Poucas foram as vezes, desde que foi, de fato, reconhecida como profissão, que o ofício do jornalista passou por momentos tão difíceis em termos de credibilidade. Afinal, desde que a internet se tornou popular, precisamos conviver com flagelos modernos como pós-verdade, fake news e a desconfiança generalizada a respeito da apuração dos fatos, com gente à direita e à esquerda acusando repórteres de produzir notícias falsas, tendenciosas, estar mancomunados com poderes superiores, todo tipo de acusação quando a notícia não agrada.
Políticos como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, utilizam as diversas ferramentas virtuais para acusar veículos e profissionais de propagarem notícias falsas, serem antipatriotas, e disparam a sua versão dos fatos – ou das fontes que mais lhes convém. Sites, blogs, perfis em redes sociais que se dizem jornalísticos e isentos publicam ou reproduzem notícias sem averiguar fontes, confiabilidade de dados, e que se espalham feito rastilho de pólvora. Na verdade, vivemos num mundo de “personalização jornalística”, em que se lê (e divulga) apenas a “verdade absoluta” que é conveniente para determinados grupos.
Mas nem sempre foi assim – pelo menos, não com tamanho ódio e desprezo virulentos. Houve uma época em que o trabalho árduo, contínuo e paciente era recompensado, em muitas oportunidades, não apenas com a apuração e publicação dos fatos, mas com o reconhecimento e a devida repercussão do que ali estava escrito. É dessa época que trata o drama “The Post – A guerra secreta”, que estreia nesta quinta-feira trazendo como atrativos adicionais duas indicações ao Oscar, de melhor filme e atriz, a 21ª na carreira de Meryl Streep. O longa de Steven Spielberg, assim como “Spotlight” fez há poucos anos, mostra a relevância do jornalismo para colocar à luz aquilo que se queria deixar nas sombras – neste caso, ao retratar a luta dos jornais “New York Times” e “Washington Post” para publicar, em 1971, reportagens sobre documentos secretos do governo americano, que ficaram conhecidos como “Pentagon papers” (“Papéis do Pentágono”).
Esses papeis, considerados confidenciais, mostravam como os últimos governos dos Estados Unidos – personificados na sinistra figura do então presidente Richard Nixon – mentiam descaradamente a respeito do desenrolar da Guerra do Vietnã e das decisões tomadas em relação ao conflito. As mais de 14 mil páginas chegaram primeiramente até as mãos dos repórteres do “Times”, que iniciaram a publicação das reportagens, mas logo foram impedidos pela Justiça após Nixon processar o periódico invocando a Lei de Espionagem – para ele, não importava (mentira, importava e muito) se a papelada comprovasse todos os embustes engendrados pelo governo, a segurança nacional estava acima de tudo. Ou seria a segurança dele em relação à confiança do povo, afinal?
Pela liberdade de informação
Enquanto o “Times” trava sua luta para fugir à censura, a redação do “Post” tem acesso a parte dos “Pentagon Papers” e precisa decidir se também vai encarar Nixon e sua gangue. Tudo isso acontece num momento delicado, em que a socialite Kay Graham (Meryl Streep) precisa mostrar ter pulso para comandar o jornal – um espaço então majoritariamente masculino e com todo o machismo típico dos anos 70 – que herdou do pai e que era administrado por seu marido até ele cometer suicídio. O seu principal aliado será o editor Ben Bradlee (Tom Hanks), que anos depois seria um dos personagens a revelar o escândalo de Watergate, que culminou na renúncia de Nixon. O caso vai parar nas mãos da Suprema Corte, que precisa decidir se é inconstitucional censurar a publicação dos documentos num país que tem na sua Constituição a garantia da liberdade de imprensa e expressão.
Mesmo que não seja perfeita ou imparcial, a imprensa ainda é uma das ferramentas que garantem ao cidadão o acesso à informação – dizer acesso à verdade seria forçado demais. “The Post – A guerra secreta” pode ter seus defeitos, mas é válido por mostrar a importância do trabalho jornalístico para a formação de uma sociedade em tempos tão polarizados, marcados por notícias falsas, distorcidas, exageradas e sem a devida reflexão/apuração em que vivemos.
Steven Spielberg (ao centro) contou com os talentos de Meryl Streep e Tom Hanks para contar um dos momentos mais importantes da imprensa e da política dos Estados Unidos