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A longa luta pelos curtas

Miguel Freire, Adriana Carneiro e Sérgio Santeiro, considerado um dos maiores nomes do cinema independente brasileiro
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Miguel Freire, Adriana Carneiro e Sérgio Santeiro, considerado um dos maiores nomes do cinema independente brasileiro

Sérgio Santeiro é de 18 filmes, todos em curta-metragem. “Paixão”, sua estreia, é 1966 e tem apenas nove minutos. “Antigamente”, o mais recente, foi lançado em 2011, com seis minutos. “doc.Santeiro”, obra que reverencia sua trajetória profissional e de vida, não coube em um curta. O documentário recém-lançado, de autoria de Miguel Freire, tem pouco mais de 70 minutos, menos de um terço de toda a filmografia do cineasta carioca, radicado em Niterói. “Foram longos depoimentos dos quais o Miguel, com seus estudantes, escolheram o que ficou. Fiquei especialmente satisfeito com o apuro formal da fotografia à edição, passando pela música. Sou formalista”, conta Santeiro. Considerado um dos maiores nomes do cinema independente brasileiro, o diretor não apenas esteve do lado de trás das câmeras, como na frente, atuando como ator nos filmes “Aporias conjuminadas”, de Vinicius Bandera, e “Elvis e Madona”, de Marcelo Laffitte, entre outros.

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“Como cineasta, retrato os outros, e como faço isso há muito tempo, sinto-me à vontade. Como professor desde 1975 (da Universidade Federal Fluminense), estou acostumado a falar, mas sobre si mesmo é sempre curioso”, diz ele, que esteve em Juiz de Fora na última semana, ao lado de Freire e da diretora de produção Adriana Carneiro para apresentar o documentário de sua vida. “Acredito que a história do Sergio se mistura à história do cinema brasileiro independente. A qualidade da produção filmográfica dele é excelente. Ele é o curta-metragista mais importante do Brasil contemporâneo. Sua trajetória de participação na formatação de uma política de filmes independentes no país é fundamental. Ele é uma figura capaz de opinar com muita destreza sobre os assuntos culturais”, aponta Freire, comparando o cineasta à Humberto Mauro, o principal nome do audiovisual na primeira metade do século XX.

Autor de filmes sobre o golpe de 1964 e sobre o pintor Ismael Nery, entre outros temas que investigam o Brasil, Santeiro teve quatro de seus filmes – “O guesa”, “Viagem pelo interior paulista”, “Ismael Nery” e “Encontro com Prestes” – reunidos na série “Brasilianas” da Funarte, lançada recentemente em DVD. Segundo o artista, ainda que se preocupe em falar da terra em que pisa, a posteridade nunca foi um imperativo. “Não penso no depois, sou agnóstico materialista histórico, e se algum legado houver, serão os filmes e os escritos. Testemunhos sinceros do tempo em que vivi, o que pode ser útil amanhã”, comenta. Para Freire, além de uma produção rica, a atuação de Santeiro também ficará, como militância rara em um campo extremamente desprivilegiado.

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Por curtas mais longas

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“Ele deixa muito claro que no Brasil, principalmente nos últimos anos, somos dominados pela exibição de filmes estrangeiros. Em raríssimos momentos, a produção nacional teve espaço. E sempre tivemos bons filmes, mas em pouquíssimos momentos boa resposta de exibição no mercado. Daí a necessidade de desenvolver uma luta para tentar colocar o filme brasileiro no mercado, porque só no mercado ele rende os tais lucros e permite a feitura de outros. É um processo de continuidade, que só viria pela resposta de mercado, seja pelas salas de cinema, seja pela tela de televisão”, analisa Miguel Freire, que também leciona no Departamento de Cinema e Vídeo da UFF, ao lado de Santeiro, e tornou-se reconhecido como diretor de fotografia.

“Vivemos num mundo capitalista e opressor, que nos exclui deliberadamente porque não fazemos e nem queremos o jogo do sistema. O cinema independente, aquele que é feito por iniciativa de seu realizador, é um grito de liberdade individual que sugere a quem o vê, em qualquer área da vida, também dar o seu brado. A luta é contínua. E quanto mais filmes, maior a possibilidade de influir para melhores dias para todos”, aposta Santeiro, um homem de cabelos grisalhos e longos.

Em uma cidade que privilegia o curta-metragem, principal formato do maior festival local, o Primeiro Plano, que começa no próximo dia 8 de dezembro, o discurso de Santeiro pode ser mais fácil de ser compreendido. De fato, é no curta, longe das altas cifras, que o realizador se mostra mais afastado dos ditames da indústria cinematográfica. Militante bravo, Santeiro foi um dos maiores defensores da Lei do Curta, de 1975, que trata da exibição em salas de cinema nacionais, política que ainda hoje carece de regulamentação, enfraquecida com a derrocada do audiovisual no início dos anos 1990.

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“Em termos de cinema, reúnam todos os recursos públicos diretos e indiretos na Secretaria do Audiovisual e, ao invés de ‘é-de-tais’ (editais) com projetos de papel, que se adquira, por igual valor, os direitos de exibição de filmes prontos – longo ou curta – para serem distribuídos nas telas, telinhas e telonas”, propõe Santeiro, sugerindo prioridade à produção nacional.

E o longa-metragem, Santeiro?! “Como todo mundo, até tive projetos de longa que não consegui viabilizar. Não me faz falta. O problema do curta é que a exibição é ainda mais difícil sobretudo pelo descumprimento da lei pelos governos, o que nos deixa sem retorno de público. Fora isto, o curta é a forma mais democrática de cinema. Qualquer um pode fazer, e se for ruim, pelo menos dura pouco e aborrece menos o espectador”, brinca. “Considero-me feliz pela vida que tive e pelo que pude fazer. A gente faz pouco mas faz o que pode. Fiz quase tudo que queria fazer. E ainda farei”, conclui o homem, que de minuto em minuto construiu uma longa trajetória.

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