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Escritor cria distopia para discutir caos na alimentação em 2065

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Roteirista e cineasta lança reflexão sobre vidas artificiais (Foto: Fernando Priamo)

Se for realidade, não é ficção-científica. Mas se não se ligar, de alguma forma, à realidade, também não é. Chama-se ficção especulativa, explica Pedro Carcereri. “Estudei isso no mestrado e quero estudar no doutorado também, que é uma ficção que especula um futuro plausível e muito tátil, algo que pode acontecer. Nossos dias cada vez mais nos levam a pensar ‘e se…’. E se o cara realmente começa a me dar comida para eu virar uma peça do Estado, gerando energia para a sociedade?”, questiona o cineasta e roteirista, que em seu primeiro romance, “Sob o Trópico de Capricórnio” (Editora Letramento, 97 pág.), busca responder à indagação. “A ficção tem um alinhamento com o real, e serve para isso, porque tem um caráter social e político. Vemos diversos escritores de ficção científica se posicionando nas narrativas deles. Basta pegar George Orwell, ou o próprio ‘Admirável mundo novo’, do Aldous Huxley, com situações que eles estavam vivendo, numa virada de século muito autoritária, com o nazismo, o fascismo surgindo. Eles escrevem como viam o futuro acontecendo. Nada do que tem lá não quer dizer que não exista.”

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Num país que nos primeiros oito meses de 2019 liberou o uso de 262 agrotóxicos, o mais alto ritmo de aprovação de pesticidas da história brasileira, a narrativa criada por Pedro passada em 2065 parece absolutamente factível. Na história, Daniel é um homem comum, que cultiva sua própria cannabis e se alimenta, como todo o mundo, com os onipresentes transgênicos. A rotina muda quando ele é sequestrado por um grupo de insurgentes. Numa saga que mistura aventura e complexa reflexão, a trama debate as artificialidades da vida. “Tudo parece muito real para daqui a alguns anos. Jogo questões aqui que já estão acontecendo”, observa o autor, cujo despertar para a obra se deu justamente quando pesquisou sobre Peabiru, caminho que liga Cusco, no Peru, a São Vicente, em São Paulo, muito usado pelos incas e povos indígenas brasileiros. Encontrou ritos e mitos das comunidades originárias. E certificou-se da distância que tem se ampliado entre a sociedade e os alimentos.

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“Os indígenas plantam para comer, então o relacionamento deles com as plantas que ingerem é muito diferente, não temos essa carga de interpretação do mundo. E, por fim, não sabemos o que estamos comendo. Quando começamos a invisibilizar esses processos, entregamos nossa saúde para que a indústria decida. Isso me inquieta muito”, afirma o escritor, citando a mexerica e a banana descascadas nas gôndolas dos mercados. “Vai chegar um momento em que não iremos entender como as coisas nascem”, adverte. “Não sabemos os gostos das coisas mais. Comemos um macarrão que tem gosto de galinha, mas a galinha não tem aquele gosto.”

Livro de estrada

“Pensar um futuro, por mais que tenhamos que viver o presente, faz parte de uma construção mais saudável da vida”, defende Pedro Carcereri. “As crianças, o que elas vão comer? Me preocupa isso, porque comemos cada vez pior”, acrescenta ele, pai da pequena Madalena, que chegou em 2018, próximo do do ponto final de “Sob o Trópico de Capricórnio”. Uma primeira parte, no entanto, estava escrita quando a editora que publicou a primeira edição da Coleção Feminismos Plurais de Djamila Ribeiro abriu uma chamada para originais. Este ano, ele se volta para o cinema e espera concluir um projeto para inscrever na Lei Murilo Mendes, cujo edital foi prometido pela PJF para agosto de 2019. “O tempo todo, tento ter várias linguagens. Fazer arte é se adaptar ao mundo. E se o mundo muda, a forma como você lida com ele também deve mudar. Às vezes, tento escrever de uma forma mais literária, mas tem uma linguagem muito cinematográfica, no visual, no ritmo. É tipo um road book, porque as coisas vão acontecendo numa sequência ao longo de uma estrada”, aponta ele, justificando a atuação múltipla, que o permite atuar com publicidade, cinema, artes visuais e, agora, literatura. “Preciso me expressar. Tento ser o mais plural e focar num bom relacionamento com as pessoas e com o mundo”, garante, acrescentando, ainda, evitar alimentos industrializados. “Acredito que a gente consegue mudar as coisas com micropolíticas.”

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Estrada no cinema

Pedro Carcereri atua nas micropolíticas, na poesia que transforma a partir do íntimo, mas também na macropolítica, que ainda acredita nas mudanças externas. Suplente da cadeira de audiovisual no Conselho Municipal de Cultura (Concult), ele se tornou, nos últimos anos, um dos principais agitadores da cena local. Quando não está, ele próprio, criando, está ajudando os colegas a criarem. “Maria Cachoeira”, seu primeiro curta-metragem ficcional, de 2017, foi selecionado para o Cine Ceará e outros festivais. Foi exibido até na Macedônia. “Último toque”, média-metragem documental de 2018, dirigido em parceria com Luciano de Azevedo, foi exibido no Festiva Primeiro Plano, mas circulou pouco. “Ficou um filme meio ensaio, um exercício de linguagem bem doido. Daí comecei a me interessar pela questão do trabalho, da representação, de como as pessoas estão ligadas a trabalhos específicos e como isso se passa de pai para filho”, observa ele, que na produção mais recente registrou o cotidiano de uma família de Mar de Espanha, proprietária de uma funerária.

No ano passado, Pedro também participou do projeto Confluências, do Sesc, que em sua primeira etapa realiza fóruns presenciais, com longos encontros, e em seguida, fomenta iniciativas como catálogos, seminários e residências artísticas, aplicando conceitos dos diagnósticos extraídos dos debates. Pedro foi um dos 20 agentes culturais selecionados em Minas Gerais, o único representante de Juiz de Fora. Viajou algumas vezes a Belo Horizonte, onde o grupo se reuniu. E ajudou a idealizar uma proposta, “Terra que se mexe”, com intercâmbio de artistas e gestores pelo estado. “Até hoje, o Sesc não respondeu a essa proposta. Não rolou ainda e não sei se vai rolar. Estamos nos movimentando para que ele aconteça de uma forma independente”, conta ele, cujo mestrado no Instituto de Artes e Design da UFJF resultou no trabalho “Puzzle-films e narrativas não-lineares no cinema fantástico: Um estudo de caso de ‘Abre los Ojos’ e ‘Yella'”, filmes europeus que retratam a morte e a suspensão pós-morte”.

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No doutorado, planeja estudar os filmes da Juliana Rojas e Marco Dutra – “Trabalhar cansa” e “As boas maneiras” – e do Adirley Queirós – “Branco sai, preto fica” e “Era uma vez Brasília”. Os filmes, por sua vez, carregam semelhanças com a obra literária de Pedro, ainda sem data de lançamento em Juiz de Fora. Como nas películas elogiadas consideradas relevantes expressões da produção brasileira contemporânea, Pedro faz crítica e alarde, joga luzes sobre questões fundadoras de um país, como é a relação com a terra, com as origens. “Quero estudar as questões do trabalho, da alimentação, do social no cinema de gênero. Estava lendo muito Hannah Arendt, David Harvey e a questão do neoliberalismo, a representação do trabalho, e também quero debater questões de classe, gênero e raça e como isso implica numa série de representações na arte”, conta o multiartista em sua multipolítica.

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