Contra qualquer opressão, “Admirável gado novo” é um alerta. Por todo afeto filial, “Avôhai” é um tratado. Pelos rompimentos e despedidas, “Chão de giz” é uma ode. Zé Ramalho, com sua poesia complexa e tão popular, é resistente ao tempo. E em 45 anos permanece atualíssimo. Considerado um dos mais importantes cantores e compositores brasileiros, José Ramalho Neto, o paraibano de Brejo da Cruz, fez popular sua lírica de termos incomuns, como o grão-vizir de “Chão de giz”: “Disparo balas de canhão/ é inútil pois existe um grã-vizir”, que faz referência à mais alta autoridade depois do sultão no Império Otomano, responsável pela extinção do Império Bizantino no século XV.
Prova de sua atualidade é a inclusão de “Entre a serpente e a estrela” na novela das 21h “O sétimo guardião”. “Escrita por Aldir Blanc para a trilha sonora da novela ‘Pedra sobre pedra’, exibida de janeiro a agosto de 1992 pela TV Globo, a versão intitulada ‘Entre a serpente e a estrela’ fez sucesso no registro cavernoso de Zé Ramalho e reanimou a carreira do cantor paraibano, que até então atravessava período de baixa visibilidade no mercado fonográfico”, comenta o crítico musical Mauro Ferreira, em seu blog no G1, acrescentando, ainda: “Decorridos 26 anos, Zé Ramalho está em alta no mercado, fazendo shows por todo o Brasil”.
Neste sábado, o pouso de Zé Ramalho é em Juiz de Fora, no Terrazzo, às 23h30, quando toca os sucessos que marcaram sua trajetória. A abertura fica por conta das apresentações do DJ Marcelo Castro, às 22h, e do cantor de Belo Horizonte Denilson Mabuzy, às 23h. Quem faz o encerramento é a banda Eminência Parda, que gravou “Avôhai” no álbum “Avôhai – 40 anos – Remake pop rock”, lançado em 2018. O disco, que tem Zé Ramalho como diretor artístico, comemora a estreia solo do paraibano em regravações executadas por bandas independentes do país.
Acompanhado no show de Juiz de Fora pela Banda Z, formada por Chico Guedes no contrabaixo, Zé Gomes na percussão, Vladimir Oliveira nos teclados, Edu Constant na bateria e Toti Cavalcanti nos sopros, Zé Ramalho resgata clássicos como “Garoto de aluguel”, “Vila do sossego”, e, lógico, “Avôhai”, “Frevo mulher”, “Admirável gado novo” e “Chão de giz”. Também faz sua própria leitura de “Gita” e “Medo da chuva”, ambas de Raul Seixas. “Eu transo com as plateias espiritualmente”, comenta o músico, em entrevista disponível em seu canal no YouTube, no qual fala de seus processos e visões. “Acho que as artes todas se unem, são conectadas e todas inspiram uma a outra”, comenta, pontuando que algumas de suas criações se ligam especialmente ao cinema.
Letras impregnadas de psicodelismo
Em 2019, Zé Ramalho completa sete décadas de vida. Num percurso grandilouquente, soma 19 álbuns de estúdio, sete discos com regravações de Beatles a Jackson do Pandeiro, e seis DVDs. Seu mais recente trabalho é “Zé Ramalho na Paraíba”, no qual celebra os 40 anos que se passaram desde seu reconhecimento nacional, com o álbum “Zé Ramalho”, de 1978. O pique de hoje é o mesmo de ontem. “O gesto de colocar a correia da guitarra no pescoço, toda vez eu achava aquilo o máximo, achava maravilhoso, era como se eu estivesse colocando uma couraça, que me dava uma aura de poder. Tocar guitarra, e cantar, e fazer vocal, eu achava o máximo”, diz Zé, em rara entrevista, em seu canal no YouTube, na qual também fala sobre suas referências, dentre elas a poesia. Segundo ele, foram poucas as vezes em que se emocionou tanto quanto lendo um poema de Drummond ou Vinícius de Moraes.
Outra marca que o cantor fez questão de preservar é a do psicodelismo. “Começaram a brotar na minha cabeça as ideias de fazer meus primeiros exercícios musicais, nos anos 1970, devido àquela época. Psicodelismo, alucinógenos, vanguarda, surrealismo são palavras e manifestações artísticas conhecidas hoje em dia. Tudo isso me atraiu muito, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Em 1969 assisti o Woodstock, festival mega que mudou minha cabeça e minha visão de música. Quando saio do cinema eu era outra pessoa. Aqueles artistas maravilhosos, aqueles gestos, aquele colorido, a liberdade total, quebrar instrumentos no palco, gritar e pular, eu não sabia que podia fazer aquilo”, conta ele, em entrevista da apresentação do último álbum de estúdio, “Sinais dos tempos”, de 2012, também disponível no YouTube, concluindo: “O psicodelismo, essa coisa ligada a ácido lisérgico, LSD, cogumelos alucinógenos, surgiu nessa época, e eu participei de todas essas experiências. Provei um pouco de tudo isso. E todas essas experiências que fiz estão já no meu primeiro disco, que tem ‘Avôhai’, “Vila do sossego’ e ‘Chão de giz’, músicas que foram tocadas de forma acústica e hoje viraram clássicos. Todas elas estão impregnadas de psicodelismo, de climas visionários, de escutar e dar a sensação de estar viajando. Meu trabalho aconteceu muito por conta disso. Procuro manter essa linha de oferecer isso a meu público.”
ZÉ RAMALHO
Neste sábado, 30, às 23h30, no Terrazzo Centro de Eventos (Av. Deusdedit Salgado 5.050 – Salvaterra)