Já vai longe o tempo em que um dos expoentes da malandragem, Bezerra da Silva, decretou que “malandro é malandro e mané é mané”. É dessa quase sentença de vida que Maicon Jacksom do Pandeiro tenta sair com o caldeirão musical que aprendeu nas ruas, mas, como filho de Mané do Cavaco, o destino parece reservar para ele o mesmo destino do pai: ser mais um artista que vira óleo para mover as engrenagens da indústria musical. Entrando no espírito do grupo, este é o quase-resumo do álbum quase-conceitual “Ópera do Mané”, CD de estreia do quinteto Sambavesso, que promove seu show de lançamento neste sábado no Bar da Fábrica com uma penca de convidados para servir ao público a sua mistura de samba, rock, maracatu, black music, choro e outras bossas.
Antes de prosseguir, que fique claro: o Sambavesso são cinco, depois de ser seis. Com a saída de um dos vocalistas, Dudu Costa, a formação atual do grupo conta com Ângelo Goulart na bateria, Edson Leão no vocal, Danniel Goulart na guitarra, violão, bandolim e vocais, Fabrício Nogueira no cavaquinho e banjo e Lula Ricardo no contrabaixo. Esse apanhado de bons amigos se reuniu ainda em 2006, quando Edson (ainda mais ligado ao rock) e Danniel (com um trabalho já ligado ao samba) tinham em comum a audição do grupo de indie rock Numismata, que dava suas fugidas para a malemolência brasileira. Daí, a ideia de criar um show chamado “Nosso samba pelo avesso”, promovendo a união de ritmos, foi mais rápida que um repique de tamborim. “Sabemos que não inventamos a roda, que já faziam isso antes da gente, mas, logo no primeiro ensaio, vimos que havia química”, lembra Edson. “E o que era para ser apenas um show se tornou uma banda.”
No início, eram as releituras de clássicos do samba de gente como Noel Rosa, Sinhô, Pixinguinha e grande elenco, que eram “envenenadas” por guitarras e outros ritmos, como a salsa e o maracatu. Artistas atuais com um pé no samba, como Chico Science e Nação Zumbi e Los Hermanos, também entravam na equação. “Quando começamos, nada disso era pensado, mas isso nos contagiou, e tocamos em diversos projetos, que nos levaram ao Rio de Janeiro, Brasília e outras cidades. Percebemos que havia ali uma linguagem diferente”, destaca Lula Ricardo.
Não demorou muito, então, para que o Sambavesso marcasse de vez sua personalidade – mesmo que a ferro e fogo. “Era mais fácil pegar um clássico e dar uma roupagem nova, aplicar isso às nossas letras era mais complicado”, acrescente Lula. “Era interessante pegar o punch do rock para canções como a do Noel, que é, inclusive, citado em um livro sobre o punk no Brasil como o primeiro representante do gênero no país. Isso muito antes de o próprio rock surgir”, ressalta Edson. “Esse pessoal do início do samba era visto como ‘marginal’, eles tinham uma postura rock and roll”, arremata Danniel.
A saga dos Manés
Sem malandragem e com muito trabalho, o que seria o álbum de estreia foi tomando forma. Após aprovação na Lei Murilo Mendes, os seis que se tornaram cinco entraram em estúdio, e uma história foi sendo criada sem maiores pretensões, como conta Edson. “A primeira canção do grupo foi ‘Eu não vou’, e logo entregaram outra que parecia ter ligação com ela, que poderia render uma história. Foi daí que surgiu a ‘Ópera do Mané’, uma brincadeira com a ‘Ópera do malandro’ do Chico Buarque. E não posso deixar de lembrar a citação de ‘Não paga nada’, do Duty Botti, que incluímos na música “Hoje não vou pagar.”
Em bom português: mesmo não tendo muito a ver com o rock progressivo, que é mais chegado a essas praias, a “Ópera do Mané” é um álbum quase-conceitual. Entre guitarras, cavaquinhos e ritmos mais suingados, o Sambavesso vai descrevendo a história de Mané do Cavaco e seu filho, Maicon, na tentativa vã de viver de música no Brasil. O pai, malandro e músico de talento sem música alguma gravada, se engraça e cai nas graças da idealista de classe média que ele chama de Madame. Juntos, têm um monte de filhos, mas ela se cansa da vida de salário mínimo dele, aliada a boemia, jogatina e malandragens infrutíferas, e o deixa sozinho no barraco. Anos depois, um dos filhos de Mané, Maicon, tem acesso a uma velha fita cassete com as gravações do pai. Criado nas ruas ao som de samba, hip-hop e outros ritmos, ele assume a persona de Maicon Jacksom do Pandeiro e parte para o contra-ataque, apenas para se tornar mais uma peça no mercado musical que não tenta virar outro item na prateleira dos “one hit wonders”.
O trabalho visual do álbum, de Fábio Martins Menino e Valéria Faria, complementa o conceito do disco, que ainda conta com o libreto de Edson guiando o ouvinte pela saga familiar. “O disco fala sobre a dificuldade de ser músico no Brasil, mas também é uma espetada na situação que vemos no país”, ressalta Ângelo. Em meio à história, entretanto, o quinteto garante que quem for ao Bar da Fábrica, neste sábado, não vai deixar de dançar ao som do Sambavesso.
SAMBAVESSO
Neste sábado, às 23h
Bar da Fábrica – (Praça Antônio Carlos s/nº)