Bernadette morava na Oscar Vidal e estudava no agigantado colégio interno do Stella Matutina, na Avenida Rio Branco. Quando a mãe apontava com a filha na faixa de pedestres, Zé corria para acompanhá-la na travessia. José era outro aluno, já na fase mista da escola que deixou a Rio Branco para se instalar na então Independência. Hoje, Bernadette é professora na mesma escola para a qual José leva o filho. “A primeira coisa que ele faz é vir me dar um abraço, todos os dias”, conta, emocionado, José Augusto de Aguiar, o Zé, o senhor de 76 anos que, ao lado de sua carrocinha de balas, viu Bernadette e José crescerem. E hoje vê crescerem os filhos deles.
“E aí, Zé! Está lembrando de mim?”, pergunta uma mulher que passa, carregando um bebê no colo. Ele corre e abraça. Lembrava-se. “Zé, quanto dá de bala?”, pergunta uma garotinha, da grade do Colégio Stella Matutina, para o homem que tornou-se patrimônio. Da instituição e da cidade. “Vai fazer 45 anos que estou aqui. Essa história começou da seguinte forma: eu trabalhava na Kibon e lá um amigo me sugeriu comprar essa carrocinha. Aí eu falei com ele assim: ‘Vou pôr ela onde? Ele falou para eu levar para o Stella, com o picolé do lado. Fiz assim. Na época ainda nem tinha a Independência. Tenho fotografias do Stellão até hoje e choro quando olho. Vejo a Capela, que era toda espelhada, chique pra caramba. Dá muita saudade”, recorda-se, mostrando nos cabelos já brancos a passagem do tempo.
‘Zé, tem bala de leite Kid’s?!’
Três décadas antes do comercial que cantava “Bala de leite Kid’s, a melhor bala que há! Bala de leite Kid’s quando o baleiro parar!”, José Augusto desembarcava em Juiz de Fora com a mãe, o pai e os 12 irmãos. “Nasci em Barbacena. Vim com 9 para cá. Éramos 13 irmãos, hoje só restam 10. Mamãe falava que tem que crescer e multiplicar. Papai era químico e trabalhava no manicômio. Ele veio para trabalhar na fábrica Mascarenhas. De todos os filhos, o único que não estudou fui eu. Tenho engenheiro, médico, tudo na família. Só eu que sou baleiro, com orgulho e com amor”, diz ele, que pouco estudou e pouco se interessou por outros trabalhos que não o de ambulante. “Trabalhei no INSS, no Banco Mineiro da Produção, mas a única coisa à qual me dediquei foi isso aqui”, fala, sorrindo para a carrocinha azul, a mesma de sempre. “Já quiseram me dar uma sofisticada. Eles falavam: ‘Não pode ficar com essa carroça, tem que ter uma chique. Vamos reunir os alunos para arrumar dinheiro!’. Eu disse que não, porque isso aqui é tradição. Só troco o pneu.”
‘Zé, tem Bubbaloo?!’
Casado com Maria José, pai de Débora e de Sandra – “Tive três, mas perdi a primeira” -, Zé acordava cedo para fazer com que as balas virassem salário. “Antes chegava às 6h30 e fazia a entrada dos alunos. Às 9h pegava na Kibon e vinha com o picolé pra cá, junto com a carrocinha de bala. Eu fazia um bondinho e levava as duas carrocinhas, uma na frente e outra atrás. Um dia a falecida Irmã Aglaé falou: ‘Olha! Está sendo muito sacrifício para você, José. Guarda as balas aqui e leva só o picolé”, lembra. Quinze anos depois de iniciar a venda conjunta, a empresa de sorvetes reclamou, mas voltou atrás, afinal José Augusto era um funcionário exemplar. “Hoje, se dependesse de mim para sustentar a casa, não faria dinheiro, não. Aposentei da Kibon e continuei com a carrocinha de balas, mas é difícil. Por ser uma pessoa dedicada e honesta, tenho as chaves dos portões. Abro a escola, e eles guardam a carrocinha”, orgulha-se o homem popular como Bubbaloo nos anos 1990. “Nada mais gostoso que um Bubbaloo Banana. Um chiclé cheio de sabor!”
‘Zé, tem Fini de tubinho?!’
“Olha: Fizeram uma festa no São Pedro, e os ex-alunos telefonaram para cá e pediram a carrocinha do Zé lá dentro. As professoras se reuniram e me chamaram”, conta ele, feliz toda vida. Zé foi e levou sua companheira de rodas. Na carrocinha, calendário do Stella para os adultos e balas para as crianças. “São três gerações que encontro. Me apeguei a isso aqui e às crianças. Trabalhar com elas é a coisa mais maravilhosa para mim. Não existe nada melhor. Elas me amam. Não penso em parar. Enquanto tiver saúde…”, diz, respirando fundo, a figura onipresente nos eventos do colégio, como a recente recepção à imagem de Nossa Senhora da Aparecida. Em 2010, contudo, precisou afastar-se do corredor da escola e ganhar a rua. Balas, pirulitos, gomas de mascar e outros itens tiveram sua comercialização proibida em escolas, por conta de uma lei municipal. “Toda a vida trabalhei dentro do colégio, com essa lei, precisei sair. Não fiquei triste, porque é um meio de educar as crianças”, pondera ele, que à batida do sinal do recreio da tarde, às 15h40, fecha a carrocinha e encerra o expediente. Regressa para seu Bairro Ipiranga. Antes, porém, ouve de algum baixinho: “Zé, só mais uma Fini de tubinho!”. Conhece? Fini, aquela do comercial “Quando o saquinho abre tudo se ilumina. Vê sair de dentro as balas de gelatina. Nós somos tão docinhas e também azedinhas. É pura diversão com o saquinho na mão!”.