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Sambista Carlos Fernando Cunha lança música e novo show

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Era feliz. Casada com Carlos Fernando, o pai, Vera Lúcia parou de estudar e trabalhar para criar os dois filhos, Luciana e Carlos Fernando, o filho. Após mais de três décadas ao lado do companheiro, Vera Lúcia se encontrou viúva. E decidiu, aos 60, recomeçar. Inscreveu-se num curso de preparação para o vestibular, ingressou no curso de pedagogia, começou a namorar um motociclista e na garupa do veículo conheceu a adrenalina das estradas. Independente, prestou um concurso público, tornou-se secretária escolar, foi diagnosticada com um câncer de mama, fez mastectomia, transformou-se ativista contra o câncer e, em 2016, desfilou pela primeira vez na sua Mangueira do coração, cantando Maria Bethânia na Passarela do Samba. Tempos depois, um acidente vascular cerebral (AVC) silenciou Vera Lúcia por 12 dias. “Num dia desses de hospital, eu não aguentava mais aquela situação de não poder conversar com ela e resolvi sair. Minha irmã chegou para me render, peguei o carro, estava chovendo, e sem saber o porquê fui parar na praia do Recreio dos Bandeirantes. Fui para a areia e comecei a rezar. Pedia para minha mãe acordar. Daí veio a primeira parte da música”, conta o filho e sambista Carlos Fernando Cunha, cantarolando os primeiros versos de “Rosa de Mangueira”: “Acorda amor, a vida não está de brincadeira. O samba já começou, dormiste na quarta-feira. Acorda, vem sacode essa poeira”. Lançado este mês, o single é também o norte do novo show do músico, que estreia nesta quinta (24), às 19h30, no Museu de Arte Murilo Mendes.

Samba e corpo: profissional da educação física, Carlos Fernando Cunha assumiu a faceta de músico profissional na mesma Juiz de Fora onde se tornou professor universitário. (Foto: Fernando Priamo)

“Não terminei a música. Só terminaria no final da história. A Rosa não acordou, e, tempos depois, quando a dor já tinha suavizado, fiz a segunda parte da música. Minha ideia era fazer um disco novo. Coincidentemente, nas minhas andanças, voltei a ter contato com um amigo antigo de Jacarepaguá, que não via há muitos anos. Minha primeira participação num estúdio de gravação foi num disco dele, na década de 1980, sem saber que mexeria com música algum dia”, recorda-se Carlos Fernando, referindo-se ao pianista e diretor musical Alexandre Elias, diretor musical de, entre outros, “S’imbora O Musical – A história de Wilson Simonal”, “O Frenético Dancin’ Days” e “Tim Maia Vale Tudo – O Musical”. Carlos Fernando enviou “Rosa de Mangueira” para Alexandre, que gostou do trabalho e ofereceu-se para produzir a faixa. “Ele trabalha muito com sampler. Isso no samba é algo ainda novo. A música tem essa característica, porque tem sampler de cordas, piano, tamborim e muito vocal. Tem momentos diferentes, climas: começo cantando só com a voz, depois tem as cordas, entra um piano e se transforma em samba mesmo”, observa ele, que se prepara para lançar seis singles até fevereiro, alguns inéditos e outros, relançamentos dos antigos álbuns, como a música que gravou com participação do saudoso sambista Wilson das Neves. O show que Carlos Fernando estreia nesta quinta também conta com inéditas e outras já conhecidas, além de surpresas do cancioneiro popular. Na apresentação, o cantor e compositor terá o acompanhamento dos músicos Amanda Martins, Cacáudio, Mariana Assis e Tamires Rampinelli.

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Epistemologia do ritmo e das bandeiras

Carlos Fernando Cunha, na adolescência, queria ser jornalista, mas a grande concorrência o desestimulou. Já gostava de música, imitava Lulu Santos e Robert Plant, e soube que os integrantes do Paralamas do Sucesso formaram a banda na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica. A receita lhe pareceu saborosa: sair de casa, montar uma banda e estudar agronomia. Reprovado para o curso, foi trabalhar vendendo curso de inglês de porta em porta até que, um dia, foi chamado para a segunda opção que inscreveu no vestibular, educação física. Mas não para uma classe normal. Carlos Fernando foi convocado para um projeto que reunia alunos que, por pouco, não haviam sido aprovados. No primeiro semestre, os estudantes cursavam três disciplinas do curso escolhido, mais todas as matérias do ensino médio, de física a filosofia. Carlos Fernando cursou ginástica, aspectos evolutivos da educação física e folclore e cultura popular. Foi com a professora Zezé que ele conheceu o samba. “Ela tinha um contato muito forte com a comunidade da Mangueira. Então, volta e meia estavam na nossa aula dona Neuma, dona Zica. Ela montou um grupo folclórico que se apresentava em vários lugares do Rio. Entrei para o grupo rítmico no qual a gente tocava samba e maracatu”, recorda-se ele.

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Carlos Fernando viveu uma juventude roqueira, mas voltou-se para a paixão doméstica: o samba. (Foto: Fernando Priamo)

O samba deixou de ser interesse doméstico. Nascido em Engenho de Dentro, próximo à linha férrea, e criado desde muito pequeno em Jacarepaguá, Carlos Fernando acostumou-se com a rivalidade das agremiações já no interior de casa. O pai era portelense que frequentava as festas da Penha e os ensaios na quadra. A mãe era mangueirense por devoção. “Eu gostava muito de escola de samba, desde criança. No carnaval, o grande lance nosso era ficar em frente à televisão vendo os desfiles durante a madrugada inteira, tomando guaraná e comendo cachorro-quente”, conta ele, que, para manter o equilíbrio, escolheu ser torcedor da Império Serrano enquanto a irmã torcia para a Beija-Flor de Nilópolis. Em 1984, aos 14 anos, a Portela foi a campeã de domingo, e a Mangueira, de segunda-feira. Os pais quase se separaram. E o filho mudou de escola. Carlos Fernando apaixonou-se pela Unidos de Vila Isabel com seu enredo “Pra tudo se acabar na quarta-feira”, de Martinho da Vila. “O sambista é um artista”, cantavam os foliões inaugurando o Sambódromo. Anos mais tarde, no grupo Epistemologia do Ritmo, formado na faculdade, passou a tocar no famoso Bar Semente, na Lapa e em outras rodas importantes. Carlos Fernando passou a frequentar ensaios e ganhou sua carteirinha para integrar a ala de ritmistas da Vila Isabel. Era 1998, quando ele, já um educador físico, pisou pela primeira na Passarela do Samba com um tamborim nas mãos. Não parou mais.

Cara de sorte, de samba e de pé no chão

Naquele mesmo de 1998, foi aprovado como professor da Faculdade de Educação Física da UFJF. Em 2001, mudou-se para Juiz de Fora, onde se casou com a também carioca Andréa Melo e teve o único filho, Arthur. “Sou do Rio e nunca imaginei sair de lá. Sempre fui um apaixonado pelo Rio, daqueles bons cariocas que não gostam de dias nublados”, diz ele, que, como a mãe, também soube recomeçar. “Minha vida como músico surgiu aqui. O Carlos Fernando como professor tem uma história mais longa, desde 1989. O Carlos Fernando músico começa no Rio de Janeiro, no chão da Vila Isabel, mas só conseguiu acreditar e investir na carreira de cantor e compositor em Juiz de Fora. Essa foi a cidade que me encorajou a dizer que também atuo na música”, reflete o artista, que logo em sua chegada à cidade integrou o Coral da UFJF, sob a regência de André Pires, maestro que se tornou amigo e também produtor de seu primeiro disco, “Zeroquarenta”, ao lado de Roger Resende, outro amigo e referência no cenário local. Em 2015, Carlos Fernando lançou “Baobá”, trabalho “mais maduro”, em suas próprias palavras.

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“Sou do Rio e nunca imaginei sair de lá. Sempre fui um apaixonado pelo Rio, daqueles bons cariocas que não gostam de dias nublados”, diz Carlos Fernando. (Foto: Fernando Priamo)

Desde a graduação, o sambista e educador físico investiga a interseção entre as ciências humanas e as ciências da saúde, entre história, educação e corpo. Tanto é que, em 2013, o Ponto do Samba, que nasceu das rodas, tornou-se um projeto de extensão universitária sob coordenação do professor e músico, formado em de canto pela Universidade de Música Popular Bituca. Ativo na cena local, Carlos Fernando também criou uma playlist no Spotify, serviço de streaming de música, com o samba juiz-forano. “Fui procurar o samba da cidade nas plataformas. Fiquei feliz, por um lado, porque achei vários artistas que têm uma produção, não propriamente ligada ao samba, mas que gravaram sambas. Ao mesmo tempo fiquei triste por ver que grande parte da produção de samba ainda não está nas redes digitais”, avalia, dizendo-se “um cara de muita sorte”. “A minha grande sorte foi vir para Juiz de Fora. Se eu estivesse no Rio de Janeiro, não teria nada em relação à música. Olho para trás da vida no Rio e não tenho saudades. Gosto muito de lá, mas hoje me considero um cidadão juiz-forano”, acrescenta ele, que reflete a cidade até mesmo na dicção de sua composição. “Escutando ‘Rosa de Mangueira’, percebi que ela tem muito dos sambas tradicionais de Juiz de Fora, aquela coisa da letra triste, tonalidade menor, mas todo mundo canta feliz. ‘Se eu fosse feliz’, que considera a música da cidade, tem letra tristíssima, e as pessoas cantam como se estivessem num baile de carnaval. ‘Tristeza pé no chão’, do Mamão, também é assim.”

ROSA DE MANGUEIRA

Single disponível nas plataformas de streaming. Show nesta quinta (24), às 19h30, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant 790 – Centro)

Show de Carlos Fernando Cunha acontece no Museu de Arte Murilo Mendes, nesta quinta (24), às 19h30, com entrada gratuita. (Foto: Fernando Priamo)
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