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Festival independente de teatro tem peças a partir de R$ 6

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Quem se rebela rebela-se contra algo ou alguém. Toda rebeldia tem alvo certo. A partir desta sexta, 30, a rebeldia tem alvo e refletores nos palcos de Juiz de Fora. Intitulado Ato de Rebeldia – em referência ao evento promovido pela Funalfa em 2017 substituindo o Festival Nacional de Teatro – um evento reunindo a cena das artes cênicas independente na cidade hasteia sua bandeira em defesa dos investimentos públicos na cultura local. Até o dia 9 de dezembro, espetáculos, leituras dramatizadas, oficinas, rodas de conversa e festa se desdobram em sete diferentes espaços independentes, com preços que variam do popular R$ 6 a R$ 40. Representante das artes cênicas no Conselho Municipal de Cultura, o diretor e pesquisador Hussan Fadel conta que o projeto surgiu no fórum da classe “para marcar o lugar de ser contrário a essas imposições econômicas que acabam rolando, de discursos do Poder Público como o de que se não tem grana, não podemos (o Governo) fazer nada, expondo os artistas e os trabalhos a uma fragilidade por conta de todo o Estado estar quebrado”.

Cena de “Velhos tempos de mim: saberes e sabores da infância”, novo espetáculo da Caravana de Histórias, que se apresenta na Casa D’Itália (Foto: Divulgação)

“Se o Governo não olha para a cultura, nós mesmos tentamos articular artistas para alcançar o público, trabalhando com a ideia de economia sustentável, estimulando as atividades e a formação do espectador e criando espaços de troca na cidade. Estamos fazendo tudo de forma independente, tentando puxar todos os espaços de grupos vinculados a movimentos artísticos da cidade, fazendo na raça, por bilheteria, até para colocar o trabalho dos artistas em evidência. Dentro do Ato, estamos montando peças que aconteceram no segundo semestre ou estrearam agora. A galera está fazendo muito. Há quantidade e qualidade de produção na cidade. São muitos os grupos, coletivos e linguagens”, avalia Hussan, cerca de cinco meses após ser empossado no conselho. O contexto, de acordo com ele, exige união. E a classe dá sinais de concordância. Ainda que os fóruns tenham se esvaziado nas últimas edições, diante de certa inércia dos órgãos públicos, o evento atual confirmou a tendência ao engajamento.

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Arte na formação

Inspirado na tragédia de Mariana, “Terra sem acalanto”, com Bruno Quiossa (foto) e Felipe Moratori volta à cena (Foto: Lucas Guimarães/Divulgação)

“Avalio esse movimento como um fortalecimento da classe artística local. Em tempos em que o Poder Público passa por problemas financeiros e estruturais, é preciso criar estratégias para sobreviver. Criar e produzir de forma independente é uma forma de resistência e de mostrar para o Estado que estamos aqui fazendo”, pontua o ator e produtor Bruno Quiossa, um dos coordenadores da Sala de Giz, um dos palcos para as montagens, dentre elas “Terra sem acalanto”, mais recente trabalho de Bruno. “Não podemos ser reféns do Poder Público”, acrescenta o artista, que para o novo trabalho utilizou recursos de crowdfunding. Atriz, professora, produtora e pesquisadora, Gabriela Machado concorda com a potência do encontro, o que, para ela, não exime o Poder Público. “É uma pena que mesmo depois da implementação do Sistema Nacional de Cultura ainda não se vêm garantidos o pensamento, o espaço e o orçamento público para a cultura e as artes. O Ato, com certeza, é uma resposta a isso. Não temos um Governo que prioriza em suas ações a cultura como um direito comunitário, isto é, arte e cultura como espaço de formação de cidadania e sociedade”, critica a artista.

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Para Gabriela, ainda ficam as perguntas: “Onde está o edital da Lei Murilo Mendes em 2017 e em 2018? Onde estão as edições de 2017 e 2018 do Festival Nacional de Teatro? O Cenas Curtas? A necessidade de um artista está para além dos incentivos públicos e privados. A comunidade tem direito à cultura e fruição à arte garantido pela Constituição. Sei que 50 anos atrás isso era luxo, mas em 2018 isso é direito”. Hussan Fadel concorda e sabe que o debate precisa se aprofundar e ganhar complexidade, principalmente após o anúncio de investimento privado no projeto público Corredor Cultural, adiado durante a greve dos caminhoneiros e transferido para os próximos 14, 15 e 16 de dezembro.

“Todo mundo com quem tenho contato nos fóruns e na classe vê como positivo o investimento da Unimed no Corredor Cultural. Bem ou mal, a coisa acontece assim, só que a gestão foi iniciada com a defesa do estímulo do artista para se profissionalizar, desenvolvendo a cadeia produtiva e dependendo cada vez menos do Poder Público, e seria mais interessante se a Funalfa criasse meios para disponibilizar o acesso dessas empresas aos artistas ou dos artistas às empresas”, sugere Hussan.

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‘A ideia da flor que brota no asfalto’

Rebeldia é substantivo onipresente na cena artística de Juiz de Fora. É imperativo, garante Hussan Fadel, integrante do Corpo Coletivo e diretor de “Casa dos espelhos”, que apresenta durante o evento Ato de Rebeldia. “De alguma maneira, a rebeldia está presente quando pensamos no nosso teatro, em quebrar os ritmos cotidianos do consumo de arte. Nossos espetáculos são pensados para colocar o espectador para ocupar um lugar ativo e ser provocado. É uma arte que inquieta e está para ser digerida. A rebeldia está em não nos conformarmos com os padrões de fazer artístico de massa, propondo um trabalho com discurso próprio e independente, com exercício de grupo, coletivo, e na manutenção de um espaço numa cidade sem estímulos. A rebeldia está na essência de nosso fazer artístico. É um motor de ruptura com o cotidiano passivo. É a ideia da flor que brota no asfalto. Tentamos brigar com os muros, concretos e vamos brotando”, poetiza ele. Para Bruno Quiossa, o impulso é parte fundamental do fazer. “Sempre fiz teatro de forma independente. Já participei de projetos financiados pelo Poder Público, mas aprendi a não depender de ninguém para realizar meu trabalho. Meu maior financiador é meu público, que acompanha meu trabalho desde 2003. Criar de forma independente interfere diretamente no processo de criação, diretamente no tempo de execução, bem como na estética pensada para o trabalho”, diz.

Como pessoa, Gabriela Machado se diz inquieta, desconfiada e curiosa. Como artista, cria a partir de tais características. “Decifra-me”, potencializa a cena e cada linguagem em si, mas também abre novas possibilidades de ouvir, entender ou experimentar a arte. “Nosso processo foi de escuta e intervenção entre obras e artistas. Ouvia a música de Alexandre (Moraes) e ele descrevia como um conto. Uma música instrumental cheia de movimento e imagens. Visitava o ateliê da Gisele (Ogera) e ouvia narrativa e memória em seus objetos. Assim como ao ler Galeano tinha vontade de dizer aquilo em voz alta”, conta, para logo acrescentar: “Ouso dizer que para mim interessa mais a produção de política pública para a cultura do que o fomento da cena independente. Colaborar é uma necessidade intrínseca da arte.”

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