulher livre e conversa constantemente para ir conhecendo a história. Em um momento, perguntou se Bianca queria tirar foto nua. Bianca aceitou. “Em momento algum pensei em ser sexy, mas tirei no sentido de me despir para aquele projeto e para mim mesmo. Eu queria ver aquele corpo, eu queria me ver em todos os aspectos, enquanto mulher principalmente.”

Quando recebeu as fotos, disse que se viu de uma forma que nunca havia visto, entre risos, choros e gargalhadas. “Foi um resgate da minha autoestima enorme, uma autoestima que estava pisoteada há muito tempo e esquecida em função da maternidade. A mulher ali apareceu e somente ela.” Ela, no entanto, nunca se achou sensual, apesar de já ouvir isso. As fotos, mesmo nuas, para ela, não eram sensuais. E ela não tem vergonha alguma em dizer que faz nudes. E guarda ou envia. Essas fotos, para ela, são apropriação do próprio corpo. “É o nosso corpo. É a nossa realidade. Quanto mais a gente se aproxima dela e entende que está tudo bem ser quem você é, a gente aceita a mulher, e isso é essencial para a gente se libertar dos padrões que são impostos. A autodescoberta e a auto-observação geram empoderamento, sem dúvida alguma.”

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Olhar para a foto e se enxergar

Joyce Rosa também participou do projeto de Ana. Assim como para Bianca, o impacto foi de se reconhecer. “É importante pra mim nesse lugar de me reconhecer enquanto uma mulher bonita, atraente e de me sentir confortável mesmo, e bem me vendo ali, que é um desses poderes que a fotografia tem.” A própria Ana diz que começou na fotografia para se entender no mundo. Para ver beleza nas próprias imagens. Durante os ensaios, gosta dos movimentos, do autotoque, da dança. Isso, para ela, é uma forma de se sentir e de ver que existe no mundo. “Eu quero ser fotografada como eu sou.” Para ela, dessa forma, sentindo-se livre dentro daquele espaço, as mulheres, vistas pelo olho de uma outra mulher, conseguem se livrar dos olhares – muitas vezes opressores – dos homens, e se enxergar de outra forma. Bianca concorda. “Acho que as mulheres são objetificadas, são massacradas por um padrão de beleza que é sempre incansável. Existe ainda um domínio dos corpos femininos e eu acho que você se olhar através do espelho, seja fazer nude ou selfie, ter essa ferramenta de fotografar você mesma para observar, a gente tem que se apropriar cada vez mais disso para que seja legítimo.”

Joyce Rosa, psicóloga, vê no ensaio sensual uma forma de ver o que o espelho não mostra (Foto: Ana Ferreira/O Nome Delas)

‘Quase como uma modelo mesmo’

“A sensualidade é muito mais subjetiva do que objetiva. Ela está muito mais relacionada ao que a gente sente, ao que a gente já vivenciou, ao que a gente foi construindo no decorrer da nossa vida”, explica a psicólogo Joyce Rosa. Assim como fotos sem roupa não necessariamente são sensuais, fotos com roupa podem ser sensuais. Mayra Calixto e Renan Silva são os fotógrafos da Secret, totalmente voltada ao sensual. O casal conta que a maioria das mulheres chega até eles com um motivo exato. “Às vezes é somente registrar uma fase boa, às vezes é data comemorativa, às vezes é por mudanças estéticas, tem quem chegue por estar grávida e querer registrar a mudança do corpo. Muitas delas, a maioria, vêm procurando a sensualidade dentro delas mesmo, querendo provar algo. Encontrar-se, vencer um medo em relação ao corpo”, pontua Mayra. É sabendo qual é o motivo da procura que o ensaio é montado.

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Sempre sensual

Com um homem e uma mulher, dizem, os dois olhares se juntam nessa construção. Um é mais artístico, no caso o de Renan; o outro é mais sensual, o de Mayra. Mas para que dê certo, o principal é fazer com que as mulheres se sintam confortáveis. E isso faz parte da conversa – tanto antes quanto na hora. Mayra é quem assume essa responsabilidade e conta que acaba criando amizades pela intimidade que existe no ato. Por ter um fotógrafo junto, muitas mulheres sentem vergonha de fazer as fotos nuas. Mas, ao chegarem lá e sentirem que aquele ambiente é agradável, acabam tirando a roupa. Uma tática que eles contam é nunca começar com o nu: investem em lingeries, alguns objetos e (por que não?) roupas. Mesmo não gostando, mostram uma foto para a mulher, que acaba se sentindo bem e pedindo para fazer o nu. Para eles, é o direcionamento e o posicionamento do fotógrafo que faz com que a foto seja ou não sensual.

Mayra Calixto e Renan Silva são os fotógrafos da Secret

“Essa experiência eleva muito a autoestima da mulher. A descoberta da sensualidade é uma coisa incrível, quando ela se descobre e enxerga que ela pode ser, sim, sensual”, diz Mayra. É normal que, ao verem o resultado, as mulheres tenham vontade de voltar para tirar mais. Úrsula Gama, recepcionista de uma clínica médica, também mãe, foi uma das que fizeram o ensaio na Secret. Ela conta que já tinha vontade de fazer o ensaio e viu a oportunidade com os dois. Mas assume, também, que gosta de tirar fotos. Na hora, ficou com vergonha. Mas, aos poucos, conseguiu ir se soltando. “Lá estava eu, super bem resolvida com meu corpo, me sentindo quase como uma modelo mesmo”, brinca.

O resultado, de acordo com ela, foi o que esperava: sentir-se empoderada. “Um ensaio assim ainda é visto por muitos como algo vulgar. Mas há uma luta interna, por trás de cada mulher que está ali posando, há uma vontade de se empoderar, de mostrar que gorda, magra, alta, baixa, jamais devemos nos deixar de lado, e principalmente com medo da opinião dos outros.” Para ela, o sensual habita no olhar e na atitude. Isso, com o posicionamento da fotografia, é o que vai definir o ensaio. Para Bianca, no entanto, o sensual está em ser natural: “Os filmes que eu considero sensuais, por exemplo, nem sempre são os eróticos, mas são filmes que têm uma sensualidade intelectual. Nada mais sexy que ser elegante.”

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Úrsula Gama se viu empoderada com as fotos sensuais (Foto: Mayra Calixto e Renan Silva/Secret)

Para expor nas redes sociais

Percebe-se também um aumento da procura por esse ensaio voltado exclusivamente para compartilhar nas redes sociais. Como lembra Renan, a internet pode ser uma área perigosa. Mas, se a foto já está publicada, que mal teria? A Secret, inclusive, tem rede social e posta alguns dos ensaios, quando existe autorização. Alguns, por exemplo, são presentes para maridos, que acabam ficando guardados. Mas, no Instagram, há fotos de mulheres totalmente nuas. E sem vergonha alguma disso. Muitas vezes, as fotos não são autorizadas para postagem, pois certas mulheres poderiam ter problemas profissionais em função da exposição. Ou seja, mesmo com as mulheres assumindo suas vontades, existe ainda o julgamento social. Como se o sensual fosse vulgar e isso não combinasse com o mundo do trabalho. O caminho ainda é grande.

Fazer fotos só para postar não é um problema, garante Joyce. O crivo moral da sociedade, realmente, associa esse tipo de atitude à “vontade de aparecer” e, muitas vezes, a menospreza. “Mesmo ela querendo aparecer, isso também é saudável, também faz parte de como a gente vai se sentir bem.” Mas, ressalta: “Isso não deve ser uma âncora, uma muleta para a gente se sentir bem, necessitar desse olhar de valorização do outro. Mas é super saudável e natural querer se mostrar, se ver bem e querer receber elogios sobre isso.” De acordo com ela, o processo já está em andamento: quanto mais mulheres fizerem e se sentirem bem com isso, mais outras mulheres vão fazer e mostrar o potencial do ato. Como sempre: uma ajuda e influencia, no bom sentido, a outra.

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