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Documentário resgata personagens históricos do samba de JF e nova geração

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“Vai manter a tradição – O samba em Juiz de Fora” reverencia desfiles antigas na cidade, com imagens do acervo do portal O Estandarte. (Reprodução)
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Quando chegou à casa de Flavinho da Juventude, logo ouviu: “Não canto mais, não quero saber de samba”. Conversa vai, conversa vem, Carlos Fernando Cunha, diante das câmeras que gravavam sua entrevista com o bamba, começou a entoar “Zumbi, rei negro dos Palmares”. O sambista veterano, que carrega a escola do Bairro Furtado de Menezes no nome, acompanhou. Fragilizado e entristecido, Flavinho se rendeu e cantou: “Oia Zumbi Muxicongo. Oia Zumbi. Que todos os deuses do Congo, em coro cuidem de ti”. Para o samba, na verdade, Flavinho nunca disse adeus. Nem haveria de dizer, já que é o próprio samba. Autor do enredo, em parceria com Zezé do Pandeiro e Roberto Medeiros, que deu o tricampeonato para a Juventude Imperial em 1973, ele assina e canta muitos outros estandartes do gênero na cidade. Um dos registros mais emocionantes de “Vai manter a tradição – O samba em Juiz de Fora”, a despretensiosa cantoria de entrevistador e entrevistado, da alegria do encontro à emoção do resgate, é ponto alto do documentário de 95 minutos que Carlos Fernando lança no próximo sábado, 1º de agosto, às 14h, na plataforma do Pólo Audiovisual da Zona da Mata.

Em cena histórica, Flavinho da Juventude canta samba campeão de 1973, “Zumbi – Rei negro dos Palmares”. (Reprodução)

O filme, feito em parceria com a produtora Limonada, de Belo Horizonte, permanecerá por um mês na plataforma mineira e seguirá para o canal por assinatura Prime Box Brazil. No dia de sua estreia, uma bate-papo, com direito a clima de boteco com histórias e batucadas, está programado para 19h, no canal de YouTube do pólo cinematográfico. Historicamente pouco documentado, o samba local tem, agora, seu passado revisitado junto do presente contextualizado. “Essa sempre foi uma perspectiva política, até, do Ponto do Samba, de privilegiar esses sujeitos que estão à margem do processo, pessoas que sempre foram importantíssimas para o movimento do samba em Juiz de Fora. Falar do Bacharéis (do Samba), do Flavinho (da Juventude), de Zezé do Pandeiro, de Mamão e de muitos outros é falar das nossas raízes. Como diz o Nelson Sargento: sem as raízes não conseguimos sustentar o tronco, muito menos os galhos, com as folhas e flores que frutificam”, explica o diretor Carlos Fernando Cunha.

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Professor da Faculdade de Educação Física da UFJF, onde se ancora o projeto de extensão do Ponto de Samba, financiado com recursos de emenda parlamentar da deputada federal Margarida Salomão, Carlos Fernando também é cria dessa tradição. Nascido no Rio Janeiro, em Juiz de Fora se fez sambista, pesquisador da memória do gênero e, agora, cineasta. O filme é seu muito obrigado. Reverência tanto aos que calçaram a estrada quanto aos novos, como Roger Resende e Juliana Stanzani, idealizadores do Ponto de Samba. “Por vezes a gente se pega tão pessimista, por todas as questões que vivemos atualmente, mas quando a gente ouve a juventude dá um alívio danado. Por isso o nome do documentário é ‘Vai manter a tradição’. O samba não morre, não vai morrer, não tem jeito. Essa tradição do samba em Juiz de Fora é muito forte. A gente que está aqui, muitas vezes, não tem essa noção. Eu, que sou carioca e vim para cá (pela primeira vez em 1998), tenho essa visão”, celebra o pesquisador, que espera disponibilizar na íntegra as entrevistas com cada um dos seus 26 personagens. As gravações irão compor o banco de depoimentos orais de um site ainda a ser lançado, criado pelo Núcleo de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer da UFJF.

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Professor da Faculdade de Educação Física, sambista e pesquisador, Carlos Fernando Cunha faz sua estreia na direção audiovisual. (Reprodução)

Ah, que samba bom!

O Rio de Janeiro, por muitos anos capital política, econômica e cultural do país, é uma influência não só em Juiz de Fora, mas em todo o Brasil. Do futebol à música, explica Carlos Fernando Cunha. Juiz de Fora, no entanto, tem sua singularidade nessa tradição de pandeiro e tamborim. “Ela é rica do ponto de vista harmônico, melódico e poético. Ela é muito variada e não se restringe a um ou dois artistas. A produção do samba aqui não é só o Mamão, que é o artista que se projetou por conta da música ‘Tristeza pé no chão’ que a Clara (Nunes) gravou na década de 1970. Ele mesmo tem uma obra maravilhosa ainda pouco conhecida”, indica o sambista e pesquisador sobre o autor da melancólica “Não vou dizer adeus”, de versos tão poéticos quanto imagéticos: “Quando despontar um novo dia, você vai ver a distância que existe entre nós. Eu e meu pandeiro, em pleno fevereiro, fazendo da avenida um terreiro pra sambar. Você vai chorar, sozinha no meio do povo a me procurar. Então, eu vou cantar, aqui é o meu lugar”.

Pesquisador da história do samba local, Márcio Gomes é um dos entrevistados do documentário e exibe alguns de seus vinis, como o fundamental “Samba é povo”, de José Carlos de Lery Guimarães. (Reprodução)

É singular a construção do samba de Juiz de Fora, defende Carlos Fernando Cunha. “São muitos os sambas que falam do cotidiano da cidade, que usam um palavreado próprio, o panorama local. Alguns sambas produzidos aqui têm uma característica de ter letra triste, tom menor, mas cantado com grande felicidade. Ninguém canta ‘Ah se eu fosse feliz’ ou ‘Tristeza pé no chão’ triste. As pessoas cantam vibrando”, reforça o diretor do documentário que perpassa tais características e mergulha nas críticas política e social, na exaltação à felicidade, no humor e no amor que se mantiveram como temas ontem e hoje. As mulheres, por sua vez, sempre participantes, só agora encontram o protagonismo, como apresenta a narrativa do filme, ao contrapor a experiência de luta de Nely Gonçalves e a vivência de Alessandra Crispin com suas formações integralmente femininas. Num Cine-Theatro Central, a cantora reconhecida nacionalmente entoa com seu cavaquinho: “Malandro, pilantra, me larga na porta de casa e foge pro samba. Pensou que a notícia não ia chegar em casa, as miga do samba me deixam informada. O tempo fechou, te espero acordada. E não venha de caô, de momô pro meu lado, que eu vou te expulsar dessa vez do barraco. Eu não sou barranco pra homem encostado”.

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O racismo, debatido amplamente nos dias que correm, sempre esteve na ponta da língua e nas palmas das mãos. Régis da Vila é prova. E com uma blusa com a inscrição “Samba não dá voto, mas derruba gigante”, Régis entoa: “Seu doutor, eu não acho isso legal, porque numa blitz só crioulo é que leva geral. Se não estiver em dia com a documentação, o coitado é humilhado e jogado no camburão. Na delegacia ele nunca tem vez, depois de entrar na borracha, é jogado no xadrez. Olha aí seu doutor! Seu doutor, eu não acho isso legal, porque numa blitz só criolo que leva geral. O pobre do negro vai ter que rezar forte, estão querendo implantar no Brasil a pena de morte. Meu Deus do céu, aí o bicho vai pegar, porque na cadeira da morte, só criolo e pobre vai sentar”. Vai mesmo manter a tradição de combate ao racismo, expressa na década de 1970 num enredo em homenagem a Zumbi e hoje narrada numa composição retirada das manchetes dos jornais.

Nome da nova geração da cena local, Roger Resende é um dos responsáveis pelo diálogo entre velha e nova guarda do samba na cidade. (Reprodução)

Olha o samba aí, gente!

Antes bastante ligado às escolas de samba e aos morros da periferia, o samba de Juiz de Fora, como mostra o documentário, ampliou seu território. O enfraquecimento e a desarticulação das agremiações e de suas quadras propiciaram o surgimento de nomes em outros cantos. Para Carlos Fernando Cunha, o fenômeno mostra a força do próprio gênero, que conseguiu romper os limites das instituições e se garantir à revelia da decadência desses espaços. “Filho de uma escola, a Vila Isabel, no Rio de Janeiro, considero as escolas de samba, ainda, o principal celeiro do samba. Não existe nada, em termos de formação de um sambista, do que o terreiro de uma escola”, adverte. Segundo ele, projetos surgidos em anos recentes na cidade, como a roda didática de choro desenvolvida pelo clarinetista Caetano Brasil e o Bloco Guerreiras de Clara, formado só por mulheres – além do Batuque na Roda, de Fabrícia Valle, a oficina Paticumbum, do Ponto de Samba, e a Oficina de Ritmos Brasileiros do Parangolé Valvulado –  mostram a revitalização de uma cena que nunca esteve em silêncio. “Estamos num momento de passagem do bastão.”

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No palco do maior teatro da cidade, o Central, Alessandra Crispin dá voz ao samba numa das mais belas cenas do documentário, confirmando o título da produção: “Vai manter a tradição” (Reprodução)

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