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Tim Bernardes apresenta suas mil coisas invisíveis

Tim Bernardes
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No disco “Mil coisas invisíveis”, Tim Bernardes dá um tom mais brasileiro, fazendo um passeio pela música dos anos 1960 e 1970, sem deixar de lado o indie (Foto: Marco Lafer)
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Tim Bernardes e suas profundezas. Não é de hoje que se conhece o lugar onde as músicas que o músico paulistano compõe chegam. É no íntimo porque é íntimo a ele: música, como ele vem mostrando, é como um cômodo tão usado em casa quanto uma sala de família, que reúne. E isso de ir no mais íntimo independe do gênero: seja o rock mais progressivo de sua banda, O Terno, ou a mescla que apresenta em seus discos solos. Em “Recomeçar”, de 2017, o primeiro todo seu, ele apostou no mais “barroco”, como define, marcado por um tanto de piano. Já no mais recente, “Mil coisas invisíveis”, ele dá um tom mais brasileiro: um passeio pela música dos anos 1960 e 1970, e sem deixar de adentrar em um indie que é tão O Terno e, em consequência, tão Tim Bernardes.

“Mil coisas invisíveis” é mesmo um disco para se aprofundar nas individualidades do ser e, exatamente, nessas mil coisas invisíveis que rodeiam cada ciclo. “Eu gosto muito dessa experiência de um intimismo absoluto, porque combina com o tipo de canção, que são canções que, ao tentar retratar o meu íntimo, eu estou, na verdade, colocando uma master de primeira pessoa que qualquer pessoa pode ser a própria primeira pessoa”, afirmou o compositor em entrevista à Tribuna. Nesta sexta-feira (29), Tim Bernardes se apresenta em Juiz de Fora, no Cine-Theatro Central, a partir das 20h. Apesar das complexidades de cada ser, isso não torna “Mil coisas invisíveis” um disco de difícil compreensão. Pelo contrário: é universal. E isso tem a ver com a própria forma que Tim ouve música: “Eu acho que tem a ver com o que eu sinto. Eu ouço muita música no ônibus, indo para a faculdade, para lá e para cá. Isso é um momento que, embora você esteja em um espaço público, você está de fone de ouvido. É um momento de introspecção muito interessante. Ele é um disco de fone de ouvido, porque ele se reverbera no mundo interno”.

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Isso se reflete até na forma como o show é pensado: Tim, sozinho no palco, experimentando mais as vozes e os instrumentos. E, por isso, ele tem escolhido fazer os shows em teatros históricos, que conseguem esse clima que ele pretende transpassar. E, agora, com uma pausa d’O Terno, ele consegue se dedicar completamente a seu trabalho solo, rodando o mundo falando sobre suas mil coisas invisíveis e mais um tanto de outros sentimentos que perpassam os discos da banda e “Recomeçar”. Falando, inclusive, sobre um sentimento muito mineiro, já presente em duas músicas lançadas por ele. Sobre esse lugar de afeto que guarda com Minas, responde: “Acho que é o clima em si, a natureza, as cidades históricas, os jeitos, as pessoas, a simpatia. Tem uma certa serenidade. O coração do Brasil”.

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Tribuna de Minas: Você se lançou na música com uma banda e permaneceu dessa forma por muito tempo, até o disco “Recomeçar”. Como foi encontrar individualidade nesse caminho?

Tim Bernardes: Eu sempre tive o costume de compor, de conceber as coisas e, por ser compositor d’O Terno, fazia isso de uma forma linear com os arranjos e com os direcionamentos mais artísticos das coisas. No “Recomeçar”, eu tive a chance de gravar tudo sozinho, realmente sem ser um resultado final. Eu idealizei uma coisa, e o barato é tentar transformar essa ideia em realidade. Com banda é diferente: você quer transformar uma ideia em realidade, mas também que estar aberto a entender como a soma das pessoas vai transformar aquilo em uma coisa que nenhum dos três tinha imaginado ainda. As duas opções são muito legais e muito saudáveis.

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E, a partir disso, foi possível analisar quais músicas eram mais a cara d’O Terno e quais tinham mais a ver com seu trabalho solo? 

Tem umas músicas que eu sei que são d’O Terno, que eu quero tocar com os meninos essa música, vai ser legal no show, gravar junto. E assim como existem músicas que são muito íntimas, é um violão e voz e vai ser isso, não tem muito porque colocar na banda. Mas a grande maioria fica em um limbo, no meio, que acho que se eu fosse tocar com O Terno ia ter um arranjo e sozinho ia ter um outro. Tanto que no show eu toco algumas canções d’O Terno da maneira que eu compus, porque o arranjo acaba mudando algumas coisinhas. Então, é um pouco da circunstância: algumas são claras e outras estão em um termo que é misto. É meio difícil separar. Até porque O Terno surge como meu projeto, o tipo de timbre que eu escolho para a bateria e para o baixo, o que cada coisa toca. Então, quando eu comecei a fazer meu trampo solo, tem uma certa redundância nesse sentido, porque os meninos imprimem o estilo deles de tocar, mas tem uma coisa da concepção do tipo de baixo que tem no meu disco e da bateria é semelhante, porque n’O Terno eu estava justamente dirigindo aquilo também. Então, vai chegando em um ponto que é meio nebuloso. Acho que o grande lance são as coisas que eu faço sozinho e as coisas que eu faço com os meninos têm muito mais a ver com o astral do que com uma diferença conceitual muito grande. As músicas poderiam estar em um disco para lá ou para cá assim.

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E as canções de “Mil coisas invisíveis” foram aparecendo de que forma?

Depois de ter feito “atrás/além” d’O Terno, logo depois já estava fechado em pandemia, e eu fui vendo as canções que eu fui fazendo, de 2018 a 2020. E já tinha em mente como elas poderiam se organizar em ordem para fazer um segundo disco solo. Eu não faço muitas músicas para além do que eu vou lançando. Eu não tinha 40 músicas e escolhi 15. Eu tinha 16, sabe? Então eu pensei mesmo em quais eram as minhas favoritas, as melhores, as mais legais para o meu gosto, e fui entender como elas se comunicam uma com a outra. Algumas foram surgindo até na medida em que eu fui olhando as músicas de fora. Eu comecei a reparar que, inconscientemente, eu já estava falando muito de temáticas do mistério, do desconhecido, do que veio em uma fase que, de certa forma, já teve um script, seja depois de um relacionamento, o que vem depois de uma juventude, o que vem depois daquele roteiro de estudar, fazer faculdade e começar a trabalhar, dessa mistério do que é a continuação da vida para depois da formação básica do humano. Eu comecei a escrever canções mais disso, do mistério, do espanto, é mais espiritual esse disco, eu acho. Não de uma maneira que tenha um frame religioso. Mas ele é espiritual no sentido mais metafísico e místico de reparar que a realidade não é simplesmente conceitos físicos, é uma coisa muito mais misteriosa até do que a ciência conseguiu agarrar.

Olhando as canções, tem uma coisa do tempo também, né? Várias músicas trazem os ciclos definidos, como “Nascer, viver, morrer”, “Falta”, “Meus 26”, “Última vez”. O tempo é também uma das mil coisas invisíveis? 

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O tempo não é nem bem uma coisa (ri). Eu acho que o que trás a dimensão artística do “Mil coisas invisíveis” é a relação misteriosa entre o que é temporal, o que muda e o que é eterno. Então, tem esse mistério. Me veio a frase de “Nascer, viver, morrer”: “No raro momento infinito viver”. Tem essa sensação do tempo que é infinito quantitativamente, e também tem a sensação do momento que é infinito qualitativamente. Quando você vira uma noite, você repara isso: é a mesma coisa, a gente está dividindo o tempo. Então, tem uma coisa do ciclo, sim, mas também de uma forma que são espirais, alguma coisa muda e alguma coisa se mantém também.

Tim Bernardes (Foto: Divulgação)

Você tem uma coisa de músicas mais narrativas, né? Elas já nascem assim? 

Talvez isso de criar em narrativa esteja introjetado nosso jeito de fazer o sentido das coisas. Como a vida se dá meio que em forma de narrativa, a gente quer viver o próprio filme, o próprio livro. Então, talvez isso vira possibilidades narrativas, mas quem está fazendo a narrativa é você. A narrativa parece que é uma fórmula que abraça mais o real do que uma fórmula do Einstein. Então, tem isso. Talvez o “Recomeçar” fosse um pouco mais narrativo e esse é mais ensaístico, mais um livro de reflexões metafísicas e tudo. Mas isso tudo o que eu estou falando são possibilidades de sentido mais profundo. Porque eu quero sempre que exista a possibilidade de uma canção simples que toca no rádio e qualquer pessoa se sinta tocado.

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Mas, de certa forma, “Mil coisas invisíveis” é um disco profundo, né? 

Ele é um disco que convida para você dar uma mergulhada para fora dessa coisa mais veloz e efêmera de hoje em dia. Porque, às vezes, eu me pergunto se não é difícil fazer um disco que exija tempo em uma época que está tudo rápido e eu tenho a sensação que não. Porque a gente tem uma sede de coisas mais assim. E eu vejo isso nos shows e mesmo em mim. Eu estou na velocidade, mas tem uma coisa que consegue me ligar para esse momento um pouco mais sereno. Eu acho que se o disco for legal o suficiente para fazer a pessoa mergulhar por uma hora, é o melhor cenário possível. E eu acho que veio da pandemia essa coisa, eu achei que combinava lançar um LP com 15 músicas, e até o título “Mil coisas invisíveis” para mostrar essa multiplicidade transbordante de questões do nosso mundo interno.

É engraçado que O Terno se lançou com a música “66”, cheia de dúvidas e angústias do que fazer na música. Essas angústias permanecem?

De uma certa forma as coisas de “66” ainda estão presentes em mim, de uma certa forma, não. Eu acho que existe uma coisa que depois de ter feito vários discos nada se compara à gana de querer se expressar sem ter se expressado nunca. Então, o primeiro disco tem essa coisa de ser um pouco mais caótico, você tentando resumir você inteiro em uma coisa só. Com outros discos, você tem essa chance de mostrar: o “atrás/além” tem esse recorte, sabe? o “Recomeçar” outro. Ali eu estava querendo fazer um negócio que, na minha cabeça, parecia inédito para a nossa geração. Tentar fazer uma coisa que tem a ver com as coisas que eu gosto e que são antigas, sem serem velhas; um pouco mais maluco, mas sem muito experimental. Então ali era quase assim: “Será que dá para fazer? Alguém vai querer ouvir?” E eu acho que, hoje em dia, com a internet, teve gente que ouviu, viu que dá para fazer, vi outros colegas contemporâneos fazendo também. Então muda um pouco. Mas a minha busca por esse equilíbrio entre todos esses elementos ainda aparece.

E como esse equilíbrio aparece no show de “Mil coisas invisíveis”?

Esse show tem uma filosofia que é como a canção, o centro da canção, sem as roupagens, sem os arranjos, qual é a força dela, que ela cresce no íntimo. Tem isso: o jeito que eu toco, a dinâmica, a luz é muito importante. O teatro legal. Colocar as pessoas em uma situação interessante. A gente tem que entrar no clima. É que nem uma meditação. É o entorno e o clima da coisa que vão dar a possibilidade dos múltiplos sentidos das canções transcenderem as coisas. Eu toco sozinho. Eu adoro. É um espaço para a voz crescer muito. Eu toco piano, guitarra e violão, de alguma forma eu busco a dinâmica. É totalmente na sutileza que as nuances se dão. E as nuances maiores são os sentimentos que cada música ondula.

 

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