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Kleber Mendonça Filho participa da Mostra de Tiradentes e reflete sobre as formas do tempo em sua obra 

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Diretor de “Bacurau”, Kleber Mendonça Filho reflete sobre a relação da temporalidade e a produção cinematográfica brasileira contemporânea (Foto: Foto Leo Fontes/Universo Produção)
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Nos anos 80, Kleber Mendonça Filho pegou uma câmera. Sua mãe havia viajado para os Estados Unidos e trazido o equipamento compartilhado. Com ele, gravava-se o dia a dia: as festas de aniversário, os encontros com a família, as surpresas, as brincadeiras de criança. Kleber, seguindo esse padrão, fez o mesmo com seus amigos: passou a gravar quando eles se reuniam, as festas, as conversas. Até entender que, mais que uma coisa cotidiana, ele tinha em mãos um potente registro do tempo, um lugar em que se fabricam histórias e fantasias.  

Na última quinta-feira (25), o cineasta pernambucano esteve na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Por lá, o assunto principal era exatamente o tempo e suas formas, que é o tema desta edição do festival. Ao seu lado, Francis Vogner, coordenador de curadoria, Lia Bahia, professora e pesquisadora, e Luiz Carlos Oliveira Jr., professor e crítico de cinema, discutiram quais são as formas do tempo no cinema contemporâneo brasileiro. Teoria e prática ao encontro das diversas dimensões narrativas e temporais.  

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E o tempo é marca da obra de Kleber Mendonça Filho: um cineasta que estuda seu tempo e, como disse Francis, traz um passado ativo em seus trabalhos. O mais claro exemplo disso é o seu mais recente trabalho, o longa-metragem “Retratos fantasmas”: filme sobre a memória coletiva, pessoal, familiar e íntima dos cinemas do Recife, a partir do que isso significou para o próprio diretor, que também assinou filmes como “Bacurau”, “Som ao redor” e “Aquarius”, além de curtas como “Recife frio”.  

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Olhar para o Kleber de agora e ver também aquele mesmo que gravava as reuniões familiares e de amizade é ver as fraturas do tempo. “Um outro Kleber”, disse. E isso foi intensificado à medida em que se deparou com as fitas guardadas em casa, para fazer seu filme mais novo. Nos acervos públicos, foi percebendo o tempo pessoal de cada registro guardado por ali, que ia do mais corriqueiro a um grande acontecimento. Parar para analisar foi estudo do tempo. E é por isso que afirma que, quando faz um filme, o que vem primeiro é: “Qual o tempo do filme que vou fazer? Como era naquela época e até como é o tempo do presente?” Tempo esse que se manifesta não só no mais visual, dos cenários às roupas, mas também na própria construção da narrativa, o tempo de cada personagem. 

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“Não embarco em filme que não quero gravar” 

Para se fazer um filme, mais uma vez, o tempo é preciso. Kleber conta que nunca faz um filme que não gosta, que não se enxerga. E é por isso que seus filmes demoram o tempo que precisam para sair. Exemplo é “Bacurau”. Ele começou a ser feito em 2009. “Em uma faísca de criatividade que atingiu a mim e ao Juliano Dornelles”. Neste primeiro momento, não gostou do roteiro. “E eu sou daqueles que grava todas as cenas. Eu gosto de todas as cenas. Não embarco em um filme que não quero gravar”. Ele demorou no processo e “Aquarius” nasceu: filmes totalmente diferentes, mas que registram os tempos contemporâneos. “Bacurau”, então, foi reconstituído do início, e só foi gravado quando, realmente, estava pronto para ser gravado: o tempo.  

Bárbara Colen, que foi homenageada nesta edição da mostra, disse que, para criar as personagens que fez junto a Kleber, tanto em “Aquarius” quanto em “Bacurau”, foi preciso desse tempo naqueles espaços. Gravar em Recife é o lugar-conforto de Kleber. É o lugar de onde sua visão sai. Gravar no sertão foi preciso, de acordo com ele, e demorar também no processo. “Mas eu me senti seguro porque o sertão faz parte da minha vida através das pessoas que convivia”. Ele conta que foi essencial ainda fazer a seletiva para chamar as pessoas daquele lugar para fazerem parte do filme, seja na figuração ou na própria produção. “E eu e Juliano entendemos que quem veio trabalhar com a gente eram pessoas rejeitadas na comunidade. E isso entra no filme. É o que o filme faz.”  

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“Bacurau” saiu quando precisou sair. “O filme saiu em 2018. E eu entendia, mas ficava um pouco preocupado com aquele bota-fora nacional que o filme gerou. Eu gosto de cartase no cinema. Mas eu acho, na verdade, o final de ‘Bacurau’ muito triste, mas era um momento que estava todo mundo querendo ter algum tipo de bota-fora, e o filme se encaixou muito bem nessa chave. Eu achei interessante, mas vendo com alguma cautela, é claro”. Ele ainda completou dizendo sobre uma possível previsão do que aconteceria, que ele e Juliano estavam com as “antenas ligadas”.  

Para fazer “Retratos fantasmas” Kleber revisitou isso tudo: todo seu próprio tempo. E foi uma forma de ver que as coisas mudaram, mas sua visão do tempo e sua forma de cinema, não. Isso porque ele segue se preocupando com a temporalidade tanto quanto se preocupa com a imagem e com o som. “E porque eu sigo sendo um artesão. Minhas peças são artesanais. Sempre.”  

Ser artesão  

Kleber é, ainda, cineasta que enxerga o mundo a partir do olhar de outros cineastas. Vê o tempo através do que é produzido no agora. Enxerga as similaridades e olha, com carinho, para aqueles que também são artesãos do tempo. “E André Novais (outro homenageado desta edição) é um artista. Ele tem um jeito que é essa coisa do artesanato. Eu acredito no artesanato e gosto de acreditar que faço artesanato. O cinema, se você não tiver cuidado, vira uma série de procedimentos técnicos. Eu vejo cada vez mais o procedimento tomando conta da narrativa das histórias que são contadas. E isso entra também no cinema autoral. Mas eu ainda acho que, quando eu vejo um autor, eu digo: ‘Aqui, é artesanato’. E, hoje, eu diria que o André Novais é um deles”.

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