Para muitas pessoas, a espiritualidade está diretamente ligada à sua forma de interpretar o mundo. O propósito da vida, as dificuldades encontradas e a morte estão entre os questionamentos que encontram sentido na fé. Para os especialistas, crer em algo que transcende pode ser o antídoto para que a humanidade atravesse com segurança a pandemia da Covid-19.
Segundo o professor de psiquiatra da UFJF e coordenador da sessão de Espiritualidade da Associação Mundial de Psiquiatria, Alexander Moreira-Almeida, há muitos estudos que investigam o impacto da espiritualidade sobre a saúde. Em linhas gerais, os resultados mostram que quanto maior o nível de envolvimento religioso, menores são os níveis de depressão, índices de suicídio, problemas com álcool e outras drogas, maior qualidade de vida e menor mortalidade geral.
“Não sabemos exatamente porque, mas uma hipótese provável é de que o indivíduo mais religioso tende a ter um pensamento mais saudável, cuidando mais do corpo como um presente de Deus, por exemplo. A religião enfatiza o vínculo social, o indivíduo passa a se preocupar mais com os outros e não pensar só em si mesmo. Também sabemos que ter um sentido para a vida está mais associado à saúde e ao bem-estar. Outros mecanismos que podem ter efeitos benéficos à saúde são as práticas religiosas de oração, meditação e jejum”, observa o psiquiatra, ressaltando que a religiosidade também está associada ao equilíbrio imunológico.
Para o especialista, a pandemia vivida por todo o mundo atualmente chama a atenção das pessoas como um lembrete da mortalidade. “Percebemos que não estamos no controle das coisas, desperta para o aspecto da transitoriedade do mundo material, e essa é uma mensagem geral das religiões. E ao trabalhar com o propósito existencial, a vida imaterial e de que existe algo além, a religião pode trazer serenidade para essa situação. Do ponto de vista saudável da religião, há a ideia de que faço o melhor que posso e o resto está nas mãos de Deus.
O médico ressalta, porém, para o risco de alguns comportamentos religiosos não apropriados. “É o uso inadequado da religião de que ‘não preciso fazer nada, Deus me protege'”, observa o psiquiatra, relembrando o culto religioso na Coreia do Sul que, ao aglomerar fiéis no mesmo ambiente que uma pessoa infectada, espalhou o vírus para a comunidade presente. “Embora a maioria esteja colaborando, houve esse episódio em que não foi trabalhada a parceria com Deus, deixaram só na mão dele.”
Uma nova proximidade
Segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF, Faustino Teixeira, o fato de as pessoas orarem e buscarem por seus templos quando enfrentam algum problema se deve ao “poder” que a religiosidade tem para superar dificuldades. Ele ressalta, ainda, que aqueles que estão ligados a uma comunidade de fé ou a uma vida espiritual conseguem lidar com as questões-limite com mais tranquilidade e serenidade.
Para ele, o isolamento social forçado – medida adotada pelo Poder Público na tentativa de reduzir o avanço do novo coronavírus, inclusive em Juiz de Fora – é duro para muitas pessoas. Com isso, é necessário que sejam reforçados os laços de amizade, ainda que por telefone ou internet. “São momentos muito difíceis e nem todos estão preparados para lidar com essa crise com o equilíbrio necessário. Saber que estamos envolvidos por amizade forte é fundamental nessas circunstâncias. São pequenos gestos que falam por si e que garantem a alegria de um sorriso em tempos sombrios”, reflete. E é essa virtude do acolhimento que deve ser exercida pelas religiões, sobretudo daqueles que mais necessitam, ressaltadas por Teixeira como sendo os “carentes de terra e de teto”.
“Os guias espirituais devem deixar-se habitar por essa solidariedade e capacidade de hospitalidade, buscando a todo custo manter viva a esperança, apesar de tudo. Os momentos de isolamento são essenciais para rever nossa posição no mundo e também colocar nossa vida em seu devido lugar, longe das arrogâncias e autossuficiências. São momentos geradores ou propiciadores de humildade”, diz, relembrando a fala do Papa Francisco a um jornal italiano em que sublinhou a importância de descobrirmos “uma nova proximidade”, pontuada pela atenção, cuidado e paciência.