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Ricardo Cristofaro: Novo diretor avalia com cautela os rumos do MAMM

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Na direção de arte do Museu Murilo Mendes há quase um mês, Ricardo Cristofaro avalia com cautela os rumos do museu (Foto: Marcelo Ribeiro)
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O conceito de arte acompanha a constante expansão do universo, chegando quase a uma sensação de colapso por perdermos os limites de classificação. Enquanto a produção cria artifícios e dispositivos na tentativa de reformular seus próprios testes e anseios expressivos, os espaços específicos para abraçarem tais manifestos buscam novas formas de montagem e expografia. Situações distintas coexistem, o museu deve estar para além do acervo e do ambiente acadêmico, muito embora a universidade seja o espaço destinado à pesquisa e a experimentações que rompem e recriam as formas e os discursos. “Eu me sinto bem confortável em trabalhar em um museu com uma perspectiva em artes visuais. Toda minha trajetória acadêmica e profissional como artista plástico é permeada por esse tipo de vivência e contato”, diz Ricardo Cristofaro, que acaba de assumir a direção do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm).

O artista plástico e professor graduou-se no antigo curso de Educação Artística da UFJF, leciona no Departamento de Artes há quase 30 anos e foi diretor do Instituto de Artes e Design (IAD) por dois mandatos consecutivos.

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Nos sentamos no segundo andar do prédio do Mamm; uma janela de um canto ao outro areja as ideias de quem pretende enxergar o museu sob a mentalidade de Murilo Mendes. Basta subirmos o primeiro lance de degraus do museu para sermos levados ao pensamento do poeta evidenciado na parede: “Não sou meu sobrevivente, mas sim meu contemporâneo”.

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Tribuna – O Mamm já recebeu a Bienal de Arte Itinerante de São Paulo. Há uma tendência em retomar essa parceria e também estabelecer conexões com outras instituições de arte do Rio e São Paulo?

Ricardo Cristofaro – Esse é um projeto viável. O princípio da contrapartida entre museus e instituições culturais é muito importante, principalmente, pela carência de recursos aplicados à cultura no Brasil. E isso não é diferente dentro das universidades. Às vezes, você demanda uma verba muito alta para realizar uma mostra, e é bom que ela circule por outras cidades. Isso já tem sido uma realidade no Brasil e demanda uma aproximação do Mamm com outros institutos, museus de arte e instituições universitárias, para que a gente possa trabalhar dentro de calendários de mostras que estão circulando em território nacional. O projeto da Bienal de São Paulo foi muito interessante e deve ser retomado. É lógico que há uma dificuldade de captação de recurso. Muitas mostras não vêm a Juiz de Fora porque o seguro inviabiliza, não é uma questão de espaço físico. O Mamm se posiciona como uma instituição muito respeitada por outros museus e instituições ligadas às artes visuais e à literatura. É muito apropriado e elogiado na forma e na seriedade como a Universidade trabalha para que seja um espaço de referência, como também um lugar que desde que foi implantado (2005) se manteve sempre ativo, com todas as dificuldades que o Brasil e a própria universidade têm em termos financeiros.

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O Mamm, inclusive, possui um laboratório de restauração.

O laboratório é o melhor entre os dos museus universitários do Brasil. Cabe a essa nova direção do Mamm dar continuidade às experiências que vêm dando certo, de digitalização, restauração, mas o prédio depois de 12 anos de ocupação necessita de revisões dos seus próprios sistemas museológicos, que exigem um investimento na aquisição de novos equipamentos. A tecnologia avançou, e temos novos sistemas de iluminação, segurança, aclimatação. Não dá para a gente ter um museu estabelecido sob uma estrutura de 10 anos atrás. Museu exige investimento na sua equipe de trabalho, e isso tem sido feito. É uma equipe experiente, atualizada, atenta ao que está acontecendo no Brasil e no exterior.

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Foto: Marcelo Ribeiro

Como educador e professor, qual a potencialidade do Mamm como espaço de formação?

Sou formado em educação artística e tenho muito apreço por esse tipo de atividade. Estou tentando ampliar equipe de trabalho, espaço físico. A própria renovação dos equipamentos e das ações está na pauta para acontecer. Ações relacionadas ao componente do museu de arte e educação e à expansão da atuação do museu para estas frentes vêm acontecendo fortemente no Brasil nos últimos anos. Temos que ter muita atenção, manter e aperfeiçoar estas práticas aqui dentro. Existe um projeto iniciado pelo professor José Alberto Pinho Neves que prevê a instalação de um ateliê de gravura. A gente ainda não tem um regulamento para esse espaço funcionar. A princípio seria um espaço de aprendizagem e prática para os artistas, aberto e democrático. A gravura é muito presente na coleção do museu, então há um interesse em trabalhar na manutenção desse tipo de linguagem porque tem se tornado rara no Brasil. Existe um modelo como esse na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre que funciona com um sistema de contrapartida. Eles convidam os artistas para trabalhar, e isso realimenta o acervo também. Isso funcionaria no Mamm como uma oficina permanente com workshops, e também seria um ambiente de monitoria para a universidade. A técnica de gravura é interessante que seja coletiva, ter uma prensa para si é inviável, esse é um equipamento que pode ser compartilhado. A expectativa é que no segundo semestre seja aberto.

Espaço de escoamento da produção artística local, o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas está fechado. O Mamm tem perspectiva de abrir editais de ocupação ou cocriar junto a produtores da cidade?

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Nós estamos discutindo internamente o modelo de editais para adotarmos. Penso em um modelo que não atenda apenas os novos artistas, mas também os novos curadores e historiadores. Pode existir um sistema de editais por curadoria, que faria essa aproximação com os artistas locais, com certos recortes, assuntos, temas e trabalhos. Interessa ao Mamm manter essa vocação expositiva desde que alinhada aos objetivos do museu. Não é somente abrir espaço para artista, é também missão do Mamm abrir espaço para essa base teórica que existe na cidade e região.

“A tecnologia avançou, e temos novos sistemas de iluminação, segurança, aclimatação. Não dá para a gente ter um museu estabelecido sob uma estrutura de 10 anos atrás. Museu exige investimento”

Ricardo Cristofaro

Como é a sua relação com o Murilo Mendes? Desde a época de estudante, você esteve próximo à obra do poeta e ao Centro de Estudos?

Eu me aproximei da obra do Murilo Mendes por meio do professor Arlindo Daibert, que me mostrou fotografias tiradas em uma viagem à Europa seguindo trilhas de obras poéticas do Murilo. Também por meio do professor Leonino Leão. Ali, eu entendi um pouco mais a relação do poeta com as artes visuais e tive contato com um outro professor, o José Alberto Pinho Neves. Por conta destas três pessoas, acompanhei as ações que levaram à aquisição do acervo de artes visuais pela UFJF. Arlindo Daibert faleceu antes que isso fosse concretizado, e o projeto foi levado até o fim pelo professor José Alberto, de quem eu estive sempre por perto. Eu vivenciei efetivamente a chegada das obras, a abertura das caixas, estava ali entre o grupo das primeiras pessoas de Juiz de Fora que ajudaram na montagem destas primeiras exposições.

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Como você pretende aproximar as escolas da cidade a fim de tornar o poeta e o museu mais acessíveis aos juiz-foranos?

O problema de acesso não é só ao Murilo Mendes. Este é um problema educacional brasileiro como um todo. Este acesso à literatura, à cultura e às artes visuais provém muito da organização educacional brasileira e no espaço que isso tem no nosso sistema de ensino, por exemplo disciplinas de arte no Ensino Médio já são facultativas. Um país que não tem um projeto educacional nesse padrão não pode esperar que a população adulta possa ter um grande conhecimento sobre artes visuais. No campo da literatura, eu acho, sim, que esse é um trabalho que cabe a nós juiz-foranos valorizarmos, apesar de considerar que a obra dele é bastante trabalhada em Juiz de Fora, muito mais conhecida do que em qualquer outro lugar. Temos grupos de estudo nas universidades, ações feitas por professores, e será sempre um papel da universidade expandir esse conhecimento através do Mamm e da ação de professores e projetos que lá são desenvolvidos. A gente vê todo um esboço de instituições culturais no Brasil de manter projetos de arte e educação e de alfabetização. A exposição se desdobra em produtos, sistema educacional, para levar este projeto até as escolas. A ideia não é somente atrair público jovem e infantil para o Mamm, mas expandir as ações e fazer o museu chegar às escolas de Juiz de Fora.

Foto: Marcelo Ribeiro

Como enxerga o museu para além dos acervos e laboratórios, como espaço de ocupação cultural e artística e de convivência? Pretende retomar projetos como o Musicamamm e o Cinemamm?

Sim, estes são dois projetos que temos em pauta. E até rever a necessidade de uma nova formatação do espaço arquitetônico do museu. Para uma ação educativa, esse museu precisaria de uma readequação, para ter mais conforto. Isso são coisas a se pensar, na volta da livraria, por exemplo. Esses projetos atraem muito público para o museu, as pessoas vêm para um evento musical, mas há essa interrelação entre eventos. Os espaços estão fechando, com exceção do Teatro Paschoal Carlos Magno que foi aberto. O acervo do Museu Mariano Procópio está fechado há mais de dez anos, existe uma geração inteira que não conhece o museu.

“Apesar de a vocação do Mamm ser a de abrigar um acervo de arte moderna, acredito nesse museu como espaço que se perfila com o que era o pensamento do poeta enquanto vivo. Murilo Mendes estava junto aos artistas que eram naquele momento contemporâneos”

Ricardo Cristofaro

Um espaço da cidade que foi retomado sem ter nenhum tipo de grande revitalização foi o Museu Ferroviário, que tem uma gestão muito ativa. Era um museu que estava fora do mapa e agora está sendo ocupado todos os dias com atividades educativas variadas. Se a gente observar o prédio que abriga o Mamm em comparação com a estrutura de lá, aqui podia acontecer muito mais coisas.

Basta você ter boas ações que será acolhido, porque as pessoas estão à procura disso. A cidade tem carências, precisamos de espaços e ações inteligentes que não demandam muitos recursos, porque existe muito talento em Juiz de Fora. A universidade sabe e faz esse papel bem através da Pró-Reitoria de Cultura há muitos anos, e o que eu pretendo é ver esse museu vivo e ativo para além do espaço expositivo. Isso é uma característica de todo museu, ele tem que ser inteligente para fazer diferente, precisa se voltar para a cidade, para as pessoas, para que elas não tenham medo de entrar no museu.

Tem um ponto de ônibus na porta do Mamm, mas quantas pessoas entram aqui? Talvez seja porque passa a ideia de um lugar muito acadêmico e intelectual? Os museus no mundo inteiro oferecem atividades acontecendo em paralelo e a própria montagem das exposições estimula a vontade de se visitar.

Exatamente, existem hoje profissionais especializados nessas estruturas expositivas. O Mamm tem apostado em um tipo de modelo, e é lógico que modelos mais sofisticados demandam equipamentos e um rearranjo de sua própria estrutura, mas isso favorece a proximidade, interação e conhecimento. Você consegue chegar melhor às pessoas através de dispositivos que são mais familiares a elas.

Sim, caso contrário, as instalações e montagens diferentes ficam restritas às galerias privadas que são pouquíssimas em Juiz de Fora.

Sim, eu penso nesse museu essencialmente como um espaço experimental. É papel dele trazer essa renovação. fazendo interface com professores universitários, que circulam e trabalham com exposições, curadores e historiadores. E o museu tem a estrutura para que isso aconteça, o que talvez uma pequena galeria e o CCBM, por certas limitações, neste momento não teriam.

Foto: Marcelo Ribeiro

Como artista e apreciador de arte, o que tem te chamado atenção nas artes plásticas brasileiras contemporâneas?

O mercado de arte caminha com a economia, qualquer sobressalto afeta diretamente. Sempre foi muito difícil, mesmo grandes e renomados artistas com trabalhos de uma faixa de preço alta tem dificuldade de sobreviver no Brasil. Há uma parcela muito pequena da população interessada em arte contemporânea. A gente tem que entender que todas as formas de artes visuais coexistem. Até uma arte com características moderna e acadêmica existe e deve existir, mas ela vai estar dentro dos espaços que se interessam por esse tipo de produção. A arte contemporânea é especializada, com território e forma de organização específicos. O Mamm guarda um acervo de artistas modernos que consolidaram a arte abstrata, experimental e que desemboca na arte contemporânea com outras perspectivas. E tem sido muito experimental, inclusive em um sentido de se apoiar menos nas instituições, apostando menos no mercado da arte que faz as produções circularem através de produtos nos museus e galerias. Existem muitos artistas contemporâneos que se formaram fora desse circuito e foram chamados para entrar. Esse artista opera fora do sistema, mas está atento ao que está acontecendo, produzindo até pensando neste público específico da arte contemporânea que não mata as demais manifestações. É papel do Mamm abrigar esse tipo de produção. Eu acompanho a arte jovem brasileira, temos artistas contemporâneos com projeção internacional, que galgaram esse espaço com muito esforço e seriedade.. Me interessa sim trazer artistas contemporâneos jovens e até internacionais para cá, porém isso depende de recurso.

Sim, mas existem também performances e instalações que são mais simples. Eu lembro que a exposição da Yoko Ono, “O céu ainda é azul, você sabe… “, foi mandada por e-mail para o Instituto Tomie Ohtake. Não existia esse valor no objeto, mas na ideia, com videoinstalações, estímulos sensoriais.

Essas são ideias maravilhosas. Apesar de a vocação do Mamm ser a de abrigar um acervo de arte moderna, eu acredito nesse museu como espaço que se perfila com o que era o pensamento do poeta enquanto vivo. Ele estava junto aos artistas que eram naquele momento contemporâneos. Então o papel desse museu é abrigar a produção contemporânea sim, manter um acervo de arte contemporânea sim, dar espaço e apostar nessa produção, porque se não ele viraria um museu que apenas se interessaria por artistas modernos por uma visão muito historicista. Um espaço tão bom como este tem que ser dinâmico para acompanhar exatamente esse movimento que a arte propõe ao longo do tempo de alargamento da noção de arte, de extensão das fronteiras, do conceito de arte sempre em expansão, e é com isso que a gente convive ao longo de toda a história da arte, porque as maneiras de se fazer arte se modificam com o tempo, e isso leva à mudança do próprio conceito do que é arte. Esse movimento o museu tem que acompanhar.

Isso é muito importante para a formação artística também.

Não só para o aluno do Instituto de Artes e Design, mas para todo aluno universitário. Não é só ação para fora, é uma ação também de sensibilizar um aluno que às vezes passa quatro anos na universidade e nunca entrou, não sabe o que é feito aqui.

 

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