De calça jeans, camisa de malha preta, casaco cinza com detalhes em laranja e tênis esportivo, com o celular nas mãos fazendo um som semelhante ao aviso de chegada de mensagem via WhatsApp, Pierre se aproxima com um sorriso no rosto e me chama de irmão. Padre Pierre Maurício de Almeida Cantarino. Por um instante esqueci-me que estava diante de um sacerdote. Extremamente simpático e acolhedor, o jovem padre de apenas 30 anos não faz qualquer questão de esconder a pouca idade. E não haveria motivos para tal, já que o rapaz que combina batina com tênis tem chamado atenção dos fieis justamente pelo modo despojado e carismático com que vivencia a igreja.
“A minha missa fala um pouco a língua dos jovens. Procuro, ao máximo, ser um com eles. Não quero ser diferente deles”, diz. Ordenado padre há pouco mais de sete meses, ele saiu de sua Rio Pomba natal, a cerca de 70km de Juiz de Fora, ainda adolescente, quando decidiu estudar enfermagem no Colégio Técnico Pio XII. “Trabalhava na Prefeitura, com o povo, e todo mundo achava que eu seria político. No hospital, sempre fui aquele enfermeiro requisitado, porque eu chegava brincando”, conta.
Aos 19, surpreendeu amigos e parentes por seguir os conselhos de uma paciente. “Um dia me deparei com uma senhora, que me recordo o nome até hoje – Maria Tereza -, e ela tinha uma ferida na perna que não gostava que ninguém olhasse a não ser eu. Ela me disse: ‘Você tinha que ser padre, está no lugar errado’. Aí eu comecei a contar para ela que desde pequeno eu dizia que queria ser padre, mas a vida tinha tomado outro caminho.” Pouco tempo depois, estava ele no Seminário Santo Antônio, onde formou-se em teologia e filosofia.
Dois de março
Filho de um caminhoneiro e uma professora, Pierre foi criado pela avó e pela tia quando a mãe foi convidada a dirigir uma escola em Juiz de Fora e mudou-se com os outros três filhos e a sobrinha (a filha da tia foi criada pela mãe dele, e ele, pela tia). “Sempre tivemos uma vida muito modesta. Nunca nos faltou nada, mas não tínhamos demais”, recorda ele, que mesmo distante da genitora, sempre teve nela seu porto seguro. “Se eu pudesse citar um ídolo: primeiro Jesus Cristo, depois minha mãe. Perdê-la em um momento em que eu estava quase me ordenando padre foi muito difícil. Meu sonho era o sonho dela também. É aí, sem a referência do colo, que descobrimos que temos que amadurecer”, emociona-se. “A gente sempre espera muito da vida, mas nunca sabe o que vem. A gente sonha, e é isso o que move. Quando alguém vem e me diz: ‘Padre, eu parei de sonhar’, eu digo que não pode, porque é o sonho que desperta”, completa o padre, que guarda consigo uma intrigante coincidência. “Minha vida é marcada por uma única data com três eventos muito significativos: O dia do meu nascimento: 2 de março, o dia em que minha mãe morreu: 2 de março, e o dia em que me ordenei padre: 2 de março. É um misto de alegria e tristeza. Dá vontade de rir e chorar ao mesmo tempo.”
Face e WhatsApp
Não somente as emoções controversas demonstram a humanidade do risonho padre, mas sua trajetória até aqui. “Fui um jovem normal. Saía aos fins de semana, ia para forró, para as políticas, trabalhei desde muito cedo no museu de Rio Pomba. Namorei com Fabíola durante quatro anos, depois ela quis ser freira, e eu virei padre. Nunca gostei de beber, mas gostava de carnaval, sair em bloco”, revela, aos risos. Alguma dessas coisas lhe fazem falta hoje? “Só minha mãe me faz falta. Sou muito feliz como padre. Sou feliz com o carinho que as pessoas têm comigo. Sou feliz quando uma mãe me diz: ‘Olha padre, meu filho não era nada e agora mudou, depois de conhecer você'”, responde.
E Padre Pierre consegue a mudança por acreditar que “o jovem tem que estar no mundo”. Conectado ao Facebook e ao WhatsApp, ele está sempre on-line para o que seu ofício lhe exige. “O nosso bispo Dom Gil (Antônio Moreira), um pai para nós, antes da ordenação dizia: ‘Meu filho, evangelize, chame as pessoas para a igreja, renove a fé delas!’. E essa foi a forma que eu encontrei”, destaca. “Sou muito carinhoso com os jovens, porque sempre quis ser pai. Talvez hoje, diante de tantas pessoas que me procuram, esse desejo tenha sido compensado. Não tive os meus de sangue, mas Deus me deu um monte. E olha que eles dão trabalho!”, ri.
Padre 24 horas
Com seu forte sotaque interiorano, Pierre defende o discurso de que seu jeito “é uma forma de dizer que o padre não está longe do povo. Pelo contrário, o padre está perto”. Prontamente pondero: Mas você poderia ser parte desse povo… “Tive todas as possibilidades de não ser padre, mas sou. E preciso viver como padre.” E isso inclui visitar hospitais, casas de pessoas acamadas e, até, realizar o casamento de um doente em seu leito. Nas horas vagas: “Sou padre 24 horas. Vou ao shopping como padre, ao cinema, gosto muito de circo e estou tentando achar um tempo”, afirma, contando que também vai à praia (mas não usa sunga, e sim bermuda), tudo como um sacerdote. Divertido, ele fala sorrindo. E fala muito. “Sempre fui de brincar com as pessoas, de abraçar. Sempre fui muito vergonhoso e por isso criei uma forma de quebrar isso: já chego despachado”, diz, certo de que é difícil acreditar em sua timidez. “Ser padre no mundo de hoje é eu conseguir levar a identidade de Jesus sendo quem sou. Sendo o Pierre, de tênis, de calça jeans, de blusa de malha e sendo padre.”