“O funk é blues, o soul é blues, eu sou Exu do Blues/ Tudo que quando era preto era do demônio/E depois virou branco e foi aceito, eu vou chamar de blues/É isso, entenda Jesus é blues”. O prelúdio da faixa-título de “Bluesman”, de Baco Exu do Blues, além de apresentar o artista, anuncia também a ausência absoluta de papas na língua das letras do disco. Com apenas 23 anos, o rapper soteropolitano ganhou notoriedade com a faixa “Sulicídio”, parceria de 2016 com Diomedes Chinaski, que critica “sulcentrismo” do cenário brasileiro do rap, concentrado no Rio e em São Paulo. Hoje, Baco não canta mais a música que catapultou sua fama, que, com a crítica, também traz versos que exaltam a rivalidade no rap, carregadas de agressividade e masculinidade tóxica, além de passagens de LGBTfobia. A repercussão afundou o artista em depressão em paranoia, só para que ele surgisse amadurecido, mas ainda cru e visceral no álbum “Esú”, de 2017. “Tudo que eu ouço soa igual, eu cansei do rap”, diz o autointitulado Kanye West da Bahia na letra homônima, e é como e com “Bluesman”, como se anuncia na mesma música, que chega a Juiz de Fora nesta sexta-feira (30), no palco do Cultural.
Tratando de temas como racismo, depressão, religiosidade, desigualdade social e vários outros espinhosos, Baco não se furta em expor suas próprias vulnerabilidades e enfrentar seus demônios, como sua batalha contra a depressão e as vivências como homem negro, em versos como “Todo líder negro é morto, cê consegue entender?/Tenho recebido cartas falando/O próximo é você, o próximo é você, o próximo é você.” Sem deixar a crítica social de lado, “Bluesman” é dançante, tocante e um mosaico de referências artísticas, com refeências não apenas musicais nos samples e letras (tema que permeia o próprio nome do álbum), mas também à obra de gênios de seu tempo, linguagem e contexto como Kanye West, Jay-Z, Beyoncé, Basquiat, Beethoven, Van Gogh e, por que não, “Exalta”, ouvido na quebrada?
Plural e premiado
Essa pluralidade de expressões artísticas de Baco recebeu uma das maiores chancelas do segmento quando o clipe “Bluesman”, conquistou o Grand Prix (GP) na categoria “Entertainment for Music” (entretenimento para música), do Cannes Lions 2019. O GP é a premiação máxima do festival internacional de criatividade, considerado o mais importante do mercado publicitário do mundo. O curta de 8 minutos trata da realidade da população negra do país e discute como o racismo está arraigado no Brasil, apesar dos argumentos contrários e falaciosos de que não somos um país racista. Foi a primeira vez que o Brasil conquistou o Grand Prix na categoria, em que Baco concorreu com artistas do calibre do também rapper e negro Childish Gambino (com quem dividiu a premiação), com a impactante “This is America”; e The Carters (Beyonce e Jay-Z) com “Apeshit”, o aclamado clipe gravado no Louvre, em Paris. O fato de ter vencido o “power couple” estadunidense dá um novo significado ao verso “Me desculpa Jay-Z”, de letra homônima de “Bluesman”.
Atração recorrente em festivais de música que trazem outros nomes que também movimentaram – e movimentam – a música nacional na atualidade, como Letrux, Duda Beat, Iza e Djonga, Baco se apresenta no Festival Sarará no sábado em Belo Horizonte, dividindo o line-up com artistas que vão de Gilberto Gil ao furacão Pabllo Vittar, além dos citados antes – comprovando a validade do argumento. Com uma presença de palco vibrante e interativa com a plateia, Baco, que chega a organizar movimentos coreografados do público enquanto versa suas letras rasgadas, chega a Juiz de Fora cantando a íntegra de “Bluesman”, uma verdadeira compilação de hits, e outros sucessos de “Esú”, como “Te amo disgraça” e “En tu mira”, não deixando dúvidas da afirmação vibrante que repete em “Minotauro de Borges”: “Baco vive”.
Baco Exu do Blues
Nesta sexta-feira (30). Abertura da casa às 23h, show a 1h30. Cultural Bar (Av. Deusdedit Salgado 3.955)