
Luiz Gonzaga faz estudos no papel, para depois dar vida aos bonecos coloridos nas ruas e também em miniatura de madeira
O primeiro surgiu como se estivesse espiando o mundo, só com a cabeça emergindo da calçada. Os outros quatro surgiram no mesmo dia, já com o corpo e vestindo camisas estampadas. Os bonecos intitulados “Simpáticos”, que se espalham pelo Bairro Cruzeiro do Sul, no fim da Avenida Rio Branco, grafitados em pequenos blocos de concreto, já ganharam novos exemplares em outros pontos, como um feito próximo ao Mergulhão e outro bem na entrada do Bairro Bandeirantes. Coloridas e com um risco a simbolizar um sorriso, as intervenções são de autoria do artista Luiz Gonzaga, que assina Gonzaguianos, reconhecido por seus trabalhos em bico de pena. “No princípio, queria experimentar se era possível fazer o que faço no papel fora dele e fora da tela. Queria fazer mais. Sentia-me incomodado por trabalhar com pequenos formatos. Foi então que decidi ir para a rua”, conta.
Autor de grafites que se espalham por vias públicas, sempre lúdicos, o pai dos “Simpáticos” pintou o primeiro bloco, no início da Avenida Presidente João Goulart, próximo à rotatória, em julho. “Vi no pequeno a oportunidade de fazer alguma coisa. Ele ia ser amarelo, mas não tinha caneta para colorir, só tinha o marcador verde. Como ele é quebrado em cima, pensei em fazer com o miolinho quebrado. A tinta vermelha escorrendo no chão”, diz, mostrando o caderno onde faz estudos das futuras criações. Nele, está lá a ideia quase macabra de blocos tristonhos, com olhos em X, com cara de choro, mas também os novos projetos, para locais que exigem maior velocidade e que deverão receber uma espécie de capa, como se cada boneco estivesse se escondendo e deixando revelar apenas os olhos. “Estou criando coragem para aplicar no Centro”, observa.
Aos moldes de recentes intervenções feitas no Rio de Janeiro e ao redor do mundo, nas quais artistas desenham personagens para recriar bocas de bueiro, tampas fixadas em ruas e calçadas, além de outros mobiliários urbanos que dividem espaço com os pedestres e não são concebidos em harmonia com o ambiente, Luiz repensa a área urbana. Abaixo o concreto. Os “Simpáticos”, que pouco a pouco descontraem a cidade, agora são alvos de todas as atenções do artista, que procura novos pontos e outros objetos sem cor. “Já comecei a variar os tons de cabelo e as roupas. Gosto muito da referência pop, e na rua é mais fácil fazer trabalhos assim”, pontua ele, cuja maior influência são as histórias em quadrinhos, expressas no boné que usa. Um novo “Simpático”, segundo ele, poderá ocupar o Bairro Mariano Procópio.
Caminho inverso
Os “Simpáticos” já ganharam, também, um bloco de madeira, um toy art, que, nos próximos meses, Luiz Gonzaga espera colocar à venda. A rua lhe cai bem. A vibração dos brinquedos urbanos lhe dão outro fôlego, diz. No país onde o grafite sofreu na marginalização até ganhar, paulatinamente, as galerias e bienais de arte, a trajetória do artista é inversa. Aos 32 anos, Luiz sai às ruas após já ter vivido a experiência do cubo branco, que para ele não era o bastantes. A criatividade do rapaz de voz baixa e gestos contidos combina pouco com o universo muitas vezes exibicionista e pretensioso do circuito de arte. O que ele quer, é, na verdade, vivenciar a criação de forma libertária.
Era início dos anos 2000, quando ele, após muitas reprovações, estudava o ensino médio na Escola Estadual Duque de Caxias, no Centro, e uma professora lhe apresentou, literalmente, para as artes. “Ela viu meu desenho, gostou e disse que conhecia o Petrillo, que tinha um projeto social. Eu sempre desenhava, quando acabava a prova eu fazia uns desenhos atrás da folha. Numa dessas, ela me pegou, e eu, crente que ela fosse me dar uma chamada, pediu para eu esperar depois da aula e me perguntou se eu queria conhecer o projeto”, recorda. “Na Hiato, aprendi sobre proporção, aplicação do meu trabalho no papel, na tela, a elaborar melhor o que fazia e faço. Sempre no autoral. Antes disso, eu copiava muito, e uma garotada implicava comigo dizendo que eu só desenhava bem porque eram cópias. Foi daí que comecei a criar”, conta.
“Em 2004, comecei a expor”, conta. E não parou mais. Luiz é cheio de cadernos onde estuda novas séries, registra um pensamento trivial para torná-lo discurso poético. No ano passado, ele foi convidado a ilustrar capas de cadernos como os seus, da marca Schizzishop, na Galeria Ouro Velho, em São Paulo. Seu trabalho também ganhou paredes luxuosas em projetos arquitetônicos de residências e bares pela cidade, como o recém-inaugurado Timboo, no Alto dos Passos. Simpático como suas criações, o artista, que ainda trabalha em
pizzaria no Carrefour, aos poucos, tem pintado Juiz de Fora à sua maneira, que, por sinal, é bem mais agradável do que a real.