A Lei Aldir Blanc do Estado de Minas Gerais repassou R$ 3.923.300 a 279 agentes culturais de Juiz de Fora. Os dados foram informados à Tribuna pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). O mecanismo de fomento contemplou o setor cultural por meio de duas modalidades. Auxílio emergencial, e editais, chamamentos públicos e prêmios em 16 áreas temáticas. Foram R$ 3.752.300 distribuídos a 221 projetos através de editais, chamamentos e prêmios. Por outro lado, R$ 171 mil chegaram a 58 artistas da cidade por meio dos cinco lotes do auxílio de R$ 600. Quase a totalidade dos proponentes já recebeu os recursos, e muitos já começam a executá-los.
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Somados os mecanismos de financiamento estadual e municipal, a lei de emergência cultural distribuiu em Juiz de Fora, ao todo, R$ 7.410.776,18. O Estado de Minas Gerais recebeu R$ 295 milhões do Fundo Nacional de Cultura para a Lei Aldir Blanc, o segundo maior de todo o país. Deste valor, R$ 160,2 milhões foram repassados diretamente aos municípios, que os repartiram entre a classe artística de cada cidade. O restante, R$ 135,7 milhões, foi distribuído pelo próprio Estado. Desta maneira, Juiz de Fora então acessou diretamente cerca de R$ 3,5 milhões da cota municipal para distribuir por meio de edital próprio, além de outros R$ 3,9 milhões, conforme os projetos e artistas contemplados pelos mecanismos estaduais.
Os modelos adotados por estado e município para operacionalizar a distribuição dos recursos foram diferentes. A Funalfa, após discussão com a classe artística, alocou todos os R$ 3,5 milhões em um único edital. A fundação distribuiu cotas únicas entre R$ 3 mil e R$ 15 mil para espaços culturais e artísticos, micro e pequenas empresas, artistas e coletivos. “Foram 617 contemplados no total, sendo 14 pessoas jurídicas e o restante, pessoas físicas, entre indivíduos e coletividades”, detalha a gerente do Departamento de Manutenção e Suporte da Funalfa, Giovana Bellini, em nota. “Todos os contemplados receberam seu recurso dentro do prazo. Os pagamentos foram feitos em parcela única, imediatamente após a entrega dos documentos assinados pelos proponentes.”
Por outro lado, a Secult operacionalizou duas estratégias de financiamento do setor. Parte dos recursos seria repassada por meio de auxílio emergencial de R$ 600 em cinco lotes. O pagamento foi feito em parcela única de R$ 3 mil. O restante, por sua vez, foi dividido em 27 editais, chamamentos públicos, bolsas e premiações para a submissão de projetos já executados ou a serem executados. À época das discussões para a escolha das modalidades de financiamento, os gestores articularam-se para que os mecanismos fossem justamente distintos. Inclusive, o então diretor-geral da Funalfa, Zezinho Mancini, em entrevista à Tribuna em julho de 2020, havia apontado para a necessidade de coordenação entre os governos municipal e estadual para que os investimentos não coincidissem.
Cuidados burocráticos
A professora, artista e pesquisadora Aline Cristine Carvalho, 28, teve uma oficina de preparação artística contemplada pelo edital “Seleção de bolsistas para as áreas artísticas técnicas e de produção cultural”, do Governo do Estado. Aline trabalhou durante a pandemia como preparadora de voz e corpo da rapper e poeta Laura Conceição para uma transmissão ao vivo, numa adaptação da preparação teatral. O trabalho, então, resultou em uma oficina desta natureza para outros artistas. “A oficina teve cinco encontros entre o final de fevereiro e o início de março. Foi uma pesquisa mesmo, só que como oficina, para relacionar a técnica teatral a outras artes.”
Aline recebeu os recursos ainda em dezembro de 2020. “Inclusive, tive amigos que receberam até antes, mas outros que só foram receber ao longo de janeiro e fevereiro. O único problema foi o imposto retido na fonte. Dos R$ 8 mil, restaram mais ou menos R$ 6.700.” Como a proposta de Aline era relativamente simples, conseguiu executá-la. “Mas amigos enfrentaram problemas com a dedução tributária. Falta apenas a prestação de contas agora. É muita coisa, né”, pontua. “Estou esperando um amigo executar o projeto dele para que façamos a prestação juntos. Assim como foi no processo de submissão, havia muita documentação a que nós, artistas independentes, não estávamos acostumados. Vamos fazer juntos para não ter nenhum caô, porque, caso contrário, teremos que devolver todo o dinheiro.”
A atriz, dramaturga e professora do Núcleo Teatral Prisma Gabriela Braga Guarabyra, 23, está prestes a realizar a oficina de dramaturgia “Transbordar”. Assim como Aline, Gabriela foi contemplada pelo edital de “Seleção de bolsistas para as áreas artísticas técnicas e de produção cultural”. A atriz também não enfrentou problemas para receber os recursos. “Foi tudo bem tranquilo. Tinha um prazo para recebê-lo entre dezembro e janeiro. Recebemos em 30 de dezembro em parcela única. Eram 700 bolsas de R$ 8 mil bruto. Com os descontos, caiu para mais ou menos R$ 6 mil.” A oficina acontecerá nas três próximas semanas. Apenas após o término, Gabriela prestará as contas para o Estado.
Dificuldades para receber os recursos do Estado
Artistas da região apontaram à Tribuna alguns gargalos burocráticos para receber os recursos provenientes do Governo do estado. Ainda que tenha afirmado à reportagem que pagou os projetos aprovados e o auxílio emergencial em parcelas únicas entre janeiro e abril deste ano, a Secult admite que “possa haver pagamentos residuais de projetos cujo pagamento eventualmente ainda não tenha acontecido”. “Estão previstos 7.053 pagamentos oriundos de propostas contempladas em ao menos um dos editais emergenciais da Lei Aldir Blanc. Desse total, 6.976 projetos já tiveram seus pagamentos confirmados, o que corresponde a 98,91%. Outros 65 pagamentos ainda estão em fase de processamento, o que corresponde a 0,92%. Já 12 pagamentos constam com erro de dados bancários na base da Secult, representando 0,17% do total.”
A gestora cultural e fotógrafa Rafaella Pereira de Lima, 32 anos, por exemplo, ainda não recebeu os R$ 80 mil referente ao edital “Seleção de propostas de mostras e festivais artísticos e culturais”. O recurso viabilizaria a terceira edição do Festival de Cinema Itinerante Intersessões, original de Ubá, mas com braços em outras cidades da região. “A minha expectativa era receber o pagamento ainda em dezembro. A execução teria dois meses, em janeiro e fevereiro. E, depois, prestaria contas.” Muitos colegas de Rafaella receberam o dinheiro da Lei Aldir Blanc ainda em janeiro. “Semana a semana saíam as listas atualizadas de pessoas que estavam recebendo. Estou na angústia, na aflição de acompanhar diariamente as listas e a conta bancária.”
O montante de R$ 80 mil seria o maior nas mãos da organização do festival, já que as edições anteriores foram viabilizadas com poucos recursos. “Seria o primeiro em que conseguiríamos pagar equipe, professores, oficineiros. Fizemos uma articulação com escolas para oferecer cursos, oficinais, sessões e bate-papo online.” Devido ao cronograma inicial de execução da Lei Aldir Blanc, tudo já está desenhado, segundo Rafaela, mas falta o recurso. “Não tem como começar a andar, fazer a identidade visual, chamar gente. Eu não tenho coragem de começar sem a certeza de receber o recurso para pagar as pessoas.” Ela até tenta contato via e-mail com a Secult, mas diz obter respostas genéricas. “Já recebi duas mensagens dizendo que o problema foi detectado, mas me diziam apenas para ficar tranquila porque o problema seria no sistema de pagamento. Só que ninguém sabe me informar qual é exatamente o problema.”
Ainda que tardia
O ator, diretor e roteirista Tairone Vale, 43, enfrentou dilema parecido. Tairone teve dois projetos aprovados pela Lei Aldir Blanc estadual. Para um, submetido ao edital “Premiação: roteiros e argumentos de filmes de longa-metragem”, já recebeu os R$ 15 mil, “entre janeiro e fevereiro”. Para outro, de um curta-metragem contemplado no edital “Seleção de obras finalizadas de curta-metragem, média-metragem, longa-metragem e série para licenciamento”, só foi receber os R$ 12 mil no início de abril.
Ainda em 28 de dezembro, a Secult repassou a Tairone as informações necessárias para o acesso ao sistema a fim de fazer a assinatura eletrônica e receber os recursos, como ele detalha. “Consegui fazer a tempo, só que eles não conseguiram me pagar. Aí começou a novela”, afirma. “Em fevereiro me informaram que os depósitos haviam sido feitos, só que na conta bancária errada. Quando a gente se inscreveu no edital, fomos obrigados a abrir uma conta (bancária) exclusiva para o projeto. Abri em dois bancos on-line. Mandaram mensagem para mim dizendo que haviam feito o pagamento em uma conta do Banco do Brasil, em uma agência de Belo Horizonte, ou seja: em um banco em que não tenho conta e em uma cidade onde não moro.” Como recebeu os recursos para o curta-metragem só neste mês, Tairone ainda não conseguiu executá-lo. “Acredito que na próxima semana já devo colocá-lo no ar e iniciar a prestação de contas.”
Prorrogação dos prazos de prestação de contas
Estados e Municípios ganharam mais tempo na última semana para execução e prestação de contas da Lei Aldir Blanc, bem como para executar as sobras de recursos. A extensão dos prazos foi definida em diferentes esferas do Poder Público. Na segunda-feira (19), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia acolheu ao pleito de estados para evitar sanções da União caso o prazo para a prestação de contas estourasse. No dia seguinte, o próprio Governo federal, por meio de medida provisória, cedeu à pressão da classe artística e concedeu um ano a mais para a prestação de contas, o que já havia sido feito para a execução dos projetos. Inicialmente, artistas deveriam prestar contas no final de maio para estados e municípios, que, por sua vez, tinham até junho para repassar os dados à União.
Tairone comemora a prorrogação, uma vez que, além de seus projetos, também se envolveu em outras realizações da Aldir Blanc. “De maneira geral, a Aldir foi incrível porque conseguiu movimentar todo o setor. Atuei em várias frentes, vários projetos. Felizmente deu uma sobrecarregada”, conclui. A classe artística passou 2020 lutando para que houvesse algo para produzir, relembra. Com isso, Tairone, por exemplo, como admite, protelou os próprios projetos para trabalhar naqueles mais urgentes. “O adiamento nos deixa mais tranquilos para resolver a parte burocrática.”
Gabriela e Rafaella endossam o adiamento a partir do mesmo argumento: a permanência do estado pandêmico. “Limitar a produção a um período muito curto como já era o inicial prejudicaria o produto final. Se a intenção do Governo era dar oportunidade aos artistas de se expressarem dentro da pandemia, é justo que os prazos sejam estendidos”, defende Gabriela. Já Rafaella aponta para a necessidade da extensão dos prazos até para os projetos já viabilizados. “No meu caso, por ainda não haver recebido, me dá um alívio.” Mas ainda assim Rafaella vive entre a expectativa de receber a verba e, ao mesmo tempo, o receio à medida que os dias correm. “Acredito que sim, vamos receber. Mas é muito estranho não ter notícia, resposta, nada claro”, reforça. No âmbito municipal, conforme a Funalfa, a prestação de contas não será problema. “Já temos toda a documentação necessária e os relatórios solicitados, então, para nós, essa dilação do prazo não fará diferença”, explica a gerente Giovana Bellini.