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‘Todo o caminho do rio é para desaguar no mar’

Rio Paraíba do Sul
Rio Paraíba do Sul
A imagem de Nossa Senhora Aparecida foi encontrada no Rio Paraíba do Sul. A cidade de Aparecida recebe diariamente fiéis de todo o país, e o rio recebe o impacto (Foto: Fabrício Mota/Divulgação)
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Juliana de Carvalho teve sua vida banhada pelo Rio Paraíba do Sul. Primeiro porque nasceu em Juiz de Fora e o Rio Paraibuna é um dos que formam sua grande bacia hidrográfica. E segundo que há mais de 30 anos ela mora no Rio de Janeiro que, apesar do nome, praticamente não tem rio – os que existem estão canalizados ou poluídos ou ambas as coisas – e precisa da transposição do Paraíba do Sul, na cidade de Barra do Piraí, para abastecer a cidade. Juliana lembra que ele “dá água de beber para 13 milhões de pessoas” na Região Sudeste. Mas sua situação é dramática e complexa. É a poesia que o rio carrega, entre tantas histórias, e o drama que ele vive que o documentário “Caminho do mar”, dirigido por Bebeto Abrantes e idealizado e produzido por Juliana, aborda.

A ideia do filme surgiu a partir de um trabalho editorial da produtora para um livro chamado “O Rio que é azul”. Com ele, a equipe apresenta os embates que a cidade vive com a água tanto doce quanto salgada. Juliana percebeu que “qualquer coisa que acontecer com o Rio Paraíba do Sul pode deixar o Rio de Janeiro morrendo de sede”. Esse rio, que também divide estados, foi responsável pela construção de muitas cidades na Região Sudeste. Da mesma forma, ele acumula poluição, desmatamento, assoreamento e destruição em seus 1.137 quilômetros de extensão.

A equipe, entre viagens divididas em quatro temporadas, percorreu todos esses caminhos. De sua nascente, na Serra da Bocaina, à sua foz, em Atafona, distrito de São João da Barra, Juliana percebe as nuances entre cada região, às vezes com um curso mal usado, às vezes com margens que relembram um paraíso. Os rios contam histórias. Para fazer o documentário, a equipe decidiu falar sobre o Paraíba do Sul sem sair de perto dele. Por isso, todos os entrevistados, incluindo os estudiosos que contribuíram com análises, convivem diariamente com o rio.

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Banhar-se na dor e no alívio

Em uma das regiões economicamente mais importantes para o Brasil, a cultura do povo fala desde o início de tudo. Ainda na época do império, os escravos fugiam pelos caminhos do rio e se banhavam nele também. “Eles aliviavam as dores nessas águas”, pontua Juliana. Acredita-se que a imagem de Nossa Senhora Aparecida, a santa padroeira do Brasil, tenha sido encontrada pelos pescadores no Rio Paraíba do Sul, próximo à cidade que, hoje, leva o nome de Aparecida do Norte. Fiéis de todo país vão à cidade no dia 12 de outubro para fazer súplicas a ela. Juliana analisa esse acontecimento com dor, também, apesar da festividade. Eles começaram as gravações por lá, no feriado, e, para ela, “é triste porque a gente vê os brasileiros pedindo apoio para viver. Mas, ao mesmo tempo, isso impacta o rio. Que estrutura ele têm para isso, para tanta gente?”, questiona.

Nas margens dos rios, muitas indústrias de amplitude nacional têm suas turbinas ligadas. Eles viram de perto tudo isso. Mas, ainda assim, a proposta, para eles, não é fazer uma denúncia vazia. “A sociedade errou muito desde a industrialização. Agora a gente vive a década da reconstrução, de frear e reconstruir mesmo. Ainda tem jeito e a economia tem que acompanhar isso.” Ela completa que o filme é triste, sim, mas mostra esperança.

Ribeirinho em Barra do Piraí, cidade que, com o Rio Paraíba do Sul, disponibiliza água de beber para o Rio de Janeiro (Foto: Fabrício Mota/Divulgação)

“Todo rio é forte”

O nome do documentário, “Caminho do mar”, foi inspirado no poema “O rio”, de João Cabral de Melo Neto. O diretor, Bebeto Abrantes, tem relação com a obra do poeta e sugeriu o nome. “Afinal, todo o caminho do rio é para desaguar no mar.” Dessa forma, mesmo com imagens fortes de destruição, existe ali poesia. “A água é poética, por ser maleável e resistente. Todo rio é forte”, aponta Juliana. Existe poesia, também, no fato de que o filme mostra as novas possibilidades de fazer mudar essa realidade. A própria produtora disse que mudou sua forma de pensar e concluiu que, na verdade, ao contrário do que ensina a sociologia, natureza e produção cultural são uma coisa só. “A gente tem que olhar a natureza como ser vivo e não só como recurso. Não existe vida sem água e não existe cultura sem natureza”, conclui.

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Ela aponta para um certo distanciamento dos brasileiros com os rios, que deveriam ser também para contemplação. Mas, por outro lado, enxerga que “toda cidade acha que o rio é dela. Mas não, ele só passa”. O Rio Paraibuna, em Juiz de Fora, por exemplo, ao mesmo tempo que recebe água de outras regiões, manda para diversas. E essa será uma das discussões que farão parte do debate logo após a exibição de “Caminho do mar” na cidade, no Teatro Paschoal Carlos Magno, nesta quarta (24), às 19h.

Além disso, a Bang Filmes e Produções, produtora do filme, convidou responsáveis por instituições que debaterão a importância de projetos que pensem a restauração florestal em Juiz de Fora, nas margens do Rio Paraibuna. Para o evento, foram convidados Eduardo Araújo (Instituto Mineiro de Gestão de Águas), Flávio Monteiro (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), João Siqueira (Universidade Estadual do Norte Fluminense), Marcelo Massaharu Araki (Instituto Estadual de Florestas) e Renata Maranhão (Agência Nacional de Águas).

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É necessário olhar para o Paraibuna

Mesmo que lançado em 2018, trazer essa discussão para os dias atuais e em Juiz de Fora, de acordo com Juliana, é importante para fazer com que a população volte a ver o Paraibuna com o potencial necessário para transformá-lo, promovendo, inclusive, acesso total ao rio. “O Brasil criou a ideia de que a gente tem água para sempre. Mas não. De nada adianta ter água se ela não está tratada. Por isso a gente tem que cuidar”, finaliza Juliana.

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