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Espetáculo de companhia juiz-forana vence cinco categorias de festival em Governador Valadares

educandario sao bernardo by arquivo pessoal
Foto: Divulgação
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Foram quase 500km, percorridos em quase nove horas, dentro de uma Kombi carinhosamente chamada de Ivonete e sob forte chuva. A todo momento um celular acendia, notificando a chegada de uma mensagem que alertava para a possibilidade de o caminho conter trechos alagados. No veículo estavam cenários, figurinos, equipamentos, malas e os cinco integrantes da equipe do espetáculo “Educandário São Bernardo”: o diretor Marcos Araújo, as atrizes Táscia Souza e Marisa Loures, o autor Gustavo Burla e a assistente Marina Metri. “Saímos de Juiz de Fora às quatro da manhã e chegamos em Governador Valadares por volta das 13h. Foi apenas o tempo de almoçarmos e corrermos para o teatro, a fim de montar o cenário e a iluminação, pois nossa apresentação estava marcada para 17h. Ficamos exageradamente cansados. Mas todo o cansaço desapareceu quando portas do teatro foram abertas e o público começou a chegar”, recorda-se Marcos, repórter da Tribuna, que viu o espetáculo da cabine de iluminação.

Todo o esforço foi recompensado com cinco troféus, que a equipe trouxe para Juiz de Fora na última noite. Na edição deste ano do Festival Nacional de Teatro de Governador Valadares, a montagem foi premiada nas categorias espetáculo, direção, cenário e atriz, para Táscia Souza, além de receber o Prêmio Especial do Júri para o texto. “Ao final, muitas pessoas nos procuraram para falar da identificação que tiveram com essa montagem, que é simples, sutil e tem a amizade e empatia pelo outro como tema central”, conta o diretor, sobre a história que partiu da realidade e ganhou a ficção. Na trama, Roberta é telefonista em uma instituição de caridade. Numa ligação para Joana, acaba escutando as dificuldades da mulher, e as duas iniciam, então, uma profunda amizade. “‘Educandário São Bernardo’ tem um significado muito pessoal para mim. O Gustavo escreveu o texto e me entregou para que eu lesse um ano depois da morte do meu padrasto, que teve um melanoma, como o marido da Joana, personagem da Marisa na peça. E o telefonema que dá início a essa história, em que a Joana acaba desabafando sobre a doença do marido com uma desconhecida que liga para pedir auxílios para uma instituição de caridade, aconteceu realmente, com a minha mãe. Eu soube disso no dia do velório, quando atendi o telefone da casa da minha mãe e era essa moça, cujo nome infelizmente não lembro, perguntando notícias. O texto foi um trabalho de luto do Gustavo. Decidir encená-lo, cinco anos depois, foi o meu”, pontua Táscia, sobre a estreia que aconteceu em agosto de 2017.

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Apostando na voz, que ligou as mulheres na vida real, o diretor buscou a verossimilhança do espetáculo. Tinha muito a dizer. “Se naquela época a peça tocava as pessoas de alguma forma, hoje, em razão desse contexto social no qual estamos mergulhados, em que até laços familiares foram rompidos em razão de desavenças ideológicas, o espetáculo tem muito mais a dizer e, talvez por isso, acabe sendo bem recebido pelas pessoas que, de alguma forma, na minha opinião, estão magoadas com tudo que nossa sociedade vem sofrendo e querem encontrar uma saída. E a arte faz isso muito bem”, defende Marcos, que este ano completa 20 anos de carreira no teatro. “‘Educandário São Bernardo’ é um texto simples em que duas mulheres desconhecidas passam a partilhar suas vidas por meio de ligações telefônicas. É um texto extremante sensível, que mostra o quanto é importante a gente ter empatia pelas outras pessoas, ter empatia pelas situações adversas das outras pessoas, pois é também exatamente isso que somos humanos. A história de Roberta e Joana já foi vivida por muitas pessoas, por isso acho que há o reconhecimento do público. Se as pessoas não sentiram na pele o que essas personagens viveram, elas conhecem alguém, um parente, um vizinho que já passou por aquelas situações. Por isso, o mérito do texto é fazer esse reencontro com nós mesmos e com o outro, causando uma grande identificação”, aponta o diretor, que estreou na função já sendo premiado.

Para a Roberta do espetáculo, Táscia, que na vida viu a dor da Joana real, um exercício proposto pelo diretor tornou-se fundamental no processo de apropriação do papel. “Tínhamos que escrever uma carta uma para a outra contando os gostos de cada uma. Foi ali que eu soube tudo sobre a Roberta, da sua música preferida até suas dores mais profundas. Nada disso é revelado no espetáculo, mas está lá, em cada escolha de atuação”, conta a atriz, que divide a cena, todo o tempo, com Marisa, também indicada na categoria de melhor atriz. A peça ainda recebeu indicações de figurino, iluminação e trilha. “Essa cumplicidade entre a Joana e a Roberta só foi possível porque a Marisa e eu encontramos isso uma na outra também. Somos cúmplices. As personagens não se olham durante a peça, a não ser num instante, mas nos ensaios a gente se olhava nos olhos o tempo todo. Me chamou muita atenção uma vez em que passamos o texto andando na rua, indo para um outro compromisso, e quem quer que passasse por nós acharia que se tratava realmente de duas amigas conversando”, lembra Táscia, revelando a profundidade e a precisão do espetáculo premiado.

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