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Maria Isabel de Sousa: Juiz de Fora no mapa da música erudita

8de80 ISABEL Felipe Couri
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Sentada ao piano na sala de sua casa na Rua Silva Jardim, região central de Juiz de Fora, Maria Isabel de Sousa relembra o propósito que guiou sua trajetória. “Eu sempre acreditei que a sociedade pode ser transformada através das artes, mas principalmente da música.” Foi aquele instrumento que a fez vislumbrar um futuro não só para si, mas para diferentes gerações de músicos que viriam a ser impactados pelo pioneirismo de Maria Isabel. Tudo começou bem cedo. Aos 6 anos ela já sentia o poder da música ao tocar os primeiros acordes em Cataguases, cidade onde nasceu, sob orientação da mãe, Carmelina Machado de Sousa, professora de piano. Quase 30 anos depois, a paixão pelos teclados a fez criar, ao lado do marido Hermínio de Sousa Santos, o Centro Cultural Pró-Música, entidade que se tornou referência no cenário da música erudita no país.

“A música foi a minha vida toda.” É difícil para a pianista separar a vida da música, afinal, as duas foram entrelaçadas desde sua infância e seguiram sendo uma coisa só. Aos 15 anos, ela se mudou para Juiz de Fora com a família e começou a viajar para o Rio de Janeiro para ter aulas de piano com Arnaldo Estrella, um dos maiores pianistas brasileiros. Para a época, era considerado impressionante Isabel saber tocar o repertório de Frédéric Chopin com 12 anos, ainda mais sem ter acesso a cursos de formação musical. Alguns anos depois, a jovem recebeu uma bolsa para estudar na Itália, indicada pelo maestro José Siqueira, com quem também fez aulas, mas não chegou a ir. “Eu tocava muito e fazia sucesso. Era quase que autodidata para esse progresso e aprendi muito sozinha justamente por não ter escolas em Cataguases e Juiz de Fora.”

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Por 42 anos, Isabel deu aulas no Conservatório Estadual de Música Haidée França Americano. A experiência em sala de aula a fez perceber a importância da iniciação musical. “Muitas vezes as crianças acabavam desmotivadas pelo fato de o ensino ser muito técnico, repetitivo e não tinham motivação. O aluno que era bom ficava só naquilo, ele não tinha nenhum incentivo de progredir nem uma oportunidade de passar para outras etapas.” Essa lacuna foi o que a motivou a investir no trabalho de ensino por meio do Pró-Música. Fundado em 1971, o projeto ganhou uma proporção maior do que a própria família Sousa Santos imaginava e colocou Juiz de Fora no cenário da música erudita nacional e internacional.

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“O que todo músico quer é uma plateia bem cheia.” Esse desejo levou Maria Isabel a deixar de ser concertista e passar a dedicar todo seu tempo ao Pró-Música, para que os músicos encontrassem na cidade a plateia com que tanto sonhou. “A gente começou com um concerto por mês, mas com uma qualidade que Juiz de Fora nunca viu, eram só grandes artistas, de renome internacional, para atrair o público.” Conforme crescia, a iniciativa ganhava outras vertentes, como o projeto de formação de músicos, pioneiro e inovador. Os alunos, desde as turmas infantis, ganharam bolsas de estudo gratuitas, com empréstimo de instrumentos, que resultaram em uma extensa produção cultural própria. “A maioria dos músicos formados pelo Pró-Música foram para as maiores orquestras do Brasil.”

A principal proposta do Pró-Música era formar público, o que não era uma tarefa fácil. Isabel conta que a população não estava acostumada a ouvir música clássica e, muito menos, a ir a concertos, pois, até então, esses eventos não existiam na cidade. Muitos desacreditaram que a entidade daria certo, mas não Isabel e seu esposo, que, mesmo com os desafios, construíram um teatro de 500 lugares com o intuito de apresentar concertos mensais. Mas o que antes era algo distante, ao qual poucas pessoas tinham acesso, passou a atrair milhares. “Nós tínhamos que praticamente insistir com as pessoas para irem assistir aos pianistas, violinistas e os outros músicos. Foi muito difícil começar esse núcleo.”

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No início da década de 1990, o centro cultural deu partida no que viria a ser seu maior feito: o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. “Os artistas precisavam de público, havia necessidade de um lugar para se apresentar no Brasil, eram pouquíssimos locais.” Mas para agradar e atrair o público para concertos, mesmo gratuitos, era preciso ter apresentações de qualidade. Por isso, Isabel mirava em grandes artistas e conseguia trazer muitos deles por mediação do seu antigo professor de piano, Arnaldo Estrella. “O Nelson Freire se apresentou cinco vezes aqui. A Magdalena Tagliaferro subiu ao palco do Pró-Música aos 80 anos tocando divinamente bem. Ninguém acreditava que ela viria a Juiz de Fora, e conseguimos trazer”, elenca Isabel, citando dois dos maiores pianistas que viveram no país.

Os quadros espalhados pelas paredes da sala deixam claro que a paixão pela arte transcende a música. Carlos Bracher, Renato Stehling e Dnar Rocha foram alguns dos escolhidos. Ela conta que alguns foram presentes dos próprios artistas depois de ela organizar exposições na galeria de arte do Pró-Música. “Nós fomos durante anos a única galeria de arte de Juiz de Fora. Por muito tempo, os artistas locais não tinham lugar para pendurar seus quadros e mostrar para as pessoas”, diz Isabel.

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Aos 86 anos, com cinco filhos, dez netos e cinco bisnetos, Maria Isabel se orgulha ao ver a família alcançar novos espaços na música. Era quase inevitável os filhos e netos serem transportados para o universo da música clássica, já que na casa da matriarca era dia e noite vivendo música, falando sobre música e ouvindo música, como ela mesmo conta. Sua paixão pela mistura de todos aqueles sons juntos passou para as novas gerações.

Hoje, seu filho mais novo, Luís Otávio, é violinista e regente formado por instituições internacionais e trabalha no Festival de Inverno de Campos de Jordão, enquanto sua neta Fernanda se formou violoncelista pelo curso de música da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Além de muitos outros que seguiram pelo mesmo caminho. “Ter um diploma era algo que nós não podíamos ter, e agora ela e outros músicos que passaram pelo Pró-Música podem.”

Depois de 43 anos à frente do Pró-Música, a família decidiu doar o patrimônio à UFJF. “Muita gente não acredita que nós fizemos a doação do Pró-Música no ápice.” Após se afastar da organização da escola e do festival, Isabel tem passado os dias a conhecer novos lugares e a viver para além da música, mas, claro, sem deixar essa de lado, sempre à escuta de novas canções. Para a criação da sua família, ela espera que o patrimônio seja preservado para que a história seja bem contada. “Meu maior desejo é que a gente tenha continuidade desse trabalho.”

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