A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) conduz até 5 de agosto uma consulta pública para efetivar o Morro do Cristo como monumento natural. O Executivo defende a integração da gestão ambiental do patrimônio às áreas de cultura, desenvolvimento econômico, esporte e lazer, pesquisa e, sobretudo, turismo. Embora as “vertentes setentrional e oriental” do ponto turístico já sejam tombadas pelo Município desde 1990 – Decreto 4.312 -, a proposta da Administração Municipal ampliaria o espaço protegido em aproximadamente 19 hectares, correspondentes à área localizada no Bairro Vale do Ipê. A área iria dos atuais cerca de 82 hectares para quase 101. Entretanto, a gestão do Morro do Cristo enquanto ponto turístico apresenta gargalos, como o estado precário da Trilha do Tostão e do edifício da antiga TV Industrial, localizado próximo ao mirante, bem como a instabilidade de blocos rochosos.
O monumento natural é uma das categorias de unidade de proteção integral previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – Lei 9.985/2000 – e tem como objetivo básico “preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica”. Atualmente, o Morro do Cristo é classificado como uma área ambiental tombada, ou seja, protegida por lei, mas sem uma categoria de manejo específica. O município tem outras áreas verdes já enquadradas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, mas não categorizadas como monumentos naturais. O Poço D’Anta e a Fazenda Santa Cândida, por exemplo, são reservas biológicas. A Mata do Krambeck, por sua vez, é denominada área de proteção ambiental, e o Vale de Salvaterra, reserva particular do patrimônio natural.
A secretária de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas, Aline Junqueira, argumenta que a efetivação do Morro do Cristo como monumento natural permitirá que o município designe compensações por supressão de árvores para a área. “Hoje em dia, quando a gente tem em Juiz de Fora algum projeto de loteamento em que pode haver árvores ou determinado trecho da Mata Atlântica suprimidos, há medidas de compensação”, explica. “Mas atualmente não podemos nem destinar compensação ao Morro do Cristo justamente porque, apesar de ser tombado pelo município, não é uma unidade de conservação.” Além disso, o processo permitiria à PJF aumentar a arrecadação do ICMS Ecológico junto ao Estado de Minas Gerais, defende Aline. “O repasse ao município em 2020 foi de R$ 9 mil, um desempenho irrisório frente ao potencial da cidade, e só poderá melhorar com a gestão ambiental adequada das unidades de conservação.”
A intenção do Executivo, conforme a secretária, é promover visitações a espaços como o Morro do Cristo e o Poço D’Anta, assim como já ocorre no Parque da Lajinha. No entanto, a visitação a unidades de conservação é condicionada à elaboração de um plano de manejo. “Nós precisamos refazer o plano de manejo do Parque da Lajinha e atualizar o do Poço D’Antas. E o do Morro do Cristo precisa ser feito. Já colocamos no Plano Plurianual.”
Audiência pública
De acordo com o regramento do Sistema Nacional de Unidade de Conservação, a consulta pública é uma etapa obrigatória para a criação de uma unidade de conservação. Após o fim da consulta pública, a PJF levará a efetivação do Morro do Cristo como monumento natural para ser discutida em uma audiência pública na Câmara Municipal de Juiz de Fora – ainda sem data para ocorrer. A Sesmaur, então, deverá consolidar uma proposta para ser encaminhada à Secretaria de Governo. A oficialização do espaço como monumento natural caberá à prefeita Margarida Salomão (PT) por meio de decreto.
‘Não basta apenas criar uma unidade de conservação’
O biólogo Daniel Salgado Pifano defende a criação de uma unidade de conservação no Morro do Cristo, o que, ressalta, já deveria ter acontecido, aliás. “É algo bem-vindo e salutar”, afirma o professor do Colegiado de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Vale São Francisco (Univas). “O Morro do Cristo é um fragmento muito acessado. Por exemplo, o lado da UFJF é muito acessado pelos moradores da Cidade Alta. O único que é cercado é aquele da Estrada Engenheiro Gentil Forn. Então, há retirada de madeira, extração de plantas ornamentais como orquídeas e bromélias, esconderijo de coisas ilícitas etc.” Conforme Pifano, o cercamento e o fundamento do Morro do Cristo lhe agregarão um enorme valor. “É um monumento turístico associado a um fragmento florestal de importância ímpar em relação à manutenção da biodiversidade.”
A relevância da biodiversidade do Morro do Cristo – um fragmento da Mata Atlântica – foi atestada pelo pesquisador ainda durante a graduação na UFJF. Na época, Pifano fez um levantamento florístico na área, “uma espécie de checklist de espécies vegetais”, estudo publicado em 2007. “Cataloguei só aquelas espécies que têm frutos e flores. Conseguimos 375 espécies. Dessas, uma foi considerada a primeira ocorrência no Brasil (Cissampelus verticillata Rhodes) e outra, em Minas Gerais (Heteropterys pauciflora A. Juss).” Como é localizado no Centro, o Morro do Cristo funciona como uma fonte de propago e uma ilha de dispersão, aponta Pifano. “Muitas aves, por exemplo, voam de um fragmento para o outro, como da Mata do Krambeck, do Parque da Lajinha, da Mata do Floresta e do Poço D’Antas para lá, e, dali, vão para outros lugares. Neste caminho, elas acabam dispersando as sementes em um lugar ou outro, o que auxilia na recuperação da floresta.”
Embora concorde que a transformação do Morro do Cristo em um monumento natural seja uma forma de protegê-lo, o geólogo Geraldo César Rocha alerta justamente para outras unidades de conservação “praticamente abandonadas” em Juiz de Fora, como as reservas biológicas de Poço D’Anta e Santa Cândida, bem como o Parque de Torreões – o município mantém negociações para adquiri-lo. “Exceto o Parque da Lajinha, que tem uma estrutura mínima de funcionamento, outras áreas estão abandonadas. Não adianta simplesmente transformar (uma área) em uma unidade de conservação e deixar lá abandonada. Acho que é precoce oficializar mais uma área como unidade de conservação, inclusive abrindo para visitação”, questiona o professor do Departamento de Geociências da UFJF.
Aline Junqueira endossa que “uma unidade de conservação não pode ser apenas um cercadinho”. “Uma unidade de conservação precisa ter um conselho gestor. Então, cada vez que avançamos, temos mais capacidade de arrecadação. É este o nosso desafio.” Questionada se o município teria quadro de servidores para gerenciar as unidades de conservação, Aline afirma que não. “Mas podemos trabalhar com terceirizados”, acrescenta. “Além disso, podemos fazer parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – o que a gente já tem feito. Pensamos também em abrir um programa de voluntários.” Conforme a secretária, em cidades em que as unidades de conservação são fortes, há relações sólidas entre os órgãos responsáveis por administrá-las e ONGs. “Acho que a gente precisa fortalecer esse tipo de relação.”
Baixa estabilidade de rochas
Além de apontar o estado de abandono das demais unidades de conservação, o geólogo Geraldo César Rocha ressalta a necessidade de intervenções indispensáveis no Morro do Cristo, como a contenção de blocos rochosos instáveis, a gestão de resíduos sólidos e a prevenção a incêndios. Ainda em 2005, o pesquisador fez um mapeamento da área urbana do entorno do Morro do Cristo, das áreas de risco a movimentos de massa. “Desde aquela época, o Morro do Cristo é classificado como uma área de alto risco a movimentos de massa. O que significa isso? É uma área bem declivosa e, basicamente, rochosa. Mas as rochas estão muito fraturadas. Então, vários blocos ali têm alto risco de movimentação. Muitos deles estão em baixíssima estabilidade. Podem rolar a qualquer momento.” A instabilidade das rochas, complementa Rocha, é um processo geológico natural em razão do relevo acentuado e de altas temperaturas e chuvas.
Embora haja uma contenção de concreto vista “a olho nu”, a intervenção está degradada, acrescenta o professor. “Os blocos têm rolado e atingido a base da encosta nos bairros Paineiras e Santa Helena.” De acordo com Rocha, há duas formas de contenção dos blocos: estruturais e não estruturais. “A contenção estrutural é aquela com obras de engenharia, como já há em alguns pontos no Morro do Cristo, mas degradada. O único problema da contenção estrutural é que ela ‘enfeia’ o local e o Morro do Cristo é um cartão postal de Juiz de Fora”, pontua. “Além disso, há a contenção vegetal, ou seja, plantar vegetações na base dos blocos para contê-los.” Contudo, neste caso, é necessário haver o monitoramento constante em razão de eventuais incêndios. “O incêndio pode consumir a vegetação, diminuir a contenção, e os blocos podem vir a rolar.”
Aline afirma que o Executivo tem ciência do diagnóstico de alto risco. “A Defesa Civil já fez uma visita ao local. Temos um grupo de trabalho formado pela Defesa Civil e pela Sesmaur”, assinala. De acordo com ela, há trechos do Morro do Cristo totalmente fechados justamente devido ao risco. “Fechamos uma parte, por exemplo, no alto da Rua Halfeld. Já tem havido reuniões entre o Departamento de Educação Ambiental e Proteção dos Recursos Naturais, a Subsecretaria de Assuntos Ambientais e Urbanos e a Defesa Civil para elaborar planos para termos o dinheiro e fazermos as ações de contenção.” A secretária pondera que o Executivo precisa de um plano de manejo para saber se a intervenção mais adequada é a contenção estrutural ou vegetal.
Falta manutenção
A Trilha do Tostão, que dá acesso ao Morro do Cristo pela Rua Constantino Paleta, no Centro da cidade, e o prédio da antiga TV Industrial – cujas fachada e a volumetria foram tombadas em março de 2019 – enfrentam problemas de conservação. Em visita à Trilha do Tostão, muito usada por famílias e até escolas em excursões no passado, a Tribuna registrou resíduos sólidos descartados, bem como mato alto logo na início do acesso. De acordo com uma moradora da área residencial próxima à Rua Constantino Paleta, a Trilha do Tostão é frequentada por usuários de drogas ainda que receba diariamente ecoturistas.
Aline Junqueira informa que o mau estado de conservação da Trilha do Tostão é um dos principais temas abordados pelos cidadãos na consulta pública aberta pela PJF. “Muitas pessoas destacam a necessidade de segurança e manutenção – e elas têm razão – tanto na subida das trilhas quanto nas vias de acesso ao Morro do Cristo. O maior destaque nas opiniões é exatamente a busca de um trabalho conjunto para tornar o espaço seguro, limpo, para ter uma diversidade de uso, tanto lá em cima (no Mirante) quanto do monumento em si.” Aliás, conforme ela, até a última terça-feira (20), 526 pessoas fizeram sugestões por meio do instrumento.
A secretária acrescenta que, recentemente, antes da última manutenção realizada pela Empresa Municipal de Pavimentação e Urbanização (Empav), subiu a Trilha do Tostão. “Observei que lixo tem mais no início do percurso do que no decorrer. Também vi que moradores em situação de rua ocupam logo o início da trilha. Pela consulta pública, as pessoas realmente reivindicam maior segurança.” Questionada se as intervenções na Trilha do Tostão dependem das discussões sobre a efetivação de um monumento natural, Aline afirma: “Estamos incluindo as manutenções periódicas no Plano Plurianual, porque estamos trabalhando neste ano com o orçamento deixado pela administração anterior. Apenas agora estamos colocando tanto os trabalhos da Empav quanto do Demlurb na previsão orçamentária da Sesmaur.”
O edifício da TV Industrial também enfrenta problemas como pintura desgastada, infiltrações em paredes, rachaduras em azulejos, janelas e basculantes quebrados e entulhos no interior. Perguntada se o Executivo tinha o diagnóstico, Aline pontua que o projeto de monumento natural é mais ligado à gestão ambiental. “Porém, a gente trabalha de forma integrada com outras secretarias. Não adianta termos um monumento natural se chegamos ao Mirante e não ter um espaço bonito, organizado e com outros locais de visitação. Então, (o prédio) faz parte do nosso objetivo, mas estamos construindo para apresentar a partir da audiência pública.”