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Concerto de encerramento do festival revive século XVIII

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Existe certa magia contida na interpretação da história. E, no caso da música antiga, não passa apenas pelos ouvidos. “A partitura é um buraco pela fechadura por onde o músico vai olhar e encontrar um mundo novo, trazendo aos ouvintes um horizonte de sentido que foi perdido. Os instrumentos antigos e os materiais que temos para recuperar são uma chave importante para chegar nesse lugar”, confirma Mônica Lucas, clarinetista clássica e diretora artística do Conjunto de Música Antiga da USP, formação que faz o encerramento da 30ª edição do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga neste domingo (28), às 21h, no Cine-Theatro Central, sob a regência do maestro William Coelho.

Conjunto de Música Antiga da USP é a primeira iniciativa do gênero em universidades brasileiras e reúne músicos de todo o país. (Foto: Divulgação)

Segundo a musicista, para além da nostalgia, o que está em questão é a pesquisa acerca dos antecedentes. “Quando tocamos instrumentos antigos há o próprio colorido dos instrumentos. Tanto o som das cordas são mais transparentes e com ataque mais preciso, quanto o sopros são menos brilhantes e, portanto, se misturam melhor. Outro ponto é que as pessoas quando se dedicam a um instrumento antigo recuperam as práticas de interpretação antiga também. Temos tratados de época, críticas de jornais que usamos para recuperar essa prática interpretativa muito diferente”, pontua Mônica, explicando que, enquanto a prática do século XIX é muito focada num ensino que leva ao virtuosismo, a prática do século XVIII privilegia o bom gosto. “O mais importante para a formação do músico no século XVIII era a formação do gosto e não a técnica. O musicista deveria conhecer o gosto italiano e o gosto francês, além da mistura advinda deles, como os gostos alemão e inglês, por exemplo. Assim o músico conseguia encontrar o tempero correto para o que ia executar.”

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Os instrumentos no século XVIII, de acordo com Mônica, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP em disciplinas como “História da música” e “Teoria e prática da música barroca”, eram todos construídos por um mesmo luthier. “Hoje em dia isso não acontece mais, cada um faz um instrumento. Essa especialização não é própria do século XVIII, que é muito generalista. Os instrumentistas de sopro, ainda, nasciam todos flautistas doces. A partir dali se especializavam em mais instrumentos, de forma que todos tinham uma familiaridade muito maior entre si do que a que existe entre os instrumentos modernos. São todos, inclusive, mais próximos entre si do que em relação a um análogo moderno”, observa a musicista e pesquisadora, exemplificando com o próprio instrumento que toca: enquanto o clarinete clássico tem cinco chaves apenas, o moderno tem 21 chaves.

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Formado há 18 anos, o Conjunto de Música Antiga da USP, primeira iniciativa do gênero numa universidade brasileira, trabalha por projetos, explica sua diretora artística. Este ano, por exemplo, os músicos desenvolverão oito projetos, dentre eles a premier americana da sinfonia “Eroica” de Beethoven com instrumentos originais. Reunindo músicos de diferentes origens, de alunos a professores, além de integrantes de outros grupos, como o prestigiado Conservatório de Tatuí e a aclamada Orquestra Barroca da Unirio, o conjunto reproduz uma orquestra clássica, com o naipe completo de sopros. “É uma união de pessoas que estão se formando em várias instituições e podem se juntar para este projeto”, explica Mônica, que em 2007, assim como alguns dos colegas do conjunto, integrou a Orquestra Barroca do Festival, formação hoje extinta. “Juiz de Fora tem ainda um papel muito importante na difusão da música antiga no Brasil”, elogia ela, que na cidade terá a companhia de outros 34 músicos.

Regente William Coelho comanda o conjunto em programa que executa Beethoven, Mozart e Haydn.  (Foto: Divulgação)

Frente a frente com o classicismo

Compostas nas últimas duas décadas do século XVIII, as peças que integram o concerto de encerramento do 30º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga são executadas pela primeira vez na América do Sul com instrumentos antigos, alguns réplicas idênticas aos utilizados no período em que as músicas foram produzidas e tocadas pela primeira vez, outros verdadeiras raridades preservadas há mais de dois séculos. De acordo com Mônica Lucas, o Conjunto de Música Antiga da USP executará no palco do Central um repertório representativo do classicismo, especificamente da primeira Escola de Viena, com os três grandes compositores que representam o estilo clássico: o alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e o também austríaco Joseph Haydn (1732-1809).

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Iniciando com o “Romance nº 2 para violino e orquestra em fá maior”, de Beethoven, o concerto executa sua composição mais nova, datada de 1798. “É uma obra do período mais juvenil dele, muito lírica e que tem o violino como solista. Não é uma obra que foca na agilidade, mas no lirismo, na capacidade de ornamentação, que, inclusive, as tradições modernas perderam”, comenta Mônica. Em sequência, partem para três andamentos de uma música editada em 1986. “O ‘Concerto nº 24’, de Mozart faz parte de uma série de concertos que, no meu entender, são a melhor parte da produção dele. Foram compostas para ele mesmo tocar. Ele improvisava ao piano e depois editava. É um concerto de sua maturidade e tem uma parte escrita para sopros, o que não é muito comum no final do século XVIII. Podemos perceber que o concerto do Mozart serviu como base para o ‘Concerto nº 13’ do Beethoven. Talvez seja o mais profundo e mais expressivo concerto de Mozart, escrito em dó menor, o que por excelência é uma tonalidade trágica e profunda”, aponta a clarinetista clássica.

Compondo o programa está a “Sinfonia em sol menor”, de Haydn. “Ele é muito conhecido por suas sinfonias, mas passou para a história como o precursor das sinfonias do Beethoven. Ele se eternizou como professor, o que tira um pouco o brilho próprio dele como o grande compositor que é. Tanto que é raro poder reavaliar ele. Essa sinfonia em especial é da maturidade dele, mesma década que viu a composição do Mozart. Foi escrita num estilo que o século XIX batizou como ‘sturm und drang (tempestade e ímpeto)’. A ‘Sinfonia em sol menor’ foi batizada também no século XIX como ‘A galinha’, em virtude do solo de oboé que acontece logo no início e deixa a peça muito divertida”, conta a diretora artística do conjunto. “Ela consegue se equilibrar entre o risível e o profundo, caracterizando um tipo de abordagem que, no século XVIII chamavam de alto e cômico. A comedia é sempre feita para rir, não tem um grau de profundidade, mas o Haydn consegue fazer isso, o que já era elogiado pelos próprios contemporâneos dele.”

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CONJUNTO DE MÚSICA ANTIGA DA USP
Neste domingo (28), às 21h, no Cine-Theatro Central (Praça João Pessoa, s/nº)

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