Mesmo longe dos olhos, nos fundos da Fazenda da Tapera (uma das construções mais antigas do município de Juiz de Fora), há um antigo poço, alvo de várias histórias. Uma delas dá conta de que o lugar era útil para fuga de escravos. Outra, que ele servia de esconderijo do ouro. No projeto de restauração do imóvel, localizado ao lado do Cemitério Parque da Saudade, a cisterna curiosa, assim como outros elementos do passado, será mantida ao lado de intervenções a serem feitas no presente. De propriedade da Santa Casa de Misericórdia, o casarão segue deteriorado a olhos vistos, o que justifica a instalação de uma sobrecobertura que está sendo feita com possibilidade de ficar pronta em setembro, e aguarda pela captação de recursos para dar lugar a um espaço multiuso com exposições, oficinas e café.
“Todas as teorias do restauro, na atualidade, dizem que a ideia não é fingir o passado, é restaurar o que existe e demarcar o que é novo, porque o que é feito hoje também será história daqui a cem anos”, afirma Moema Loures, arquiteta coordenadora do Studio Ima, empresa que está à frente dos projetos urbano-paisagístico e de restauração da Tapera. Este último foi realizado pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Para aproximar a população do imóvel, estão previstas a retirada das árvores que ocupam a frente dos prédios e a troca do muro por grades transparentes. A intenção é criar ali um espaço de carga e descarga e construir rampas que facilitam a acessibilidade. “Queremos que as pessoas sintam que aquele edifício não é isolado da cidade e que o equipamento gere uma vitalidade urbana para a região.”
Quem por ali circula já percebeu que os dois prédios que formam o conjunto do século XVIII parecem representar épocas distintas, isso porque a fachada de um deles sofreu intervenção em finais do século XIX e início do XX, ganhando o bege em suas paredes. Propositalmente, para esse edifício, está sendo planejado o amarelo na frente e o branco nas laterais e no fundo, deixando as marcas dos dois tempos bem aparentes. “No período colonial, só se usava o branco”, conta a arquiteta, que também traz o presente para esse diálogo através de estruturas metálicas que ligarão os dois imóveis. “Com elas, colocamos em evidência os três tempos históricos: o da construção, em 1800, o da intervenção, e o contemporâneo.”
O mesmo material será utilizado no pátio central, previsto para os fundos, que vai funcionar como um espaço de convívio e leitura. Aliás, é lá que está localizado o poço que abre esta matéria e que, por suas histórias curiosas, deve ganhar uma iluminação especial. Já para o lugar onde, originalmente, passavam as carroças para pagar o pedágio, conforme a arquiteta, foi idealizado um espaço de projeção, que poderá levar ao visitante as memórias da Fazenda da Tapera. Esse mesmo local ainda poderá ganhar prateleiras transparentes que darão visibilidade a todo o interior do casarão. Para uma das áreas internas, está planejado um ambiente que terá forro independente do original e que, por isso, poderá receber luminárias para compor exposições temporárias.
“Valorizamos os ambientes externos, usando esses espaços para dar acesso à Tapera. À esquerda, criamos escadas que servem, por exemplo, como um anfiteatro para shows”, diz Moema, explicando que o mais difícil nesse trabalho de restauração será a recuperação das paredes por terem sido construídas com madeira e barro.
Coberta para não cair
Do dia em que o projeto de restauração da Fazenda da Tapera foi anunciado até a data de hoje, já se vão cerca de quatro anos. Durante esse período, em várias reportagens, a Tribuna divulgou que o bem seria beneficiado através de uma parceria entre a Universidade Federal de Juiz de Fora e a Santa Casa de Misericórdia. Desde então, criou-se a expectativa de ter ali o Cecom – Centro de Conservação e Memória da universidade, conforme aponta Moema Loures. Segundo a assessoria de imprensa da instituição de ensino, “a UFJF foi responsável pelo projeto de Conservação e Restauro do espaço (por meio de projeto de extensão), o documento foi finalizado e encaminhado à Santa Casa e ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) de Juiz de Fora.”
Com a proposta aprovada pelo Comppac, agora resta conseguir captar verba para a execução dos trabalhos. Cerca de R$ 5 milhões, de acordo com Moema, dariam para, pelo menos, colocar o imóvel em uso. “Na época, o processo estava direcionado com o Henrique Duque (ex-reitor da UFJF). Elaboramos, inclusive, um documento de comodato, mas, com a mudança de reitor, ele ficou de stand-by. Estamos tentando novas formas de captação de recursos por outras esferas, talvez federais. A Santa Casa se preocupa com a Tapera. Mas, por ser um hospital que atende o SUS, dada toda essa dificuldade financeira que assola o sistema de saúde pública do país, não pode pegar uma verba que seria para investir, por exemplo, em equipamentos de emergência e atendimento ao SUS, para aplicar em um imóvel tombado. É uma questão de responsabilidade social”, afirma Moema. “O interessante é que, apesar de ter sido pensado para o Cecom, desde o início, fizemos um projeto que pudesse ter vários usos. Ele é flexível. Pode ser um museu da cidade, ser usado pela Santa Casa para outros fins ou por outras instituições públicas, como a Prefeitura. Claro que ali tem alguns limitadores porque é um edifício histórico. Então, não dá para colocar várias salas de aula com cem pessoas em cada cômodo.”
De acordo com a arquiteta, a sobrecobertura que está sendo instalada não resolverá, de forma definitiva, os problemas da Tapera. Contudo, amenizará os riscos. “É uma estrutura metálica independente do edifício. Sem ela, quando começar a chover em novembro, por exemplo, a água vai entrar, piorando as condições da parede. Esse também é o primeiro passo para a obra, porque não tem como trabalhar com o edifício pingando água, e ela servirá de andaime para os trabalhos. Também não sabemos como o edifício vai reagir porque tem o agravante do tráfego intenso de veículos e das obras que foram feitas na rua. Isso faz a própria estrutura da Tapera tremer”, diz a arquiteta, com previsões otimistas para o próximo ano. “O mais difícil já temos, que é o projeto pronto e aprovado. “