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MPMG apura condução da PJF na nomeação de diretor da Mapro

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odo de nomeação da direção do museu foi o principal assunto da audiência pública realizada nesta quinta-feira (Foto: Fernando Priamo)
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A 8ª Promotoria de Justiça de Juiz de Fora instaurou inquérito civil para investigar eventual descumprimento de cláusula da escritura de doação do parque e do Museu Mariano Procópio ao Município de Juiz de Fora. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apura se a cláusula sexta do documento elaborado por Alfredo Ferreira Lage está sendo cumprida pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). O termo determina que a administração do parque e do museu será superintendida pela PJF e exercida por um diretor nomeado pelo prefeito, “devendo a nomeação do diretor recair em um dos três nomes indicados pelo Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio”. O teor da cláusula, inclusive, foi, nesta quinta-feira (24), o principal objeto de discussão dos envolvidos em uma audiência pública sobre a gestão da Fundação Museu Mariano Procópio (Mapro) na Câmara Municipal de Juiz de Fora. O museu completou cem anos na última quarta-feira (23) e está com as portas fechadas para acesso pleno do público há 13 anos.

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Nesta mesma data, o Executivo encaminhou uma mensagem ao Legislativo com o projeto de lei de reestruturação administrativa da Mapro. A PJF propõe uma alteração do mecanismo de nomeação da chefia da fundação. Embora a proposta tenha sido construída no âmbito da Mesa de Diálogo e Mediação de Conflitos sobre a gestão da Mapro – instalada em abril pela prefeita Margarida Salomão (PT) -, o projeto de lei não reúne consenso. O Conselho de Amigos discordou do texto. O Executivo sugere a separação das funções de direção e superintendência. Ao passo que o superintendente seria nomeado em uma seleção pública baseada em critérios estabelecidos pelo Estatuto de Museus – Decreto 8.124/2013 -, o diretor seria nomeado a partir de lista tríplice elaborada pelo Conselho de Amigos. Atualmente, a Mapro é gerida por um diretor-superintendente, escolhido pelo prefeito a partir da lista tríplice encaminhada pelo Conselho de Amigos. A administração da fundação é regida pela Lei 10.988/2005.

No entanto, ao menos desde abril o MPMG acompanha as discussões sobre a gestão da Mapro. À época, como confirmado em nota à Tribuna, o órgão instaurou uma notícia de fato “em virtude da necessidade de verificar a adequada nomeação da direção do Museu Mariano Procópio”. O MPMG observa que o museu “teria sido doado ao Município com o encargo (obrigação) de que a diretoria da instituição fosse exercida por pessoa definida pela Administração Pública municipal a partir da lista tríplice formulada pelo Conselho de Amigos”. Após solicitar as informações ao Município, à Mapro e ao Conselho de Amigos, a notícia de fato foi convertida em inquérito civil “para o aprofundamento das investigações”. A partir da investigação, o MPMG poderá tanto expedir recomendações para “eventual prevenção de ilícito” quanto propor ajustamento de conduta. Caso as recomendações não sejam atendidas ou o ajustamento de conduta seja recusado, uma ação civil pública pode ser oferecida à Justiça.

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O secretário Especial de Direitos Humanos da PJF, Biel Rocha, afirma que, desde o primeiro momento, Margarida pediu à Mesa de Diálogo, a qual ele presidia, o respeito aos termos da escritura de doação. “Vamos enviar uma cópia do projeto de lei ao MPMG para que a discussão seja aprofundada”, pontua. “Outra questão que é importante reafirmar: os dois cargos principais de direção – superintendente e diretor – serão nomeados pela prefeita, mas nenhum será escolhido por ela. Um será a partir de lista tríplice, e outro, por uma seleção pública a partir de um comitê busca.”

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Dissenso da Mesa é levado para Câmara

A audiência pública de mais de quatro horas expôs o principal dissenso das discussões sobre o projeto de lei já no âmbito da Mesa de Diálogo de Mediação de Conflitos. O presidente do Conselho de Amigos, Carlos Eduardo Paletta Guedes, abriu a fala citando a cláusula sexta da escritura de doação, ou seja, o encargo da lista tríplice para a nomeação da chefia da Mapro. “A partir da carta assinada por diversos signatários, a Prefeitura fez um diagnóstico. Ao nosso ver, um diagnóstico equivocado. Entendeu-se que o problema do museu estaria no sistema criado por Alfredo Ferreira Lage. O pior problema na esfera pública é diagnosticar mal, porque se cria uma solução errada.”

De acordo com Carlos Eduardo, a lista tríplice, então questionada, é adotada pelo Museu de Artes Murilo Mendes (Mamm). Além disso, os critérios técnicos para a seleção do diretor conforme o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), conforme exigido na Mesa, teriam sido adotados pelo Conselho. “O que move esse projeto de lei é uma má vontade com o modelo previsto na escritura. O modelo jurídico coloca o Conselho de Amigos como alguém que escolhe o gestor. Aí que está a questão.” Ele acrescenta que a insistência da PJF encontra óbice jurídico, o que, completa, poderia levar o Município a perder a doação para a família Ferreira Lage.

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No entanto, para o representante dos intelectuais signatários da carta encaminhada à prefeita, Marcos Olender, o Conselho de Amigos se atém à escritura, mas o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) cita cláusulas, por exemplo, que já não seriam mais atendidas. “O tempo todo se colocou que a lista tríplice é uma das cláusulas pétreas. Outras não são? Da segunda à quinta cláusula, todas têm o adjetivo de perpetuidade, no meu entender, cláusulas pétreas. A quinta proíbe perpetuamente a retirada do museu de artigos artísticos, históricos e científicos, que não poderão ser afastados das galerias e arquivos nos quais se encontram. Essa cláusula não é mais cumprida. E eu concordo que não seja.”

Conforme Marcos, o processo histórico demanda flexibilidade. “Se isso vale para cláusula quinta, na qual existe o adjetivo perpetuidade, por que não vale para a cláusula sexta (da lista tríplice), que é a única que não tem o adjetivo perpetuidade?”, questiona Olender. Além disso, ele alega que não há analogia entre o Mamm e o Mariano Procópio. “A escolha do diretor do Mamm realmente se dá pelo conselho curador, que é endógeno, ou seja, da própria UFJF. O Conselho de Amigos é efetivamente representativo da totalidade do Município? É muito diferente. Não há como comparar.”

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‘Ferro e fogo’

A professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Carina Martins, convidada para a audiência pública, atuou no Museu Mariano Procópio durante o mestrado e o doutorado. Ela pontua, por exemplo, que a lista tríplice, mesmo na escritura, não foi respeitada entre 1943 e 1980. “A primeira pessoa a se desvincular da escritura foi o próprio Alfredo Ferreira Lage. Em 1943, a indicação e nomeação de Geralda Armond, prima de Alfredo, não foi feita por lista tríplice do Conselho de Amigos. Há uma carta pessoal de Alfredo ao então prefeito José Valadares Pinto em que enaltece Geralda e reafirma que o que a credenciaria para a gestão seriam abnegação, carinho e laços de parentesco.” De acordo com Carina, em momento algum o Conselho de Amigos e a lista tríplice teriam sido mencionados na carta.

A representante dos servidores ativos da Mapro, Rosane Carmanini Ferraz, endossou o projeto de lei encaminhado à Câmara pela PJF. De acordo com a historiadora, o texto vai além das discussões sobre a nomeação do diretor. “Ele fortalece o conselho administrativo da Mapro e cria o conselho técnico-consultivo, que está na Lei 10.988/2005 e não vem sendo cumprido. A gente precisa ampliar a lente de análise. Além disso, o projeto de lei corresponsabiliza o gestor, o Conselho de Amigos, a PJF e a UFJF. Teríamos uma gestão mais prática e eficiente com o fortalecimento do conselho técnico-consultivo.”

O promotor de Patrimônio Histórico e Cultural, Alex Fernandes Santiago, responsável por acompanhar a situação, por outro lado, aponta que, ainda que o critério de seleção possa ser melhorado pelo Conselho de Amigos, deve haver um limite. “Esse limite é a escritura de doação feita pelo Alfredo Ferreira Lage. Dentro da visão jurídica, a cláusula da lista tríplice é cristalina. Em relação ao adjetivo ‘perpetuidade’, ele (Alfredo) simplesmente não precisava colocar isso. Alguns dirão que o museu já emprestou algumas obras, mas, por outro lado, já recebeu outras. É da dinâmica da museologia. Se fôssemos levar a ferro e fogo, realmente não poderia emprestar nada. Quando estamos falando da direção, estamos falando de algo maior. E a cláusula coloca claramente que a superintendência é da Prefeitura e a direção por pessoa indicada pela Conselho de Amigos. Superintendência quer dizer que a Prefeitura vai entrar com dinheiro. Só se fala de uma pessoa: o diretor. E ela tem que ser escolhida pelo Conselho de Amigos do Museu. Essa é a vontade do doador.”

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