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Envolto em movimentos, Bieto pensa, pinta e vive

Bieto
Bieto
Influenciado pela cultura hip hop, Bieto passou dos desenhos figurativos aos “organismos”, formas fluidas e coloridas identificadas com o movimento (Foto: Fernando Priamo)
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Depois de quase 3 horas de conversa no hotel onde se hospeda, de passagem por Juiz de Fora para realizar um trabalho no Moinho, ele assumiu: “enquanto a gente conversava, o que eu prestei mais atenção foi no reflexo que aquela mesa estava fazendo nas paredes”. Roberto Bieto, 40 anos, artista plástico de São Paulo, levantou e me mostrou como uma água jogada sobre essa mesma mesa poderia criar movimentos abstratos naquele reflexo. Com suas mãos sobre ela, conseguimos entender de onde vinha a luz e como as sombras eram feitas. Essa, afinal, foi a resposta dada por ele quando perguntei de onde tirava inspiração para pintar telas e paredes tão firmes, coloridas, cheias de movimentos e sombras.

Mas existe outra explicação para a precisão que a gente percebe quando olha para suas obras. Bieto tira da culinária japonesa o ensinamento que leva para a vida: rigor e intenção. Ele me explica que quando o sushiman corta as peças, precisa de muita precisão para não errar o corte. Além disso, acaba que tudo poderia ter o mesmo sabor e o mesmo efeito, se não fosse a intenção que é colocada no ato. Enquanto fala isso, em seu celular, ele mostra um vídeo acelerado de como pinta as paredes, que preferencialmente são pretas, para dar profundidade: “eu não me sujo, nem sujo o chão, eu não faço de novo, ou seja, não erro. Tudo tem uma intenção”, garante. Para isso, enquanto trabalha, é preciso, de acordo com ele, pensar no momento presente, naquele ato. “Eu até escuto música, às vezes danço, para me concentrar. Porque se chega alguém posso querer conversar e, aí, me desconcentro. Mas as minhas intenções vão grudando no meu trabalho.” Por essa razão, quando vai, por exemplo, fazer uma arte na casa de alguém, gosta de conversar para conhecer a ordem da vida dos envolvidos. Até porque, ele ainda acredita: “o que eu pinto tem mais relação com você do que comigo. A potência do meu trabalho é a sua potência, e não a minha”. Outro modo de dizer que a arte está nos olhos de quem vê.

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Sua próprias potências sem limites

No desenho é que Bieto consegue treinar toda essa precisão que busca imprimir. Ele fala que pinta o dia todo e se investiga no desenho. Conhece seus limites e até onde ir. Mas, como uma arte que exige movimento, antes de cada pincelada ou jato de tinta em paredes e telas, ele se alonga. E alonga mesmo para, assim como seu trabalho, não se debater com limitações, seja corporais ou de ideias. Ser artista, para ele, tem um pouco disso: “Eu decidi ser artista para ser cientista social sem compromisso. Para ser curioso à vontade. Para descobrir novas formas de viver. Expressar honestamente o eu mesmo”. Sem impedimentos quaisquer, e isso na vida toda. Quando conta suas tantas histórias, ele consegue mostrar a ideia que explicou sobre “vontade de potência”, conceito do filósofo Friedrich Nietzsche. Bieto sempre busca por mais vida. “O que eu fiz, eu já conheço. Eu vou em busca de novas experiências”.

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Antes de fazer o que agora é sua marca registrada – esses traços precisos que ocupam as paredes misturando luz, sombra e cor – ele contava histórias através dos quadros. Enquanto fazia publicidade e propaganda na Fundação Cásper Líbero, em São Paulo, ele vendia quadros na rua com a temática do folclore brasileiro. Ao contrário de hoje, eles eram bem figurativos, apesar de já apresentarem um estudo de formas e luz. Depois disso, ele queria provocar. Um de seus quadros dessa época revisita o “A última ceia” de Leonardo da Vinci. Em sua representação, todos os personagens têm corpos de mulheres. A que seria Jesus está com um fone de ouvido sem fio. Atrás delas, o paredão de som do Furacão 2000. O chão é xadrez como as pistas de dança. Provocar é um hábito que Bieto lembra que carrega desde sempre. Já na infância ele questionava quando não concordava sobre certos assuntos. Com o tempo, a inquietude foi tomando outras formas, inclusive no trabalho. De tão argumentativo, foi sugerido que fizesse faculdade de direito. Mas, não. Hoje, para conseguir um acervo de argumentação considerável, ele acorda e passeia pelo YouTube para ver – mais ouvir que ver – os canais informativos dos quais gosta. Alguns, ele assume que nem tanto, mas faz para saber o que está acontecendo dos dois lados e, assim, formar opiniões.

(Foto: Fernando Priamo)

‘A função da vida é criar diferenciação’

Bieto diz que, um dia, decidiu que já não queria fazer “mais do mesmo”. Nessa busca por “fazer uma coisa que eu só gostasse”, cansado de contar histórias que “acabam diminuindo o que queria falar sobre arte”, ele foi identificando no próprio trabalho um caminho que já se mostrava. Um dia, ouviu uma música do Lenine – para ele, o melhor – que dizia: “Que a minha reta siga cada nota até o seu coração/Só pela canção, tocar você”. Com isso, ele percebeu que era o movimento o motor de tudo. Queria, também, pensar sobre o aqui e agora. A expressão total disso foi a exposição feita só com luzes. Como ele fala: “se desse um pique de luz, acabou a arte”.

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Seus experimentos ainda unem física, filosofia, melodia, sentimentos e tentativas – para ele, inclusive, tudo deveria ser pensado junto. Ele tem interesse em todos os sentidos e nas energias. Com sua mão mesmo, como fez no fim de nossa conversa, percebeu o que poderia criar. Com o tempo, entendeu o que queria: “não preciso de mais nada. Achei: é isso! Gosto de contornos, spray, fazer volume, dar essa sensação de 3D. Tem essa brutalidade do spray e a delicadeza do pincel, apesar de o outro ser delicado também. A função da vida é criar diferenciação”.

Por que não?

Hoje, Bieto roda o país com as artes plásticas. Mas ele assume que é “bicho da cidade”. Precisa de se manter “poluído” pelo fast food, pelo metrô, onde ele também encontra identificação com sua arte, por causa das luzes, do barulho e do movimento. “Mas eu costumo dizer que é tanta poluição que não consigo ver quem sou eu.” Como ele é aberto para acontecer o que for, já fez trabalho no meio do mato. Mas um mês foi o suficiente, já que a natureza que precisa, ele fala que encontra na cidade mesmo. Por isso, gosta de andar descalço pelas ruas. “Por que não?” É como se essa pergunta moldasse toda sua trajetória.

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