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Os atos não são falhos

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Tesão na cama e na rua. O mesmo tesão que faz com que Carlos Adão afirme “Hoje estou na terceira idade, faço sexo todos os dias e não uso Viagra” é o tesão que o leva a pintar muros, pedras e rodovias. “Tenho 62 anos bem vividos, sou formado em economia, cheguei quase a diretor de agência bancária. Imagina um homem assim resolver, aos 32 anos, pintar as ruas? Sempre fui muito popular, bem visto e correto. Procuro ter uma vida de adolescência, sem maconha, sem cocaína, sem álcool e sem fumo. Apesar de meu amplo conhecimento, sou uma pessoa comum. Nascido numa família de 12 irmãos, com o pai ganhando salário mínimo, numa região periférica, próxima ao rio, ao mato e ao lixão. Fui um jovem que não tinha uma escova de dente, uma manteiga e recebia roupas pela ‘escadinha dos irmãos’. Não tinha casa, nem carro. Fui trabalhar, aos 13 anos e com o primeiro salário que recebi obturei 16 dentes. Ainda que houvesse muitas dificuldades, isso nunca me fez menor ou pior do que as outras pessoas. Superei tudo e, por isso, me ver no cinema é incrível”, diz o protagonista do filme “Os 3 atos de Carlos Adão”. “Nunca pensei que fosse um Brad Pitt nacional”, ri.

O mesmo tesão tem Fernanda Roque enquanto desenha, na tela de um computador, um flamingo em rosa choque com um colar de luzes amarelas. O mesmo tesão tem Diego Navarro enquanto desenha, da mesma forma, um urso com calda de sereia. O mesmo tesão tem Francisco Franco enquanto fala de seu primeiro longa-metragem, sobre o pichador paulista que deixou em Juiz de Fora sua marca logo no entroncamento das avenidas Deusdedit Salgado com a Paulo Japiassú Coelho, no Teixeiras, e até mesmo em Bicas. O documentário que inaugura a edição deste ano do Festival Primeiro Plano, às 20h, no Cinearte Palace, com a presença de Carlos Adão, não apenas demonstra o vigor de realizadores apaixonados (como o trio do Inhamis), que decidiram fincar raízes em Juiz de Fora. A produção confirma um tesão que aquece o audiovisual local, fortalecido, em grande parte, pela mostra que há 15 anos fomenta uma geração agora amadurecida. “O Primeiro Plano é um termômetro de como a cena está”, afirma Navarro.

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“A galera está trabalhando muito, estão aparecendo mais filmes, com mais qualidade e estruturas maiores. Os primeiros filmes de hoje são mais bem acabados, mais redondos, do que há uns anos. Está crescendo uma mão de obra, é só olhar a ficha técnica das produções”, destaca Franco, nome presente nos créditos dos trabalhos realizados por sua Inhamis e também no de outros estúdios da cidade, como a Old Man Filmes. “Produzir independente é muito difícil, porque tem que comprar equipamento e viabilizar tudo. Um dos caminhos é colar com quem está a fim de fazer. Muita coisa de ‘pira’ nossa é fazer o trabalho comercial para viabilizar o artístico. Pode entrar no mercado para ganhar dinheiro e levar a vida, mas acaba gerando insatisfação. A obrigação aliena a paixão. Trabalhar no esquema que temos pode até cansar, mas possibilita o momento da criação”, acrescenta Navarro. “A ideia é equilibrar, pegando o que não é remunerado mas que curtimos fazer, que temos identificação, para ter liberdade de criar”, confirma Fernanda. Isso é tesão, não?!

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O rolê da assinatura

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“Carlos Adão”, o filme, nasceu de um flerte com o que o já estava na rede. “Um pessoal de São Paulo que tinha uma agência, com a mesma filosofia nossa, de trabalhar com clientes que eles gostavam, conheceu o Inhamis Oficina (série da produtora, disponível no YouTube) e entrou em contato com o Nava (Diego Navarro). Na época, o único cliente deles era o Carlos Adão. Eles queriam fazer uma série de vídeos. Então, sentamos e consideramos que um documentário seria melhor. Era para ser um curta, mas valeu um longa. Financiamos do próprio bolso, já tínhamos os equipamentos e o pessoal de lá entrou com a logística de produção. Fomos descobrindo o personagem à medida em que íamos gravando. Esse processo construtivo, de conhecer o mito e depois a pessoa, está no filme. Agora ele deixa sua marca na linguagem do documentário”, conta Francisco Franco, referindo-se ao homem semelhante na entrega. “A rua é vida”, afirma Carlos Adão.

“O rolê dele é bem rodovia. Antes de tudo ele tem prazer em dirigir, tem todos os truques e um contato bem grande com praça de pedágio. Quando percebemos isso, descemos com ele para o Guarujá”, lembra Franco. “O Carlos Adão é um viral analógico. São Paulo tem o respiro da pichação, da arte de rua, mas a arte dele se insere ali e transborda. Grande parte do trabalho dele está ao redor da cidade grande, e dali ele sai e vai para Rio, Minas, Espírito Santo, Paraná. É como se ele já tivesse transcendido São Paulo”, comenta Navarro. “Não faço nada de errado, não pinto residências ou comércio, divulgo uma marca conceitual. É uma plataforma filosófica, sobre viver bem, com amor e, por isso, falo muito de sexo, um tabu nacional. Não chamo de meu nome ou minha assinatura. O que é Carlos Adão? Dá para viajar. Quando falo ‘Carlos Adão é gostoso demais’ não estou falando que eu sou gostoso demais, mas a marca, que é gostosa demais de acompanhar, a filosofia que é gostosa de viver”, explica o próprio, engraçado e verborrágico. “Sempre trabalhei, e tudo me pertencia. A primeira empresa em que trabalhei era a minha empresa. Quando fui para o banco, era o meu banco. O time era o meu time. É diferente. Eu visto a camisa. Como diz o grande filósofo Carlos Adão: ‘Carlos Adão, você está abençoado pelo Carlos Adão’. Salve Carlos Adão! Todos os dias me agradeço.”

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A assinatura do rolê

Diego, Fernanda e Francisco, sócios da Inhamis, não lançam mão de três atos em seus processos – escolher o lugar, pintar de preto e depois escrever em verde. Ainda assim, deixam, como Carlos Adão, suas marcas. Picharam o audiovisual local quando cobriram as manifestações contra o aumento da passagem, em 2007, depois, quando lançaram uma série bem-humorada de vídeos na internet, mais tarde, quando levaram para a telona “Cachorro morto”, “Bomba” (resultado de um prêmio do Primeiro Plano) e o mais recente “Resguardo”, um emocionante documentário sobre uma “estranha” família que vive na comunidade de Sarandira, zona rural de Juiz de Fora. Dos curtas ao longa, há uma assinatura muito nítida, que, ao mesmo tempo em que revela o frescor da juventude, mostra-se madura o bastante nas subversões da linguagem cinematográfica.

“A gente não enquadra muito as coisas. Não somos muito cineastas, acadêmicos. Gostamos muito das coisas que a gente gosta, mas não estamos preocupados em ter que ver todos os filmes da Nouvelle Vague, por exemplo, para fazer algo sem soar como uma cópia. Até porque sempre buscamos um toque nonsense. Nosso lance é não ser chapa branca. Disso o mundo está cheio, o cinema está cheio”, pontua Franco. “Aqui um critica o outro o tempo inteiro. Temos a preocupação de não fazer por impulso, como fazemos”, completa. “Somos deslumbre zero”, acrescenta Fernanda. “A gente tem um senso de sobrevivência e adaptação. Queremos produzir o que nos sentimos bem. E isso envolve qualidade”, diz Navarro.

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Formada na faculdade – “Era um fanzine no formato impresso, xerocado, inicialmente mais voltado para a música”, conta Franco – a produtora ganhou corpo em 2012, dois anos depois que Fernanda e Francisco se encontraram como par. Navarro, presente no início da história, voltou em 2013, quando o casal percebeu que os trabalhos freelancers se avolumavam para formar uma empresa. Dali até a última segunda-feira, o estúdio ocupava um cômodo no apartamento de Fernanda e Francisco. Agora existe numa casa, no Bairro São Mateus, onde esperam sediar cineclubes e pequenos eventos acerca do audiovisual. “A gente pretende ampliar os trabalhos autorais, ficar bom no negócio e conseguir produzir em Juiz de Fora. Não temos a pretensão de fomentar uma cena, até porque a coisa está se estruturando sozinha. Precisamos de um edital, que a Prefeitura perceba que está sendo criada uma cena de produção cinematográfica aqui”, aponta Franco. Todo tesão intima o gozo.

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