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Curta discute acessibilidade na produção audiovisual

Cult CENA Móbile Haikai Foto Caroline Netto 4
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Olívia (Carú Rezende) e Maria Clara (Léa Nogueira) se conhecem em uma oficina de teatro.

Maria Clara, interpretada pela atriz Léa Nogueira, está a caminho de sua própria descoberta, tem uma educação rígida, com sua essência sendo esmagada pela repressão familiar, que pode ser ainda mais exagerada por ela ter se tornado surda-muda quando criança. A mãe exalta esta característica e não a permite ser. “Eu cuidei de você, do seu problema, e é assim que você me agradece?”, fala sua mãe, interpretada pela Sandra Emilia Costa – atriz muito presente nas produções cinematográficas juiz-foranas.

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Quando Maria Clara se sente atraída por Olívia, que ganha corpo pela atuação de Carú Rezende, a sensação de culpa as persegue. A própria montagem do filme nos passa essa sensação particular das personagens. Enquanto Maria Clara revolta-se ao ouvir as agressões homofóbicas de sua mãe e Olívia foge literalmente às cegas, aparecem cenas das duas nuas, em câmera lenta e distorcida. Talvez seja o que se passa na cabeça dessas mulheres quando são repreendidas, como uma culpa pelo amor.

Sem qualquer palavra, a pele, a respiração e o cheiro são exaltados em todos os planos, inclusive são feitos muitos closes no ouvido de Olívia e nos olhos de Maria Clara, sentidos aguçados que fazem aquela relação ser intensa. Um detalhe poético e sutil é a camisa usada pela personagem surda-muda, que diz “Você é o que você ouve”. “É um filme sobre um amor improvável, sobre como elas podem se comunicar com o toque, o diálogo e o ser de cada uma, experimentando outras percepções, outras formas de amor”, explica Lilian Werneck, diretora e roteirista.

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“O móbile: Admiração”, lançado em 2008, foi o primeiro filme de ficção dirigido por Lilian, “Móbile haikai” não é propriamente uma continuação, são histórias diferentes, com temáticas próprias, mas que têm em comum a relação entre mulheres lésbicas e seus desdobramentos. O amor entre mulheres tem tudo a ver com a Lilian, como pessoa e como profissional do audiovisual, que busca sempre trabalhar com uma equipe com muitos nomes femininos. Haikai, poema de origem japonesa, segue uma métrica de três versos em 5-7-5, o tempo dos quadros – “Toque”, “Diálogo” e “O ser” – do curta-poema de Lilian, que tenta se aproximar ao máximo dessa métrica.

O filme tem uma paleta de cores quentes, e, assim como a oficina oferecida pelo Corpo Coletivo despertou em Lilian a vontade de revisitar e filmar um roteiro escrito em 2006, o filme tem a intenção de despertar o corpo sem que se perca o tato. Cada movimento é acentuado e completo para a composição da cena. Uma experiência pessoal da diretora torna-se parte presente no filme. As personagens se conhecem nessa mesma oficina de teatro, filmada no antigo galpão do Espaço Manufato. Olívia escolhe um lugar ao chão e deita-se próximo a Maria Clara, a reconhece pelo cheiro. Maria Clara abre os olhos e a vê bem de pertinho.

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Sensações inclusivas

“A pele de Olívia observa cada luz; Maria Clara sente em toda cor o som”, essa abertura é a provocação de que precisamos para conseguirmos nos aproximar das sensações das personagens. Além disso, os sentidos transcendem não apenas artisticamente, mas na preocupação inclusiva dessa produção. Pela primeira vez, um filme feito com recursos da Lei Murilo Mendes será lançado com audiodescrição e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE).

Dessa forma, toda a construção e a edição são pensadas para que qualquer pessoa tenha uma experiência intrigante ao assistir. “Podemos só ver o curta ou só ouvi-lo, são vários filmes, cada um terá sua leitura”, explica a diretora, que, a cada montagem, passava pela experiência de senti-lo através de diferentes sentidos, para analisar se estava acessível a todos. Até mesmo ouvir somente a trilha composta por Fred Fonseca, é uma forma de leitura dessa história; vê-se pela música. Talvez o diálogo mais emocionante seja uma fala de Olívia, dizendo: “Eu gosto da ideia de você me escutar de outra forma, assim como eu acho que posso te ver de outro jeito”.

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Patrícia Almeida, especializada em audiodescrição pela UFJF, foi quem coordenou o trabalho de roteiro e narração da audiodescrição do “Móbile haikai” e prepara para esta quarta-feira (25) uma mesa redonda sobre acessibilidade em produção audiovisual. O encontro acontece às 10h no plenário da Câmara Municipal de Juiz de Fora. Além de Lilian Werneck, Cida Leite, consultora em audiodescrição, estará nessa conversa que marca o lançamento do filme. “A gente percebeu que tem uma gama de projetos carentes de acessibilidade. Queremos passar para os produtores que acessibilidade amplia a obra, faz atingir um maior público, mas para isso precisa-se de um trabalho profissional. Vamos desmitificar que inclusão é trabalho para primeiro mundo e que é muito possível de ser feito”, explica Patrícia, que também coordena as Sessões Lanterninha do Primeiro Plano. A audiodescrição é a narração detalhada em áudio de um filme, em que se cria um roteiro próprio destinado a cegos. Antes mesmo de fazer a narração, Patrícia enviou o roteiro para Cida aprovar e fazer correções, a fim de que a experiência do telespectador seja a melhor possível.

Nesta quinta-feira (26), às 15h, no Cinemais Alameda, a Sessão Lanterninha, além de pipoca, será toda com audiodescrição e legendagem (com descrição das cenas, além dos diálogos) para que seja o mais inclusiva possível. E ainda, na sexta (27), Patrícia organizou a exibição do longa “Elis”, do diretor Hugo Prata, às 14h30, também com recursos de acessibilidade.

“As pessoas não precisam se adequar, o produto é que tem que ser adequado”, fala Patrícia, dizendo ainda que Cida trará para a mesa o que a Ancine propõe para o campo da audiodescrição, abrindo portas de um caminho profissional, dentro do audiovisual, para deficientes visuais, surdos e ensurdecidos. Em “Móbile haikai”, a preocupação de Patrícia ao criar o roteiro audiodescritivo foi trabalhar a expressão, no intuito de passar o significado e não a interpretação, dando total autonomia ao público em poder sentir cada cena de forma pessoal. A legendagem para surdos foi feita pelo Kennedy Vasconcelos Júnior.

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Assista ao trailer com audiodescrição e LSE:

“Móbile haikai”
Nesta quarta-feira (25), às 10h, no Plenário da Câmara Municipal (sessão com audiodescrição e legendagem), e sábado (28), às 16h, na sala 1 do Cinemais Alameda (dentro da Mostra Audiovisual de JF)

 

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