Realizado há quase uma década no Colégio de Aplicação João XXIII, o projeto “Arte em trânsito” ultrapassa os muros da instituição de ensino e agora também está presente em outros espaços culturais de Juiz de Fora. Além do próprio colégio, o Espaço Reitoria (UFJF), Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) e Galeria Guaçuí (IAD/UFJF) recebem a mostra que leva o mesmo nome da iniciativa, com trabalhos de diversos artistas locais, professores e alunos. O objetivo, de acordo com as coordenadoras do projeto, as professoras Renata Oliveira Caetano e Andréa Senra Coutinho, é proporcionar uma visão sobre os resultados do ensino artístico quando em confluência com outras áreas e saberes, a partir de suas inúmeras possibilidades.
Além das exposições, que prosseguem até outubro e novembro, dependendo do espaço, o “Arte em trânsito” também tem em sua programação uma série de oficinas de práticas artísticas, colóquios, rodas de conversa e performances. Toda a programação foi pensada a partir de cinco questões colocadas pela organização para reflexão de artistas e público: “O que pode o artista na escola?”, “O que pode a arte na educação?”, “O que pode a arte na escola?”, “O que pode a arte em trânsito?” e “O que pode uma escola sem arte?”. É a partir delas que as exposições foram organizadas, com as obras, de alguma forma, dialogando com essas perguntas.
“A pausa das atividades em 2018 criou muitas inquietações na equipe”, afirma a professora Renata Oliveira. “A partir disso, começamos a pensar sobre a importância da presença de artistas dentro da escola atuando colaborativamente com professores e estudantes e o quanto isso gera de conhecimento. A primeira pergunta que surgiu (“O que pode um artista na escola?”) foi a do Mamm, e começamos a trabalhar uma proposta curatorial a partir dela, no momento em que vimos o grupo de artistas que tínhamos.”
“Depois disso, surgiu a pergunta ‘O que pode a arte na escola?’, então pensamos em apresentar o trabalho de estudantes, tal e qual fazemos no Colégio, só que no saguão da Reitoria (da UFJF). A pergunta ‘O que pode a arte em trânsito?’ surgiu por um acaso, pois eu estava vendo em qual lugar poderia realizar a exposição referente à pesquisa anterior; consegui agendar a Reitoria, e ainda assim a coordenadora da Galeria Guaçuí, a professora Renata Zago, mostrou interesse em ter uma exposição nossa. Então ali pensamos em apresentar o projeto como um todo. A última pergunta (“O que pode uma escola sem arte?”) que surgiu foi trazida pela Andréa Senra e manifesta bem parte do nosso sentimento diante da atual conjuntura, no qual pouco se investe em arte, cultura e educação. ”
Os espaços e suas perguntas
A partir das cinco questões que norteiam o evento, a organização separou as exposições a os colóquios. “O que pode o artista na escola?” reúne artistas locais e de outras cidades que participaram de mostras anteriores e de residências artísticas. Nomes como Luiz Gonzaga, Valéria Faria, Marcelo Brant, Priscilla de Paula, o Coletivo Transverso e Círculo das Mulheres da Terra, entre outros, integram a exposição, dividida em frentes com os títulos “As linhas”, “Os objetos”, “A rua”, “Os olhares”, “As fricções”, “O lúdico”, “As inquietações” e “Chamada”.
“Nós os deixamos bem livres para escolherem o que preferiam. Assim, a exposição ficou mesclada. Alguns optaram por expor o que apresentaram no colégio ou o registro documental disso. Outros se propuseram a mostrar o que estão fazendo agora, outros optaram por criar peças para a exposição”, adianta. “Do total de 21 artistas, apenas dois estreiam, o Josimar Freire e o Ricardo Basbaum.”
O Espaço Reitoria, da UFJF, recebe “O que pode a arte na escola?”, com propostas pedagógicas de professores parceiros do projeto, de instituições de ensino de Juiz de Fora, Petrópolis (RJ), Rio de Janeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Escola Elvira Hurtado de Matte, na região metropolitana de Santiago (Chile) e da Universidade Autonoma de Madrid (Espanha). Já a Galeria Guaçuí, do IAD/UFJF, abriga “O que pode a arte em trânsito?”, uma apresentação artística/documental que busca se aproximar dos estudantes de forma a mostrar as diversas formas de diálogo entre a arte e o contexto escolar.
Por fim, a Galeria Edson Pável Bastos, no Colégio de Aplicação João XXIII, coloca em reflexão “O que pode uma escola sem arte?”. “Ela fala sobre a importância da presença da arte nas escolas. Lá, nós trabalhamos de forma diferente nesse ano, pois nas edições anteriores nós montamos muitas exposições e preenchíamos a escola com arte. Nesse ano, a escola está vazia e repleta de perguntas. A ideia é destacar a importância da arte pela sua ausência, levando o Colégio a refletir e valorizar ações como o projeto Arte em Trânsito, que já se destaca como algo absolutamente diferente das semanas escolares de outras áreas de conhecimento que compõem nosso calendário de atividades”, explica.
Neste caso, a instituição terá uma exposição com molduras vazias, justamente para provocar a reflexão quanto à presença da arte no ambiente escolar; outra com cartazes e ações performáticas com o Laboratório de Instantes, sob supervisão de Letícia Bertagna; e uma obra surgida da oficina para os estudantes do colégio ministrada por Fernanda Morais, que sob influência da artista Nerea Lekuona vai procurar fendas, fissuras e falhas no prédio do João XXIII para ali inserir os trabalhos desenvolvidos pelos alunos.
Para debater e também refletir
A última pergunta, “O que pode a arte na educação?”, é a que norteia o VII Colóquio Arte em Trânsito, que tem palestra de abertura na terça-feira (24), às 19h, no Mamm, com o professor Ricardo Basbaum, da UFF (Universidade Federal Fluminense). Haverá ainda três mesas de debates, sempre às 19h: a primeira quarta-feira (25) no Colégio de Aplicação João XXIII, e as outras duas na quinta (26) e sexta-feira (27) novamente no Mamm. O Museu de Arte Murilo Mendes também recebe duas rodas de conversa na quarta e quinta-feira, às 10h. Para o Colóquio, é preciso se inscrever no site arteemtransito.com.br.
“É muito importante destacar que um evento desse tamanho só foi possível pela mobilização da Pró-Reitoria de Extensão, Pró-Reitoria de Cultura, Colégio de Aplicação João XXIII, Instituto de Artes e Design e Imagem institucional, que possibilitaram a vinda dos artistas, compra de materiais para a montagem das exposições e o desenvolvimento de um material gráfico primoroso desenvolvido pela bolsista do projeto, Larissa Brandão. Além disso, contamos com a mobilização de pessoas que conhecem e apoiam sempre o projeto por meio de auxílio para fazermos o coquetéis de abertura na Reitoria e no Mamm”, destaca a professora.
Da adversidade, a força de vontade
Fazer o projeto transitar por outros espaços já era discutido há algum tempo, segundo conta Renata Oliveira, mas esbarrava em algumas dificuldades – algumas antes mesmo de ultrapassar os muros da instituição. Ela lembra que não foi possível realizar a atividade de culminância do Arte em Trânsito (Mostra Cultural e Colóquio) em 2018 por falta de dinheiro. “Contudo, o projeto não parou. Eu discuti com os bolsistas a possibilidade de abrirmos mais as nossas ações para a comunidade de forma a expor não somente o que fazemos, mas também a importância disso”, rememora.
“Não é comum encontrar projetos na área de arte-educação que se sustentem por tanto tempo com uma proposta tão inovadora e dinâmica, ainda mais em um momento no qual a arte, a educação e a cultura vêm sendo tão monitorados e criticadas por pessoas que, em sua maioria, desconhecem o funcionamento dessas três áreas”, prossegue. “Assim, desde 2018 nós trabalhamos na concepção e organização desse circuito de exposições, posicionando em locais estratégicos alguma parte de nossas atividades de forma a possibilitar que um público maior perceba a potencialidade que há em um projeto como esse.”
Produzindo conhecimento pela arte
Renata Oliveira conta que ela e Andréa Senra começaram a idealizar o projeto ainda em 2010 a partir de ideias pautadas pelo tripé ensino-pesquisa-extensão da UFJF: realizar uma mostra cultural que mobilizasse a escola em torno da arte como produção de conhecimento – e não apenas como elemento ilustrativo e/ou decorativo do ambiente escolar -, e realizar colóquios a fim de fomentar o diálogo em torno da arte-educação.
“Inicialmente participavam professores de artes visuais do Colégio (nas exposições de proposições artístico-pedagógicas de estudantes) e alguns artistas locais. O Colóquio era inicialmente voltado para professores das redes particular e públicas”, conta. “Contudo, ao longo dos anos, esse perfil foi se transformando, e a mostra de trabalhos de estudantes ganhou a participação de professores-artistas-pesquisadores de outras escolas com representação de Juiz de Fora e outras cidades como Petrópolis, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Santiago do Chile e mais recentemente Madrid.”
“Esses professores não são escolhidos. Eles participaram de alguma edição do evento e por uma proximidade de pensamentos e práticas são convidados a enviarem o que estão realizando em suas salas de aula”, continua. “Nós continuamos convidando artistas de Juiz de Fora, pois achamos importante valorizar a arte de nossa cidade, mas também de outras cidades brasileiras.”
“Esse movimento é muito importante pois traz outras linguagens para circular na cidade e gera um diálogo muito profícuo entre os artistas de fora e o nosso público; o Colóquio hoje tem uma participação intensa dos estudantes da graduação, em especial das licenciaturas, pois eles estão justamente no momento de formar seus repertórios para se tornarem professores atuantes e críticos.”
Desdobramentos
Atualmente, o Arte em Trânsito segue coordenado pelas professoras Andréa e Renata, com o auxílio de sete bolsistas: Larissa Brandão, Mariana Couto, Ana Beatriz Penna, Isadora Matos, Paula Lopes, Lucas Soares e Sérgio Izzo. São duas as frentes de trabalho, conforme explica Renata. Uma deles reúne os dispositivos artísticos, que são a Mostra Cultural, a gestão da Galeria Edson Pável Bastos no João XXIII, o movimento em redes sociais e a residência artística, entre outras. A outra diz respeito aos dispositivos de formação docente.
“Entre elas estão o Colóquio; as oficinas – que acontecem também em outros momentos – tanto para professores, quanto em outras escolas; e atividades de pesquisa, como essa que vem sendo realizada em torno da presença de artistas criando suas obras em parceria com nossos estudantes”, enumera a professora. “No Colóquio, contamos com a parceria com o professor Francione Oliveira Carvalho, da Faced, que organiza as propostas de atividades: mesas redondas, rodas de conversa e oficinas. A proposta é fazer um evento dinâmico e que haja equilíbrio entre teoria e prática. Entre os participantes nós temos professores de outras redes de ensino e muitos estudantes da UFJF em busca de formação.”
ARTE EM TRÂNSITO
O que pode o artista na escola?
Vários artistas. Exposição integrante do projeto Arte em Trânsito, com artistas participantes de mostras culturais anteriores e residências artísticas do Colégio de Aplicação João XXIII. Abertura 24 de setembro. Terça a sexta-feira, das 9h às 18h, sábados e domingo das 13h às 18h, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant 790 – Centro). 3229-9070. Até 10 de novembro.
O que pode a arte na escola?
Vários artistas. Exposição integrante do projeto Arte em Trânsito, com propostas pedagógicas de docentes parceiros da iniciativa. Abertura 24 de setembro. Segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, e sábados das 8h ao meio-dia, no Espaço Reitoria (Campus UFJF). Até 25 de outubro.
O que pode a arte em trânsito?
Exposição integrante do projeto Arte em Trânsito, com uma apresentação artística/documental que objetiva mostrar as possibilidades de diálogo entre a arte e o contexto escolar. Abertura 24 de setembro. Segunda a sexta-feira, das 8h às 22h, na Galeria Guaçuí (IAD/UFJF). Até 21 de outubro.
O que pode uma escola sem arte?
Diversas intervenções artísticas com o objetivo de provocar reflexão sobre impor ensino de arte, integrando a programação da mostra do projeto Arte em Trânsito. Abertura 24 de setembro. Segunda a sexta-feira, das 7h às 22h30, na Galeria Édson Pavel Bastos do Colégio de Aplicação João XXIII (Rua Visconde de Mauá 300 – Santa Helena). Até 4 de outubro.