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Juiz de Fora em fragmentos

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Projeto assinado por Oscar Niemeyer na década de 50 apresenta assinatura alterada e partes rasgadas

A descoberta recente da proposta, assinada por Oscar Niemeyer em outubro de 1952, para a construção de uma rodoviária – onde hoje está situado o Condomínio do Edifício Adhemar Rezende de Andrade, e onde foi erguida a antiga rodoviária municipal, na Avenida Barão do Rio Branco -, após décadas esquecida nos arquivos do antigo Instituto de Pesquisa e Planejamento (Ipplan), chama atenção para a ausência de uma preocupação, por parte do poder público, em preservar a história de Juiz de Fora. Conforme publicado na reportagem de capa do Caderno Dois de ontem, o documento só veio à tona nos últimos dias, depois que um funcionário do acervo técnico da Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) o encontrou em uma das caixas entregues a ele há aproximadamente três anos.

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Uma planta, das 13 que compõem o documento, inclusive, tem a assinatura do arquiteto alterada. Em outra, a área, onde estaria o carimbo com a marca de Niemeyer e o prolongamento do desenho, foi cortada. Por falta de acondicionamento adequado, o papel vegetal encontra-se amarelado, rasgado em alguns pontos e remendado com material impróprio, o que reforça sinais de má conservação. Com a extinção do Ipplan, pelo menos uma parte do seu acervo ficou armazenada na SAU, e a outra, no Arquivo Histórico de Juiz de Fora. O projeto que Niemeyer teria traçado, também nos anos 1950, para uma represa da cidade, semelhante ao da Pampulha, continua desaparecido. Na Prefeitura, a resposta é que ninguém sabe do seu paradeiro. "É lamentável. Arthur Arcuri sempre falava com muita tristeza sobre isso. Niemeyer esteve aqui, pessoalmente, entregando este projeto, que foi exposto publicamente, e ele simplesmente sumiu. É preciso se mobilizar para encontrá-lo", afirma o professor da UFJF e presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/MG), Marcos Olender.

À procura de informações que contam os mais de 150 anos do município, a Tribuna percorreu arquivos públicos e particulares. A constatação é de que a memória da cidade está fragmentada, dificultando os trabalhos de pesquisadores e colocando em risco sua história. 

 "O problema é que, às vezes, a pessoa procura algo pronto. A visão de que deve haver um arquivo centralizado é equivocada. Quando um cidadão demanda uma questão, ele quer com urgência, e isso é impossível, pois as informações estão segmentadas. O setor de memória é este aqui. Você pode não encontrar tudo, porque a história ainda está sendo gestada, mas vai achar o caminho. É como se fosse o trabalho de um detetive", justifica o supervisor do Arquivo Histórico de Juiz de Fora, Antônio Henrique Duarte Lacerda. 

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Somente o acervo da Prefeitura está dividido entre as várias secretarias – que deveriam ter a posse somente do que está sendo gerado – a Supervisão de Arquivos Administrativos (SAAD ) – que hoje é responsável pelos processos de construção correntes, mas abriga, também, documentação não corrente -, a Supervisão de Arquivo Intermediário (Saim), que não funciona como tal, pois, devido ao grande volume de papéis do Departamento Pessoal, só atende esse setor – e o Arquivo Histórico de Juiz de Fora. Este último teria que ter a posse de todo o acervo permanente do município, porém, só possui catalogados os documentos até o ano de 1945. "Do ponto de vista arquivístico, isso é totalmente negativo. Todo acervo deve espelhar as atividades de sua instituição", observa a historiadora com especialização em arquivos permanentes e responsável pelo Arquivo Arquidiocesano de Juiz de Fora, Rosangela Mello. 

 

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Tabela de temporalidade não é seguida

 

O não cumprimento da Lei Federal nº 8.159, de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, e da Lei Municipal nº 7.772, de 1990, que institui o Sistema de Arquivo do Município de Juiz de Fora, é a explicação dada para o hiato que se forma no Arquivo Histórico de Juiz de Fora – de 1945 até hoje -, por Elione Guimarães, responsável por projetos educativos no local. "Se o sistema fosse posto em prática, cada documento teria uma tabela de temporalidade, que determinaria os prazos para ficar no arquivo corrente, no intermediário e no permanente. Porém, isso é teoria em quase todos os pontos do país. O recolhimento é feito de maneira informal. Aplicamos em algumas secretarias, mas não deu tempo de fazer em todas. Na SAAD, há documentos de todas as idades, inclusive que poderiam ser eliminados", conta Elione.

No início da década de 1990, um episódio que marca a fragmentação da memória da cidade veio a público. Para dar lugar às novas varas abertas no Fórum Benjamin Colluci, o acervo da instituição, que seria incinerado, foi dividido entre o Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora (parte criminal) e o Arquivo Permanente da UFJF (cível). "O ideal é que tudo estivesse reunido em uma só instituição, mas isso é impossível por falta de espaço suficiente", diz o professor do Departamento de História e consultor do Arquivo Central da UFJF, Galba Di Mambro. "O importante é que a gente não deixe nem a história se perder e nem sair da cidade. Acho que está em boas mãos sob a responsabilidade da Prefeitura e da universidade. Enquanto tivermos fundos e organizações sérias para manter esse tipo de iniciativa, as informações serão preservadas, mesmo que separadas", defende Alessandra Germano, coordenadora do Arquivo Permanente da UFJF.

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Digitalização de arquivos é um dos caminhos

 

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A digitalização dos acervos tem sido uma das maneiras encontradas para democratizar o acesso e evitar a perda de informações. Contudo, ausência de pessoal qualificado, alto custo do procedimento e até falta de interesse dos gestores acabam sendo um entrave a sua execução. No Arquivo Histórico da Prefeitura, esse trabalho vem sendo realizado, porém com dificuldades. Durante a gestão do ex-prefeito Carlos Alberto Bejani, a instituição havia conseguido captar recursos, por meio de Leis de Incentivo, mas, devido às dívidas do Município, a verba não chegou a ser repassada. Depois disso, as iniciativas não evoluíram muito.

  Uma parte do acervo do Arquivo Permanente da UFJF já está disponível digitalmente no local. A inscrição de projetos em leis de incentivo também é vista como necessária. "É impossível reunir, fisicamente, tudo em um só lugar. Imagine acontecer um sinistro em um prédio com toda a documentação de um município? Tudo estaria perdido", observa Heliane Casarin, documentalista do Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes, acrescentando que deveria haver investimento na construção de ambientes adequados para abrigar tanto a documentação produzida na Prefeitura quanto aquela que o município recebe através de doações da comunidade. "Não é só conseguir recursos para digitalizar, é preciso pensar na gestão de documentos. Deveria haver investimentos na contratação de arquivistas, historiadores e conservadores/restauradores."

  Comungando com essa ideia, o professor Galba Di Mambro vislumbra a criação de um Centro de Documentação virtual da história de Juiz de Fora. "Basta ter a informação acessível via internet e que seja referência para o pesquisador. Se você reúne tudo, até mesmo o que existe fora daqui, você diminui o problema da pulverização", propõe. "Porém, primeiro tem que cuidar do material físico, que tem que ser mantido. Precisa haver um local especial para guardar a imagem digitalizada, o que demanda estudo, projeto benfeito e recursos. Não basta digitalizar, tem que microfilmar e fazer a manutenção."

De acordo com Rosangela Mello, o assunto é mais amplo e abre margem para a discussão acerca da obsolescência das mídias eletrônicas. Por isso, na visão da historiadora, o estabelecimento de uma comissão de avaliação da documentação, a exemplo do que existe no Rio de Janeiro, seria a melhor forma de minimizar o transtorno. "O que falta em Juiz de Fora é uma política de tratamento para preservação de arquivos públicos. Os encarregados pela análise avaliariam o que pode ou não ser jogado fora. Muita coisa acaba se perdendo. É preciso haver uma administração inteligente", conclui.

 

 

Raridades compõem a memória

 

Transitar pelas estantes dos arquivos da cidade significa uma volta ao povoado de Santo Antônio do Paraibuna, que se originou às margens do Caminho Novo, em 1850. A cada corredor percorrido, descortinam-se registros valiosos e até mesmo curiosos da memória juiz-forana. Além do acervo da Prefeitura, de 1930 até 1945, o Arquivo Histórico de Juiz de Fora acondiciona o acervo administrativo do Município, desde sua instalação, em 1853 até 1930; o acervo criminal, de 1829 até 1945; edições de periódicos, como o "Diário Mercantil" (1912-1983) e "Diário da Tarde" (1940 -1983), com seus negativos de fotografias; processos da Justiça do Trabalho (1940-1986), documentos dos Cartórios de 1º e 2º ofícios e acervos de particulares, como o do ex-prefeito Francisco Antônio de Mello Reis, doado pela família no segundo semestre de 2012. Raridades, como um mapa feito à mão atribuído a Henrique Halfeld, cartas de alforria de escravos, um livro de conta-corrente do Banco Territorial e Mercantil de Minas, em que figuram nomes ilustres como o do Barão de Santa Helena, e a planta de um cassino, que nunca foi construído, são reveladas.

Comprovando que a Igreja Católica está presente desde a formação das comunidades, no Arquivo Histórico Arquidiocesano de Juiz de Fora, está o conjunto documental, formado por livros de registros de assentos de batizados, casamentos e óbitos de todas as cidades que compreendem a Diocese de Juiz de Fora, desde o ano de 1707. Chamam atenção a Bula de Criação da Diocese, composta pelo selo plúmbeo, com data de 1924, e o "Livro de crônicas do bispado", de 1923.

O Arquivo Permanente da Universidade Federal de Juiz de Fora possui documentos ligados à trajetória da instituição, como fotografias que mostram a presença do ex-presidente Castelo Branco, com carta escrita por ele, de próprio punho, durante inauguração do prédio da Reitoria, em 1966, e outros fundos de particulares. Na coleção pertencente à Construtora Pantaleone Arcuri, um dos destaques é a cópia de um jornal italiano, que traz a inauguração do Cristo Redentor. O público também pode conferir, de perto, os originais do inventário, de 1870, da Baronesa de Sant’Ana, cujo inventariante é Mariano Procópio Ferreira Lage. Já o Setor de Memória, da Biblioteca Municipal Murilo Mendes, abriga obras que deram origem à antiga Biblioteca Pública de Juiz de Fora, inaugurada em 1897, livros valiosos, a partir do século XVI, e jornais que por aqui circulam desde o século XIX.

 

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