Ícone do site Tribuna de Minas

Cineasta paulista, Marcos Yoshi, estreia seu filme “Bem-vindos de novo” no festival Primeiro Plano

marcos yoshi
Marcos Yoshi vem, pela primeira vez, a Juiz de Fora estreando seu primeiro longa-metragem e oferecendo uma oficina de realização audiovisual no Primeiro Plano (Foto: Divulgação)
PUBLICIDADE

Dois filmes-irmãos separados por mais de dez anos, em uma mesma sessão. Nesta quinta-feira (26), o Primeiro Plano, a partir das 21h, exibe o curta “Quando o céu desce ao chão” e o longa “Bem-vindos de novo”, de Marcos Yoshi, no Teatro Paschoal Carlos Magno. “Vai ser interessante assistir a esses dois filmes seguidos, dessa forma”, confessa o cineasta paulista. Em 2021, ele estreou esse seu primeiro curta no festival. No entanto, não conseguiu vir, na época. Mas, agora, pela primeira vez, vem a Juiz de Fora estreando, então, seu primeiro longa e oferecendo, também pelo festival, a Oficina de Realização Audiovisual: Arquivo, Memória e Fabulação.

Marcos sempre quis ser artista. Mas, para ele, ainda criança, o artista era aquele que ficava em um ateliê, pintando. Muito por falta de referências. Ele diz que, apesar de ser interessado, não sabia desenhar. Até tentou, mas abandonou. Surgiu, então, a fotografia. “Na hora, eu pensei: vou para esse negócio em que as imagens já saem prontas”, brinca, relembrando a época. No interior de São Paulo, na cidade de Jales, ainda, foi experimentando a fotografia durante o ensino médio. Na hora de escolher a faculdade, pensou que o cinema era o que mais tinha a ver com o artista que ele queria ser. “Apesar de, na época, não saber quase nada sobre.” Na primeira tentativa, não passou na faculdade. Foi para a Ciências Sociais, em que ficou durante um ano. Depois disso, decidiu morar no Japão, onde ficou por mais dois anos. Na volta, decidiu que era o cinema mesmo. Em 2007, passou na Escola de Comunicações e Artes (Eca), da Universidade de São Paulo (USP).

PUBLICIDADE
“Quando o céu desce ao chão”, curta de 2012, conta a história de Sofia e suas dúvidas existenciais (Foto: Divulgação)

Os filmes, principalmente fruto de experimentações na faculdade, foram surgindo. E foi depois que surgiu o “Quando o céu desce ao chão”, de 2012, curta sobre a Sofia: mulher de 1,67m, cabelos curtos, fumante, com tatuagens e dúvidas existenciais. Lá de São Paulo, descobriu o Primeiro Plano e que o festival tinha foco nas primeiras realizações. Inscreveu-se. Deu certo. Onze anos depois, volta com um longa, que demorou cinco anos para ser realizado, porque é um longa e porque envolveu uma série de pesquisas sobretudo autobiográficas. São dois filmes bem diferentes, em diversos aspectos. Mas, de alguma forma, parecidos. “Eu identifico algumas questões em que eles dialogam, o interesse por uma certa relação cotidiana com a vida”, afirma o cineasta, afinal são mesmo os desdobramentos de sua carreira: o primeiro e o de agora e tudo o que aconteceu nesse meio, sobretudo a sua percepção enquanto descendente de japoneses.

PUBLICIDADE

“Eu acho que minha carreira tomou um novo rumo. Um rumo que eu continuo ainda nele, que tem a ver com essa representação amarela, nipo-descendente.” Isso porque, em 2015, Marcos começou a pesquisar a própria família e suas histórias para realizar o “Bem-vindos de novo”: filme que tem como foco a dinâmica da ida de seus pais para o Japão, onde ficaram por 13 anos, até retornarem e tudo o que esse retorno impacta nas relações entre eles. Desde esse mergulho nas questões sobre a imigração japonesa, Marcos tem se voltado para esse universo. Antes do longa, inclusive, fez um curta, com sua avó, que ficou responsável por sua criação desde a ida de seus pais ao Japão.

Em 2015, Marcos começou a pesquisar a própria família e suas histórias para realizar o “Bem-vindos de novo” (Foto: Divulgação)

Dinâmicas familiares

Cutucar em uma ferida da própria família, na verdade, surgiu quando Marcos ouviu relatos de outras famílias, também descendentes. A ideia inicial não era um filme autobiográfico. “Durante o projeto de pesquisa, conversando com outras famílias, sempre que eu encontrava com eles eu percebia que conversavam sobre os assuntos, sobre quem foi para o Japão, o que pensava, qual tipo de pensamento teve, quem ficou também. E era a primeira vez que as famílias estavam falando a respeito disso. Era bastante catártico, emotivo, esses encontros. E me dei conta que ia precisar de muita intimidade para poder mergulhar no assunto. E me dei conta que a minha família também não tinha conversado a respeito de nada disso. E pensei que seria interessante fazer sobre a minha família mesmo.”

PUBLICIDADE

Dessa forma, começou esse processo de pensar no filme em si. E eram encontros marcados. O filme, de acordo com Marcos, é também baseado na rotina de seus pais. Tem outras temporalidades, memórias registradas em vídeos e fotos que ele recupera. Para gravar, ele se adequava à rotina deles e, em um tempo livre, propunha alguma dinâmica. “A gente montava tudo, ligava os microfones, posicionava e gravava. Tinha um ritual. Eu propunha alguns assuntos. Algumas coisas, por exemplo, eu sabia que minha irmã não sabia da história toda. Eu trazia isso à tona. Era uma forma de comunicar para ela e ao mesmo tempo era um momento do filme, para a história em si.”

Até os assuntos mais difíceis eram tocados. E muito por causa do filme. “O filme serviu de mediação para conseguir propor algumas coisas que, na vida cotidiana, não são tão simples. Tinha isso: vamos falar sobre isso, que é difícil, mas é pelo filme. Nessa, a gente se permitia falar as coisas.” Outro processo trabalhoso foi o da montagem: transformar cinco anos em um filme de 105 minutos. Ele precisava dar conta do que foi e do que aconteceu durante esse tempo de filmagem também. Afinal, são cinco anos. “E isso sempre foi de perguntar, na montagem, o que ia selecionar para fazer com que a curva do filme acontecesse, a trama dos personagens se configurasse. Era um papel bem narrativo, em certo sentido, em termos de seleção do que incluir e deixar de fora.” Além das imagens, ele precisava passar a emoção que a família, que vira personagem, sente.

PUBLICIDADE

Marcos conta que, lançado o filme, seus pais, no começo, agiam como se não fossem principais na realização. Isso mudou quando ele foi chegando cada vez mais a mais nas pessoas. “Teve um engajamento forte da comunidade nipo-brasileira, principalmente em São Paulo e no Paraná, onde tem as maiores comunidades. A partir disso, eles entenderam essa dimensão pública do filme e começaram a incorporar também, tomar conta, e falar que fez o filme, que eles estavam ali.” Até amigos que o casal não via há tempos apareceram e quiseram retomar o contato.

Além dessa relação, teve um sentimento de dizer, de fato, o que foi e isso ser quase como um livramento: “O filme pode ser bastante cruel em um certo sentido, porque as coisas dão errado. Mas por outro lado tem isso de tornar, mesmo que seja a tentativa fracassada, visível, uma experiência compartilhada. E isso tira o peso da ideia de fracasso que tem lá. Nesse ponto, acho que foi bom para eles. De entenderam isso: o que foi vivido é isso, fracassa, mas tem a história”.

Como ficou imerso na produção por cinco anos e já se passaram oito desde o começo, Marcos, às vezes, olha o filme distante. Ele conta que tem gente que chega a ele e parabeniza pela coragem de se expor dessa forma, no cinema. “Mas isso se naturalizou muito em mim. Acaba que eu acho normal, hoje em dia. Mas tem, sim, uma coragem.” O que mudou, também, foi um reconhecimento nipo-brasileiro que Marcos passou a entender que era, até então, escasso. “Foi um processo de muito reconhecimento, de outras pessoas principalmente nipo-brasileiras que falaram que nunca se identificaram tanto em uma situação de um filme até hoje. Falaram que foi o filme que mais se identificaram na vida. Então, eu senti que tinha de fato isso de dar uma sangrada em público, mas em prol desse reconhecimento e dessa identificação que acabaram sendo coletivas, das pessoas que, no fundo, talvez nem soubessem que queriam se ver no cinema, em uma situação que fez parte da vida delas e tal. É bem doido.”

PUBLICIDADE

Leia mais sobre cultura aqui

Triplamente animado

No fundo, além de resolver questões e até se conhecer melhor, o filme ainda amadureceu Marcos. Ainda mais vendo seu primeiro curta e seu longa, o que deixa esse processo ainda mais nítido. “Teve uma guinada. Em termos de carreira cinematográfica, foi importante para entender quais filmes eu quero fazer. Porque dá trabalho e tem que escolher muito bem”, ri. Além de ter a oportunidade de ver os dois filmes na mesma sessão, Marcos se mostra animado para ministrar a oficina que apresenta o arquivo como um disparador criativo para lidar com várias questões, sejam elas pessoais ou até sociais, a partir das memórias. “Acho que é a gente conseguir pensar em processos de realização, em última instância, baseado nessa ideia do arquivo”, resume. Ele está ainda empolgado por, finalmente, conhecer Juiz de Fora e estar em Minas Gerais, seu estado favorito, apesar de ser paulista. É o melhor porque junta duas coisas de que gosta: a comida mineiramente temperada e as montanhas onipresentes no estado todo.

 

PUBLICIDADE

 

Sair da versão mobile