Desde o começo da pandemia de Covid-19, o número de livros vendidos aumentou bastante. Só no primeiro semestre de 2021, foram 28 milhões de livros vendidos, com um crescimento de 48,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados fornecidos pelo Painel do Varejo de Livros no Brasil, no entanto, não refletem um aumento para as livrarias físicas, que em 2020 chegaram ao patamar mais baixo de participação no mercado editorial, de acordo com a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro. Essa realidade representa uma mudança no perfil de compra dos leitores e obrigou as livrarias de Juiz de Fora a se reinventarem para continuar no mercado.
Robson Itaborahy, 75, aposentado, é um exemplo desta nova dinâmica. Ele sempre teve o costume de ir a livrarias, às vezes até a mais de uma por dia. Com a pandemia, no entanto, ele se viu obrigado a começar a comprar pela internet, se adequando assim a uma nova forma de escolher seus livros, já que nas livrarias físicas existe a sensação de que se pode sempre garimpar “novidades” entre as seções. Como já conhecia de perto alguns livreiros, conseguiu que as livrarias onde já fazia compras mandassem fotos dos livros com as sinopses e depois enviassem aqueles de que mais gostou para a sua casa. “A pandemia fez você ficar em casa, mas não fez você ficar sem leitura. Então você tinha que aproveitar esse tempo para ler e comprar na internet”, ele destaca.
Já Raphael Domingos, 23, estudante de jornalismo, sempre mantém o equilíbrio entre as compras on-line e nas livrarias físicas. Ele defende a importância dessas livrarias e dos sebos na cidade, e argumenta que “as livrarias e sebos são muito mais do que lojas: são também espaços culturais. Um ambiente para frequentar, para trocar ideias sobre literatura, trocar experiências, e não apenas comprar”. Mesmo assim, Raphael confessa que, durante a pandemia, acabou mesmo comprando mais em e-commerces grandes do que em livrarias locais. Apesar de priorizar as livrarias menores, ele também ressalta que, muitas vezes, os preços das obras nos e-commerces acabam pesando nas suas decisões.
Esse é um dos principais problemas apresentados pelas livrarias da cidade. Com o aumento das vendas on-line, elas passaram a ter que lidar com a concorrência de grandes empresas que conseguem preços bem mais baixos. Por esse motivo, Paulo Roberto de Oliveira, da Atena Bookstore, acaba questionando os números positivos relacionados às vendas. Ele acredita que o aumento nas vendas não significa obrigatoriamente uma melhoria para as livrarias no Brasil e no mundo. “Nós temos um avanço agressivo e significativo dos grandes ‘players’ de vendas de livros, que são também os responsáveis pelos fechamentos das livrarias.” Seu depoimento é confirmado pelos dados no país: no ano em que as livrarias tiveram a menor participação no mercado editorial, as livrarias virtuais aumentaram em 84% sua participação no lucro das editoras.
Portas fechadas, migrando para o on-line
Percorrer as galerias do Centro de Juiz de Fora em busca das livrarias que resistiram não só à pandemia, mas também a essa aceleração do mercado não é uma tarefa fácil. De acordo com os dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entre 2007 e 2017, as livrarias e papelarias no Brasil diminuíram 29%, e no cenário local não é diferente. Com as portas fechadas, foi preciso se reinventar para manter o contato com os leitores e tentar atravessar esse período de pandemia. Algumas passaram a entregar os livros nas casas dos clientes, outras investiram nos livros digitais. A maioria apostou na comunicação pelas redes sociais e outras tantas se atreveram a direcionar seu nicho dentro do mercado de livros para alcançar um público maior.
Este foi o caso da livraria Atena, no mercado há seis anos. A trajetória que começou no virtual permaneceu pouco tempo presencial. Após um ano da inauguração, a loja, no Shopping Rio Branco, ficou fechada por cerca de oito meses por conta da pandemia. Com isso, a equipe precisou intensificar as ações on-line, mesmo já estando antes habituados ao serviço de marketplace. O uso constante das redes sociais, principalmente o Instagram, junto com a implantação do delivery em maior escala, proporcionou uma melhoria nas vendas.
“Nós sentimos uma maior aproximação com o público. Um dos exemplos mais notórios disso foi que a gente podia atender pessoas que viam o nosso perfil e que às vezes não moravam em Juiz de Fora, fizemos clientes de outras regiões do Brasil”, afirma Paulo. Dessa maneira, muitos consumidores que tinham o costume de frequentar a livraria migraram para a compra on-line e, mesmo com a retomada gradual do mercado e reabertura da loja física, optaram por continuar comprando à distância pela facilidade e rapidez. Com isso, o faturamento da livraria neste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, aumentou cerca de 20%.
O contato mais íntimo com o leitor foi fundamental para entender seus gostos e, agora, a livraria conquistou um público interessado em história da arte, permitindo a criação de produtos personalizados. “No começo, quando abrimos a livraria, não tínhamos muito uma noção do tipo de público que alcançaríamos. Íamos vender livros novos e usados, mais os clássicos, mas, com a pandemia, começamos a direcionar mais o público para um conteúdo diferente, voltado para história da arte, e, com a procura de livros sobre esse tema, nós criamos novas linhas também para atender aqui na livraria, como cadernos, lápis e quadros que se encaixam nesse perfil”, explica Poliana Oliveira, sócia e responsável pelas redes sociais da Atena.
Escolas fechadas e mudança de foco
Mas o que fazer quando seu foco de venda são livros educativos e materiais escolares no momento em que as escolas estavam fechadas? Esse foi o dilema de Clérison Rocha, proprietário há mais de 16 anos da livraria Palavras e Ideias, situada na Galeria General Roberto Neves, no Centro da cidade. “Antes da pandemia, estávamos tendo um movimento fora do normal por conta das compras de material escolar. Esse movimento mudou totalmente”, relembra o livreiro, que afirma ter tido que alterar seu foco de vendas, já que as feiras de livros que eram realizadas constantemente nas escolas foram canceladas.
Com as escolas fechadas e o aumento do consumo de filmes, séries e de entretenimento em geral, Clérison encontrou uma saída na literatura infantil e juvenil. A procura por esses gêneros aumentou mais de 67%, segundo ele. Além disso, o livreiro não tinha redes sociais e precisou se adaptar para acompanhar seu público. “Eu não tinha venda on-line e hoje vivo praticamente dela. Tive que montar um espaço para isso, muito maior que a loja até, porque você tem venda a nível nacional também. O empresário teve que aprender a mexer com outras coisas além do mercado dele.”
‘Velhas novidades’
Mas há quem não abra mão de se deslocar até uma livraria, já que, para esse perfil de leitor, o espaço vai para além da abundância de livros nas estantes, é um lugar de encontros, achados e epifanias. Essas características são indissociáveis quando pensamos nos sebos e na Academia do Livro, atualmente localizada na Casa D’Itália, que representa bem isso. Desde 1994, Waltinho Maddalena atua no ramo dos segmentos usados – ou, como ele prefere dizer, as “velhas novidades”. O sebo já transitou por três diferentes endereços, mas sempre com o objetivo de continuar com a divulgação da cultura de livros em Juiz de Fora.
O período pandêmico alterou a lógica de funcionamento do sebo, levando à adaptação aos canais digitais, como Instagram, WhatsApp e no site da Estante Virtual, que concentrou o maior volume de vendas do estabelecimento durante o tempo em que ficou fechado. “Eu já tinha as divulgações nas redes sociais e, quando veio a pandemia, intensifiquei esse trabalho para poder continuar com a livraria em funcionamento. E deu certo, tem dado certo, porque as redes sociais são uma ferramenta muito boa para isso, para a divulgação do livro”, analisa.
Porém, quem gosta mesmo de garimpar já está retomando as visitas presenciais ao sebo e Waltinho notou esse aumento na procura. “A presença da pessoa no local é diferente, ela fica garimpando, de repente não estava procurando um livro específico, mas bate o olho em alguma coisa e fala ‘opa, isso aqui me interessa’. Isso funciona muito bem para aquele que chamamos de ‘rato de livraria’, esse vem sempre procurar as ‘velhas novidades’, que é o nosso ramo, coisas que estão fora do mercado há muitos anos ou esgotadas e a pessoa vem para olhar.” Segundo o livreiro, a compra pela internet não proporciona isso. Geralmente o consumidor já é direcionado para o que está procurando e há pouco espaço para se surpreender.
Grandes livrarias também foram afetadas
Apesar de o cenário atingir de forma mais direta as pequenas livrarias, as franquias também tiveram que lidar com mais dificuldades durante esse período. De janeiro a novembro de 2020, por exemplo, a rede de livrarias Saraiva fechou 36 lojas pelo país. A unidade de Juiz de Fora ainda é um ponto forte na cidade, mas teve as vendas indo a zero durante os meses em que esteve fechada. Mesmo com o setor se recuperando, a assessoria da empresa disse que “as vendas estão em alta, mas ainda não recuperam o mesmo volume de antes da pandemia”.
A livraria Leitura de Juiz de Fora também passou por uma situação complexa, tendo uma queda de 49% das vendas em 2020, quando comparado com 2019. Para se manter, a empresa realmente investiu em meios que ainda não estavam completamente inseridos. “Tivemos que reinventar o modo de atendimento, planejar de que maneira poderíamos chegar ao cliente sem a possibilidade de ter o contato. Investimos nos teleatendimentos e nas ferramentas de marketplaces. Hoje conseguimos absorver um mercado que nem explorávamos de forma adequada”, explica Marcos Paulo, coordenador da unidade local.
Ambas as livrarias ressaltam a importância de ter lojas com grandes estoques e uma diversidade de opções para os leitores. Sobre isso, a assessoria da Saraiva destaca que “a existência de livrarias com um bom acervo nas cidades de médio porte ajuda na familiaridade e gosto pela leitura da população”. A Leitura também reitera que a expectativa é de que, nos próximos meses, com todas as ações realizadas, seja possível realmente ver um horizonte para recuperação das vendas.
O futuro das livrarias
Além de se adaptarem às redes sociais, as livrarias têm feito o possível para vender por duas vias diferentes. O economista Fernando Agra explica que, mesmo assim, a situação delas em relação à concorrência das grandes empresas é preocupante. “O mercado on-line é mais barato por conta dos próprios custos, que são menores em uma empresa desse tipo do que numa empresa física, que em geral tem que arcar com maior número de funcionários, aluguel, condomínio etc. São despesas que não existem na mesma proporção em uma loja virtual.”
Se antes da pandemia a compra pela internet já era uma forte tendência, com o isolamento social ela de fato se configurou como uma mudança de hábito entre a população. Ele mesmo conta que os últimos livros que comprou foram on-line, e que sua preocupação é por ver livrarias fechando ou completamente vazias pela cidade. As livrarias da cidade também veem essa mudança, e inclusive têm percebido a importância de investirem no meio digital para continuarem vendendo.
Para Agra, mesmo em um cenário de retomada do setor comercial, no ano que vem a situação ainda não será boa. Ele explica que há vários motivos para não ser otimista neste momento: a alta do dólar, por exemplo, torna os preços dos importados e os produtos que exportamos ainda mais caros; além disso, as taxas de desemprego estão muito altas, e o clima de incerteza em relação às novas variantes da Covid complicam ainda mais a situação. “Esse cenário mexe com a atividade econômica, faz com que os investidores e os empresários adiem alguns projetos”, ele ressalta.
Apesar dos problemas apontados, o economista enxerga uma possível solução. “O que as livrarias poderiam fazer? O mesmo que as bancas de jornais e de revistas. Elas não vendem mais só jornais, elas passaram a vender outros itens dentro de suas bancas. Você encontra uma série de produtos e serviços que a gente não observava. As livrarias vão ter que pensar o que elas também podem ofertar além de livros.”