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Quem dá mais?

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Vai para a cueca, para a mala, para a meia, para a casa, para o cônjuge, para o filho, mas não vai para o Estado, único destino aceitável. Em xeque, a direção do dinheiro público está na pauta das discussões, do botequim ao gabinete. O que você faria se tivesse nas mãos o controle das verbas? Segundo especialistas em projetos e financiamento cultural, diferentes leis de incentivo fiscal dão ao cidadão comum uma pequena parte dessas rédeas. Mas por distintas justificativas, a esmagadora maioria recusa o poder. Em Juiz de Fora, este ano, apenas cinco pessoas e uma empresa destinaram parte de seus impostos a três projetos aprovados pela Lei Rouanet, mecanismo federal de fomento à cultura. Dos seis incentivos, três foram destinados ao Instituto Inhotim e seu programa de amigos (as cotas vão de R$ 140 a R$ 10 mil). Outros dois incentivos foram feitos para a produção de um filme média-metragem de Belo Horizonte. O único incentivo realizado por pessoa jurídica feito em 2017 por uma empresa local destinou-se à um evento carioca. Em 2016, por sua vez, a realidade foi pouco diferente, com 24 incentivadores locais contabilizados no sistema do Ministério da Cultura. Em 2015, ainda, o número chegou a 29. Nada mais.

Segundo estimativa da Funalfa, os investimentos via incentivo fiscal permitiriam alterar radicalmente a cena cultural de Juiz de Fora. “Fizemos um levantamento do balanço financeiro da cidade e do Brasil, comparando o potencial que a Lei Rouanet tem e que Juiz de Fora poderia utilizar. Chegamos, então, ao valor de R$ 66 milhões, sendo R$ 40 mi de pessoas físicas e R$ 26 mi de pessoas jurídicas. Esse é um potencial, o que significa que, se todo mundo decidir destinar, a cultura da cidade teria R$ 66 milhões para investir anualmente. Para se ter uma ideia, seria o dobro do que o Museu Mariano Procópio precisa para sua reforma. Representa, também, dez vezes a subvenção que a Funalfa faz por ano. Trabalhar com esses 100% é utópico, mas podemos trabalhar com 10%. Isso falando, apenas, em leis culturais. Se incluirmos na conta as leis socioculturais, chegamos perto de R$ 150 milhões e não ativamos nada disso hoje”, pontua o superintendente da Funalfa Rômulo Veiga.

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Desde 1992, ano em que a Rouanet foi colocada em prática, apenas 44 produtores de Juiz de Fora conseguiram aprovar e captar recursos para seus projetos. No topo dessa lista está o Centro Cultural Pró-Música, que ao longo da sua história teve a permissão para captar R$ 15,2 milhões, mas alcançou somente R$ 4,5 mi. O segundo maior proponente da Lei Rouanet em Juiz de Fora é a Fundação Museu Mariano Procópio, que arrecadou R$ 1 mi, dos R$ 3,1 mi possíveis. Todos os outros 42 produtores não ultrapassaram os seis dígitos. O que menos captou recursos recebeu apenas R$ 4,5 mil. Ao longo dos 25 anos de existência do mecanismo, Juiz de Fora beneficiou-se de apenas R$ 10,1 milhões destinados à cultura via incentivo fiscal federal, o que evidencia um cenário de completa subutilização de uma importante e vultuosa receita que, em tempos críticos, pode ser a grande solução.

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“Essa é uma ideia que dá emancipação à questão do que fazer com o dinheiro gasto em imposto. É bom poder escolher projetos que sabemos que são idôneos, que vemos o resultado na ponta, que a gente participa e tem orgulho, ligação afetiva. Os projetos sócio-culturais ofertam isso e também permitem que o dinheiro continue a circular na cidade, gerando emprego e renda. Para as empresas, por outro lado, permitem o reposicionamento de marca, tendo o público-alvo sensibilizado pelos valores que elas defendem. No fundo, todas as empresas vendem valores. Uma marca, quando se associa à cultura, alia-se aos que gostam de cultura. Isso está diretamente relacionado ao crescimento da empresa”, defende o superintendente da Funalfa.

Entre o medo e a ignorância

Enquanto empresas podem destinar até 4% do seu imposto de renda devido a um projeto cultural aprovado pela Lei Rouanet e obter dedução total desse valor no imposto de renda, para pessoa física o número aumenta para 6%, dados elementares (que variam de acordo com cada lei), mas desconhecidos por uma grande parcela da população. “Não ativamos (o mecanismo) porque não temos o conhecimento, assim como os empresários também não têm, as associações que representam os profissionais liberais não têm. É preciso fazer um trabalho de contaminação para que percebam que isso é positivo. As pessoas têm muitos medos, e essa destinação não dá problema algum”, observa o superintendente Rômulo Veiga, que esteve à frente do painel “Mecanismos de financiamentos socioculturais – Perspectivas econômicas para a cidade”, que reuniu na última semana, no Auditório do Banco do Brasil, especialistas de São Paulo e Belo Horizonte em palestras assistidas por mais de 200 pessoas, entre artistas, produtores, empresários, contadores e funcionários públicos municipais. “Esse tem que ser o início de inúmeras ações que envolvam outras secretarias – como as do Desenvolvimento Econômico e da Fazenda – e política de gabinete”, reconhece Veiga.

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A irrisória adesão de Juiz de Fora aos mecanismos de incentivo fiscal, sejam federais ou estaduais, evidencia um descompasso de todas as pontas do processo. Para o presidente do Sinercon – Núcleo de Contadores e Consultores de Juiz de Fora, o contador Marcio William Furtado, trata-se uma ignorância fácil de ser combatida. “O grande problema é que os profissionais não estão preparados, por outro lado, o contribuinte não tem a consciência. Falta o trabalho de conscientização e o entendimento da importância disso”, comenta ele, comprovando o ainda baixo interesse. Representante dos que fazem a contabilidade de grandes empresas, potenciais contribuintes, e trabalhando com entidades do terceiro setor, Furtado defende que o benefício da destinação é capaz de abarcar todos os envolvidos, além de não significar acréscimo no volume de trabalho dos contadores ou daqueles que incentivam. “É muito simples, um gesto solidário e cidadão. Acredito que nessa ação ganha o assistido, a sociedade e a empresa, além do Governo, porque terá alguém fazendo pelo Estado.”

Foto: Gil Velloso/PJF/Divulgação

Desafio de aprimoramento exige adesão

Filha de um músico que também atuava, produzia, dirigia e palestrava, cuja carreira de ator lhe proporcionou trabalhar com o consagrado Antunes Filho, Danielle Andrade carrega no sangue e no ofício o pai Rhode Mark. Psicóloga por formação, ela se tornou especialista em Gestão de Negócios do Entretenimento e diretora da Rhode, empresa cujo foco está na criação de projetos culturais. Como legado familiar, Danielle encontrou a certeza de que “um projeto cultural não é para o artista, nem para o produtor e também não é para o patrocinador, mas para a sociedade”, o que aponta para uma superlativa responsabilidade tanto de quem faz quanto de quem apoia. Segundo ela, ainda que 42% da população não consumam cultura com regularidade, conforme indica o último estudo do “Panorama setorial da cultura brasileira” (coordenado pela pesquisadora Gisele Jordão), é importante fortalecer mecanismos culturais, como as leis de incentivo fiscal, a fim de que possam ser aprimorados.

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Reconhecendo distorções há muito apontadas, como a própria Lei Rouanet, incessantemente discutida nos últimos anos e até mesmo questionada sobre sua validade, Danielle aponta o êxito do Programa de Ação Cultural, o ProAC, do Estado de São Paulo, que permite a dedução integral de até 3% do ICMS devido das empresas paulistas. Em Minas Gerais, ao contrário, apenas 80% dos 10% do ICMS retornam ao investidor, o que em muito enfraquece o mecanismo. Em mais de 18 anos captando recursos para projetos sócio-culturais, Flávio Nogueira, da LS Nogueira, acredita na condução compartilhada das leis de incentivo fiscal. “Para quem quer trabalhar com cultura, sozinho não dá. É preciso união. E associar-se ao Poder Público é o que dá o maior peso. Ele é quem tem mais informações sobre a cidade, o Estado ou o país. O que vem dele é mais confiável”, observa, sugerindo a criação, em Juiz de Fora, de um comitê misto capaz de certificar e dar visibilidade aos projetos culturais locais, além de estreitar os laços entre produtor e empresa. Segundo Rômulo Veiga, a proposta está sendo estudada pela Funalfa há algum tempo. “A ideia é que daqui há alguns meses já façamos uma rodada de negócios”, promete.

A força do bolso de cada um

Há pouco mais de dez anos, a contadora Cintia Campos encarou o desafio de convencer os cooperados e colaboradores da Unimed de Belo Horizonte a destinarem parte dos 6% de seus impostos de renda para uma recém-criada organização que sonhava em impulsionar a cultura na capital mineira. Em 2008, com 35% dos profissionais mobilizados, o Instituto Unimed-BH destinou R$ 1,6 milhões a cinco projetos. Passada quase uma década, a entidade atinge 80% de seu quadro (mais de 4,5 mil pessoas), que direcionam R$ 15 milhões para 67 projetos, sendo considerado o maior programa de patrocínio cultural do país mantido por pessoas físicas, conforme o Ministério da Cultura.

Segundo Cintia, hoje consultora na área, mais de 15 mil empregos foram gerados, e quase 1,5 milhão de belo-horizontinos, beneficiados, ao longo dos dez anos em que ela permaneceu como gestora do instituto. Em Juiz de Fora, a Unimed planeja organizar e ampliar o investimento em projetos sociais, esportivos e culturais. De acordo com Flávia Rocha, gestora de comunicação e marketing da empresa, está em estudo a adesão ao modelo de programa envolvendo incentivo de pessoa física praticado pela cooperativa na capital mineira. “Vamos gerar um diagnóstico para entender de qual maneira poderemos aderir às leis de incentivo fiscal”, afirma, reconhecendo o volume reprimido envolvido nos cerca de 1.400 cooperados atuais. “No Brasil, em 2016, apenas 0,7% das pessoas que declararam imposto de renda no modelo completo utilizaram-se do incentivo fiscal. Isso demonstra o potencial que desperdiçamos todos os anos”, lamenta Cintia, certa de que a força individual pode impactar sobremaneira a cultura nacional.

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