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A produção regional no Festival Primeiro Plano

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a luta
Superprodução de “A luta” foi financiada pelo Polo Audiovisual da Zona da Mata (Foto: Divulgação)
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Em toda a sua potência e peculiaridade, o cinema permite preservar registros que na fotografia sofreriam com o silêncio. Na literatura, sofreriam com a imobilidade. No jornalismo, sofreriam com a síntese. Em quaisquer outras expressões, sofreriam com a impossibilidade de se apresentar em áudio, vídeo e tempo necessário. Dores do Paraibuna, distrito de Santos Dumont inundado para a construção da represa de Chapéu D’Uvas, clamava pelo cinema para que antigos moradores, como Sebastião e Ana Carolina, pudessem contar de uma vida pacata e espaçosa, de casarios e ruas agigantadas, cobertas por uma água impositiva. Os ouvidos e o olhar sensível de Ana Lúcia Pitta, diretora e roteirista de “Dores”, devolveram à localidade a visibilidade há muito merecida.

Emocionante, o curta-metragem reúne imagens de arquivos dando conta da “Velha Dores” – como era conhecido afetivamente o local – e eterniza a memória de moradores como o religioso Frei Justino Burgers, morto em janeiro de 2016, após décadas de luta pela dignidade dos habitantes do lugar. Como uma fotografia esmaecida, a produção, com trilha sonora assinada pelo músico Rafa Castro, retrata a antiga igreja do lugarejo, cujas ruínas saltam das águas quando o nível da represa cai. Das coloridas quermesses às procissões de cavaleiros, o filme, financiado com recurso da Lei Murilo Mendes, apresenta a Minas profunda, de marcas nos rostos e na língua. Em seus 20 minutos, “Dores” carrega consigo a urgência que marcou a primeira sessão da Mostra Competitiva Regional do Festival Primeiro Plano, na tarde desta terça (24).

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Rodado em Muriaé, com recursos do Edital Usina Criativa de Cinema, do Polo Audiovisual da Zona da Mata, “A luta” se destaca pela excelência estilística, pela bem-cuidada produção de época e também pela curiosa história real de dois meninos que, em 1938, se encantam e aguardam ansiosos pela transmissão da luta de boxe entre o norte-americano Joe Louis e o alemão Max Schmeling, considerada “a luta do século”. Dirigido por Bruno Bennec, o curta-metragem retrata a novidade que representava o rádio na época e também tece homenagem ao cineasta Humberto Mauro, com cena de seu “Ganga bruta”. Numa Minas de sabores, com um fogão à lenha onipresente, e texturas, com a terra e as matas colorindo as cenas, o filme com músicas de Wagner Tiso e Roberta Campos revela o apuro técnico do polo cinematográfico.

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Cena de “Dores” revela distrito de Santos Dumont submerso pela Represa de Chapéu D’Uvas (Foto: Divulgação)

Sensível ao tratar da frágil relação entre uma avó e a neta deixada com ela após o sumiço de seus pais, “Bule de prata”, produção universitária assinada por Ruan Esteves opta pelo drama familiar tratando do choque geracional e também questões ainda mais profundas, como a que denuncia na frase proferida pela garotinha de volumosos cachos nos cabelos.”Não tenho marido. Eu sou uma mulher independente”, diz a pequena à avó, numa das cenas mais poéticas do primeiro dia da competitiva regional. Também abordando a questão de gênero, “Amor e revolução não é só nome de novela”, de Gabriela Ribeiro, oferece ao espectador os depoimentos sinceros e apaixonados do casal Cláudia Lahni e Daniela Auad, pesquisadoras, professoras, militantes e mães da pequena Leila. “Cada vez que nós legitimamos publicamente o nosso gozo é uma atitude política”, reforça a entrevistada Daniela, confirmando a potência discursiva, sem cortes, que o cinema permite e acolhe.

Virtuosismo técnico

Oswaldo é um vampiro contemporâneo que retorna à condição humana justamente numa ocupação. Filmado durante a ocupação da reitoria da UFJF em 2016, realizada por estudantes da instituição, o curta-metragem “O vampiro da ocupação”, de Bruna Schelb Correa, é nonsense, irônico, engraçado, leve e milimetricamente criativo. A trama do vampiro que tenta se enturmar em plenárias, rouba objetos vermelhos e veste-se de maneira dissonante dos jovens “vizinhos” de ocupação extrai risos e certo encantamento por uma história nonsense com referências distintas acerca da representação dos vampiros no audiovisual, partindo de “O gabinete do Doutor Caligari” e chegando ao adolescente “Crepúsculo”.

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Resultado da disciplina de direção de fotografia do Instituto de Artes e Design da UFJF, o curto (três minutos) “Entre nós”, de Ivan Santaella, narra um acerto de contas de uma mulher e um matador. O argumento simples ganha contornos complexos na câmera inteligente e na fotografia exata de uma produção despretensiosa e, por isso, instigante. Da mesma maneira, “Tragédia”, de Octavio Sampaio Filho e Rayssa Leite, enumera sequências que se opõem para falar de vida e morte, caos e paz, urbano e rural. Marcado por canções pop, “Realidade súbita”, de Matheus Jeronymo, também deixa frestas para interpretação ao contar o drama do jovem Anderson e suas dores de amor.

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