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Diante da crise e dos cortes: como está a Funalfa hoje?

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Contingenciar é verbo que se conjuga no pretérito, no futuro e, principalmente, no presente. É verbo no modo indicativo, no subjuntivo e no imperativo. É verbo que se flexiona no singular e no plural, nas casas e nas repartições. Na Funalfa o verbo é ordem e, por isso, desafio. No início de 2018, o orçamento previsto para a fundação, que responde pela gestão da cultura municipal, era de R$ 8,4 milhões, retirando-se da conta os gastos com folha de pagamento de funcionários efetivos e comissionados, aposentados e pensionistas. Após os necessários contingenciamentos, o orçamento real resumiu-se a R$ 7 milhões, valor que, em 2019, é a perspectiva. Uma possível redução, no entanto, inviabilizaria o funcionamento da instituição.

Segundo o diretor geral da fundação, José Américo Mancini, conhecido como Zezinho Mancini, da verba para a execução da cultura, R$ 2 milhões são destinados ao pagamento de terceirizados, R$ 3,3 milhões são destinados ao programa Gente em Primeiro Lugar e à Praça CEU, outros R$ 500 mil vão para despesas continuadas (telefone, internet, aluguel de espaços, vigilância, dentre outros). Resta R$ 1 milhão, apenas. “Ou faço a Lei Murilo Mendes ou faço o restante, que inclui a manutenção dos espaços e os pequenos apoios em editais diferentes”, pontua o gestor, apontando a redução de verba gradual sofrida pela pasta.

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Novos diretores com menos de 40 anos: Luiz Fernando, Tamires, Zezinho e Giovana respondem pela gestão criativa da Funalfa. (Foto: Gil Velloso/Funalfa/PJF/Divulgação)

“Tivemos uma média de R$ 10,5 milhões entre 2010 e 2016, atualizando no IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado). Em 2017, isso caiu para R$ 9 milhões. Em 2018, foi para R$ 8 milhões. E em 2019, é de R$ 7 milhões. Temos R$ 3,5 milhões a menos. Não é um corte na cultura, mas em toda a Prefeitura. Além de ser um terço a menos, temos um teatro novo (Paschoal Carlos Magno), um programa de oficinas culturais atendendo mais de 50 bairros, o Centro Cultural Dnar Rocha, que também é novo, a Praça CEU. A Funalfa cresceu muito, mas o orçamento, não. Ela não previu a crise”, lamenta Mancini.

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De alguma forma, os sequenciais e antigos contingenciamentos renderam ensinamentos. “Não conseguimos executar tudo, por causa da crise, que foi amarrando todas as coisas, dentre elas a Lei Murilo Mendes. Isso sempre foi um problema, porque faz-se o carnaval no início do ano e quando chega o final do ano pensa-se que podia ter gastado menos. Agora tentamos trabalhar com alguma estratégia para que cheguemos lá na frente sem arrependimentos”, comenta o diretor geral, afirmando que o programa Gente em Primeiro Lugar está mantido no planejamento.

Distribuídas por todas as regiões da cidade, as oficinas de arte, cultura e cidadania atingiram um maior número de espaços nos últimos anos, mas mantiveram a média de atendimentos. “O programa Gente em Primeiro Lugar e a Praça CEU são intocáveis. O prefeito tem um olhar especial para a Zona Norte, e a gente tem o entendimento de que a Funalfa precisa chegar onde o Poder Público não costuma chegar”, discute Mancini, refletindo sobre a urgência de repensar as próprias atividades da fundação.

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“Porque a gente tem um festival de foto, mas não de artes visuais? De teatro e não de circo? De dança mas não de música? Se não há um indicador que fale sobre o que é preciso, se não há uma razão desenhada que prove isso ou aquilo, vamos tentar trabalhar de maneira mais coletiva. O Corredor Cultural permanece justamente por isso, já que ele tem um caráter múltiplo. No segundo semestre temos a ideia de pegar o recurso previsto para os pequenos festivais e fazer um evento maior para a cidade que seja multimídia”, antecipa, defendendo a pluralidade de uma proposta desse porte.

“Há um monte de ações focadas em enxugar custos para haver mais recursos para a Funalfa. Falamos com frequência sobre a Funalfa ter um custo altíssimo de manutenção, deixando um recurso pequeno para execuções. Ela custa mais para existir do que para ser. Tentamos equilibrar essa balança”
Zezinho Mancini
Diretor Geral da Funalfa

Equipe menor e reorganizada

Atualmente a Funalfa reúne cerca de 50 efetivos e 25 funcionários comissionados, além dos terceirizados, que atuam em setores como a manutenção. No corte proposto para toda a Prefeitura, a fundação passou, no penúltimo dia de março, de 32 cargos comissionados para 25, numa redução de 22%. Os cargos também se alteraram formando um novo organograma, que começou a a ser produzido há alguns anos e gestões, com base em estudos da Secretaria de Administração e Recursos Humanos (SARH) em parceria com a fundação.

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“A Funalfa já teve mais de cem efetivos e hoje trabalha com 50. Agora já trabalhamos com uma equipe bastante reduzida. Na Prefeitura inteira. Os funcionários estão se aposentando. A fundação está com 40 anos de existência, e nesse momento estamos perdendo funcionários, porque foram feitos pouquíssimos concursos recentemente. A Prefeitura está no limite da responsabilidade fiscal, sem poder fazer novos concursos. É preciso desonerar de um lado para criar novas demandas de outro. Estamos nos desdobrando e nos reinventando”, assegura Zezinho Mancini.

Na reorganização, o antigo Departamento Administrativo Financeiro (DAF) passa a se chamar Departamento de Execução Instrumental (Dein) e ganhou uma nova gestora. O também extinto Departamento Operacional passa a ser nomeado por Departamento de Manutenção e Suporte e se reformula após sofrer a perda de servidores que se aposentaram e a saída dos funcionários terceirizados, após a desistência da empresa que terceirizava a equipe.

“Esse departamento fugia um pouco do foco da fundação, fazendo pequenos apoios pulverizados na cidade, em eventos diversos, mas sem uma política de cessão do material e sem ordenamento. Nesse momento em que vivemos de crise, cada centavo é centavo. Gastar gasolina do caminhão para levar barraca para montar num evento que poderia pagar por ela é custoso para nós. Estamos diminuindo, esse ano, o atendimento disso. O foco do setor é atuar nos próprios equipamentos culturais da fundação, mantendo os prédios e prevenindo problemas”, avalia o diretor geral.

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“O grande desafio desse departamento é captar recursos e possibilitar que seja repassado para a classe artística. Atuamos, principalmente, buscando empresários e formas de trazer um dinheiro que não está circulando aqui neste momento, e distribuindo isso na cidade por meio de editais.”
Tamires Fortuna
Diretora do Departamento de Fomento à Cultura

Fazer e pensar a cultura

Antes independentemente no funcionamento da Funalfa, a Lei Murilo Mendes, cuja última edição aconteceu no já longínquo 2016, passa a integrar o departamento de Fomento à Cultura, dirigido por Tamires Fortuna. “O Programa de Incentivo à Cultura Murilo Mendes sempre foi um departamento muito pequeno, com apenas duas funcionárias. Quando trazemos o programa para o departamento, aproveitamos mais essas funcionários e inserimos um servidor nesse departamento que escreve editais e acompanha movimentações mais modernas sobre mecanismos de incentivo financeiro”, pontua Zezinho Mancini, reforçando a urgência de incrementar outros processos para além do que gira no entorno do edital, possibilitando discussões como a circulação e a divulgação dos produtos culturais resultantes do programa.

“A lei institui o Fundo Municipal de Cultura e expõe que existem várias maneiras de o recurso entrar no fundo e sair do fundo, uma delas através de editais. A Funalfa sempre se utilizou de um edital, que é a Lei Murilo Mendes, mas o edital de realização de eventos, que saiu no ano passado e está previsto para esse mês, também pode ser entendido como (o papel) Lei Murilo Mendes. Quando mudamos o nome para programa é porque queremos ampliar esse olhar. Podemos, por exemplo, criar cursos de formação através desse fundo, que tem, hoje, todo o recurso arrecadado pelo Teatro Paschoal Carlos Magno até agora, e que será reinvestido no teatro, seja com a manutenção, seja com realizações. O olhar que estamos tendo é o de esmiuçar as possibilidades”, acrescenta o diretor geral.

“O grande desafio desse departamento é captar recursos e possibilitar que seja repassado para a classe artística. Atuamos, principalmente, buscando empresários e formas de trazer um dinheiro que não está circulando aqui neste momento, e distribuindo isso na cidade por meio de editais”, comenta Tamires, cujo setor já lançou, este ano, o regulamento do Corredor Cultural e os editais de ocupação do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. A equipe trabalha, agora, na produção do edital de eventos, previsto para ser lançado ainda no primeiro semestre.

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Se para pensar a cultura foi preciso buscar uma nova ótica, para produzir, também, garantem os diretores da fundação. Por isso, chama-se agora departamento de acesso à cultura o antigo departamento de cultura, que hoje trabalha fiscalizando, acompanhando e implementando ações para o programa Gente em Primeiro Lugar, Praça CEU e outros equipamentos públicos, com um foco maior para as periferias. “Em anos anteriores, quando eu já trabalhava na Funalfa e no Departamento de Cultura, assumíamos o papel de produção e curadoria dos eventos, mas hoje, com menos verba, é muito mais justo que mais pessoas possam ter acesso a esse recurso. Através dos editais, recebemos propostas que talvez nem pensássemos em realizar, e isso é maravilhoso, porque, como agora, no Corredor Cultural, a gente abre espaço para pessoas que dificilmente teriam a possibilidade de realizar eventos”, assinala Giovana Bellini, que dirige o setor. “O departamento de acesso à cultura não pode se ater exclusivamente ao que nós queremos, ao que nós acreditamos ser prioridade para a cidade, é sobre abrir portas para o que a cidade tem de melhor, para que a cidade diga o que quer.”

Para conhecer melhor o cenário local, e impossibilitada de praticar os altos custos de um censo cultural nos dias de hoje, a Funalfa planeja implementar a plataforma “Mapas culturais”, do Ministério da Cultura, no anseio de que contribua para o pensamento das políticas públicas de cultura em Juiz de Fora, o que é não apenas necessário como determinante para os dias que chegam. “Alguns poucos municípios já implementaram. A Funalfa estudou como é esse sistema, colocou na lei do orçamento anual, fez o orçamento para criação de um site próprio e está prestes a implementar esta primeira ferramenta. Não é necessariamente um censo. A ferramenta depende que os artistas, produtores e donos de espaço tragam as informações para a gente. É uma ferramenta passiva. A prefeitura cria, e os interessados se cadastram. Claro que a gente vai fazer campanhas para que isso aconteça”, explica Giovana.

“Em anos anteriores, quando eu já trabalhava na Funalfa e no Departamento de Cultura, assumíamos o papel de produção e curadoria dos eventos, mas hoje, com menos verba, é muito mais justo que mais pessoas possam ter acesso a esse recurso”
Giovana Bellini
Diretora do departamento de Acesso à Cultura

Um diretor para todos os espaços

Localizado na região Central da cidade, com diferentes possibilidades de estacionamento e contando com um acervo curioso sobre a história do trem na região, o Museu Ferroviário foi ressignificado nos últimos anos, após Luiz Fernando Priamo assumir a gestão do equipamento, dinamizando suas atividades e atraindo público para o lugar. No novo organograma da Funalfa, Priamo responde, agora, por todos os outros espaços culturais da Prefeitura. O artifício ajuda a driblar a impossibilidade de o município criar novos cargos de direção para os novos equipamentos, como o Centro Cultural Dnar Rocha e o Teatro Paschoal Carlos Magno. Atualmente, um servidor foi lotado em cada espaço, demandando o novo diretor de departamento.

“É quase um consenso de que ele (Priamo) revitalizou o museu, tudo com gestão, não teve investimento financeiro. Foi o pensamento e a filosofia dele que determinaram como aquele espaço deveria se portar, como deveria se abrir para a cidade e para a classe. Pegamos todas as características micro dele e tentamos multiplicar para todos os outros equipamentos. A gente ganha vigor em todos os equipamentos”, garante o diretor geral da Funalfa Zezinho Mancini.

Frequentador desde a infância de locais como a Biblioteca Municipal Murilo Mendes e o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, Priamo espera retornar aos espaços o que esses locais representaram para ele. “Não é a primeira vez que enfrentamos uma baixa na questão financeira e, como público, nunca deixei de receber cultura em qualquer momento nesses espaços. Então, quem veio antes de mim certamente não necessitou só de verba para fazer acontecer, tiro isso como exemplo”, diz. “A criatividade é essencial para enxergarmos as soluções em situações que parecem impossíveis. No caso da falta de verbas, o nosso papel é compartilhar com os produtores e o público o pensamento e a execução de frentes de ações diversas.”

De acordo com o diretor do departamento de espaços culturais, serão consideradas as singularidades e as necessidades de cada casa. “Para cada tipo de caminhada, utilizamos um calçado diferente”, reflete, certo da urgência de um planejamento detalhado sobre metas e ações. “Os eventos diversificados, as iniciativas que tiram o espaço da inércia, a ampliação de horários de funcionamento são artifícios simples, mas que caminham junto à demanda da população que anseia por cultura e lazer”, defende.

“O que os espaços necessitam em comum hoje é planejamento e estratégias colocadas em papel e projetadas para um prazo médio. Pensar o futuro através de prevenção nos poupa o trabalho de correções futuras.”
Luiz Fernando Priamo
Diretor do Departamento de Espaços Culturais

‘Ela custa mais para existir do que para ser’

Em tempos de reordenação, a Funalfa aguarda a regulamentação da lei de transferência do potencial construtivo, que deve ampliar a demanda Divisão de Patrimônio Cultural, hoje subordinada ao departamento de espaços culturais. “A equipe é enxuta demais para uma demanda que tende a crescer. Comparando a outras cidades onde isso aconteceu (houve a adesão à lei do potencial construtivo), existe a possibilidade de haver uma demanda oposta, já que os proprietários devem pedir para tombar por enxergarem perspectiva financeira. Se hoje temos cerca de 200 imóveis tombados, a tendência é que isso cresça aceleradamente”, aponta Zezinho Mancini, pontuando sobre a necessidade de futuras mudanças.

Ainda que o meio seja burocrático, e por consequência moroso, a cultura oferecida pelo Poder Público exige algum dinamismo, substantivo capaz de enfrentar o verbo contingenciar. “Há um monte de ações focadas em enxugar custos para haver mais recursos para a Funalfa. Falamos com frequência sobre a Funalfa ter um custo altíssimo de manutenção, deixando um recurso pequeno para execuções. Ela custa mais para existir do que para ser”, analisa o diretor geral, repercutindo o que é realidade não apenas na fundação, como em toda a Prefeitura e Governos estaduais e federal. Movimentar-se deve ser a única solução sobre o que fazer diante de tão angustiante cenário.

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