
O inclassificável cronista do grotesco, Rogério Skylab está em solo juiz-forano. Com mais de 30 anos de carreira e uma trajetória marcada pela experimentação artística nas mais diversas áreas, Rogério retorna a Juiz de Fora, cidade que ajudou a moldar sua identidade artística que mistura filosofia, música, poesia e, mais recentemente, literatura. Ele desembarcou na cidade na última quarta-feira (23) para uma série de atividades concentradas na Versus. É lá que ele lança seu primeiro livro de ficção, “O homem-urubu”, nesta quinta-feira (24), em um evento aberto ao público no Centro Cultural Seila Neves. Já na sexta-feira (26), sobe ao palco da casa para realizar um show a partir das 21h. Mais cedo, durante a manhã e tarde de sexta, Rogério e banda entram em estúdio também na casa de shows para gravação de um novo disco.
Skylab esteve na redação e falou com a Tribuna. Em entrevista, conversou sobre sua relação com Juiz de Fora, o novo livro, processo criativo, política, juventude e o ritual dos seus shows.
Leia a entrevista completa com Rogério Skylab
A sua história com Juiz de Fora é antiga. Em 1983 você participou da primeira edição do Festival de Rock no Sport junto com nomes de peso da época. Como foi essa experiência? E como nasceu essa sua relação com a cidade?
Minha história com Juiz de Fora é ela. (Aponta para Solange, sua esposa.) Ela morava aqui e eu vinha muito pra cá namorá-la. Inclusive, acredito que meus primeiros shows ocorreram aqui em Juiz de Fora. Antes de 1983, antes do festival, eu já tinha feito alguns shows aqui em Juiz de Fora. Mas o festival foi um grande festival, né? Raul Seixas, Erasmo Carlos, Lobão, Cazuza… Foi uma coisa muito forte. Na época, eu não tinha nome para participar de um festival desses, eu só participei por causa do Marcos Petrillo que foi o organizador. Ele era muito meu amigo, a gente escrevia junto na Bizzu, que era uma revista, aí ele me chamou. Na época eu morava em Salvador. E aí eu vim e cantei. Cantei duas músicas. Mas foi um festival muito interessante, porque, além dessas grandes estrelas, teve toda uma cena punk. A cena punk no Brasil estava começando naquele momento.
Você foi batizado aqui, não é isso?
O meu nome artístico nasceu aqui em Juiz de Fora, em um show que eu fiz no Bom Pastor. Havia, em um clube no bairro, um festival de música popular com premiação de primeiro lugar, essas coisas todas. E o Marcos (Petrillo) estava comigo. Então a gente conversou com a organização para que, naquele espaço, em que esperava-se o resultado e quem ia ganhar e quem não ia, eu entrasse e fizesse um show. E eu fiz esse show com um personagem folclórico aqui de Juiz de Fora, que é o Big Charles. Foi um show histórico, eu cantei uma música chamada “Samba do Skylab”. E foi a partir daí que as pessoas começaram a me chamar Skylab, então foi a partir daí que esse apelido surgiu. Eu fui batizado aqui.
Que outros momentos de shows em Juiz de Fora também te marcaram?
Houve muitos. Shows na sala azul da Academia, na Funarte, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no Bernardo Mascarenhas. Teve um com o Jorge Mautner no gramado da UFJF, com o Itamar Assumpção no baixo. Vi e vivi uma cena cultural muito viva aqui.
Em 2022 você fez um show na cidade e, no mesmo ano, fez um tweet, que viralizou muito aqui entre os juiz-foranos, falando sobre a cidade, que gostava muito daqui e que moraria aqui. Esse sentimento continua?
Continua. Quer dizer, eu tenho, assim, eu não sei se eu moraria aqui, porque eu sou muito carioca, sabe, cara? Então assim, eu não sei se eu moraria aqui, mas eu me acostumei e gosto muito de vir para cá. Eu gosto daqui, tem um clima tranquilo, uma tranquilidade especial.
Nesse mesmo tweet, você fala que conheceu o seu amor aqui. Como foi esse encontro e qual a importância de Juiz de Fora nessa história?
Eu conheci ela em Palma, em um festival de música que aconteceu em um campo de futebol. Eu me apresentei lá e foi ali que eu a conheci, porém, nessa ocasião, ela já morava em Juiz de Fora. Foi assim que eu comecei a frequentar mais a cidade.
O que o público pode esperar pro show de sexta-feira? Estamos em mês de comemoração dos 60 anos da TV Globo, “Fátima Bernardes Experiência” estará no setlist?
Vai ter, vai ter (risos). Eu tenho um repertório muito extenso, tenho uma discografia extensa, entendeu? Para lá de 30 discos, sabe? Muita música produzida nesses 30 anos de carreira e tal. Mas eu sou a favor de que cada artista tenha a sua marca. Por exemplo, o show do Jorge Ben Jor, ele não pode deixar de cantar certas músicas.
O meu show tem uma estrutura única. Nessa estrutura única, eu tenho músicas que eu vou repetir sempre. Porque fazem parte da “marca Skylab”. Eu vou cantar sempre “Matador de passarinho”, “Você vai continuar fazendo música”, são músicas que fazem parte da minha marca e que eu vou cantar sempre, canto com muito prazer. Então, eu posso variar uma música ou outra. Dentro de um universo de 25 músicas, eu posso variar umas quatro, cinco. Mas o restante é a marca.
Agora, é um show porrada. É rock. Não é banquinho e violão. É guitarra, baixo e bateria. Tenho uma estrutura fixa de show. A molecada quer cantar, dançar, repetir. É um ritual.
E uma coisa curiosa que eu vou te falar de primeira mão, que talvez você não saiba. Eu, na sexta-feira, dia do meu show, na parte da manhã e tarde, eu vou estar gravando gravando com a minha banda um disco novo nos estúdios da Versus. Eu termino a gravação e vou fazer o show. E você veja, são músicas novas. Tudo música nova.
Como é esse ritual?
A repetição é fundamental. O show não é racional, é físico, é tribal. Como o teatro. Como uma missa. Só por meio do ritual se atinge o êxtase.
Em uma entrevista de 2002 você dizia que “a inspiração vem da inércia”. Agora, mais de 20 anos depois, essa fala ainda guia seu processo criativo?
Claro. Eu não acredito, pensando em Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, eu não acho que eles sejam pessoas ativas. Para você produzir música, poesia, você tem que ter uma certa indolência. Uma pessoa muito ativa não vai ser compositor. Para ser compositor, você tem que ter um certo estado de espírito. A preguiça, a inércia, tem um sentido positivo. As coisas práticas não funcionam. Um criador não pode ser muito prático, a criação vem da indolência. O criador precisa de tempo ocioso. Só assim ele cria. O intelectual tem que ter uma certa preguiça para ele produzir, é uma coisa contraditória, mas, para ele produzir, ele precisa ser preguiçoso.
Recentemente, apesar da gente ver uma nova onda crescente de conservadorismo entre os jovens, muitas pessoas das gerações mais novas têm conhecido você agora, muito por conta de viralização nas redes sociais. Como você enxerga isso?
Eu tenho muito fã bolsonarista. Eu, pessoalmente, sou de esquerda, escrevi o “Lulismo selvagem” (livro), que é um mergulho na esquerda. Mas no show, não falo de política. Não é lugar pra isso. Meu público é aberto, imprevisível.
Por exemplo, o que o Nasi (da banda Ira!) falou no show dele foi uma grande bobagem. Eu discordo. Claro, não à anistia, óbvio. Certas coisas na esquerda são tão óbvias que, quando eles ficam repetindo essa obviedade, a gente fala é nhenhen. “Não à anistia”, é óbvio que é não à anistia, mas eu jamais vou falar isso no meu show. Jamais. Eu posso estar falando isso para você aqui, como cidadão, mas no meu show é uma outra história.
Eu estou envolvido nas minhas músicas. E sei que ali, entre quem está me ouvindo, que mestá gostando, quem está aplaudindo, tem muito pessoal bolsonarista, de direita. Agora só faltava eu, no meu show, fazer discurso político. Não-anistia. Fora Bolsonaro. Jamais vou falar isso. Então, às vezes, esse pessoal (que fala isso em show) eu diria que é uma esquerda ingênua. Pessoas que ficaram e se formaram em butiquim. De fato, não é a esquerda que a gente precisa de discutir grandes ideias. Você não tem controle do público.
Por que?
Quando você lança uma mensagem, uma música, a interpretação desse negócio é absolutamente aberta. Você não tem controle da recepção do seu trabalho. O artista não tem controle sobre a recepção do seu trabalho. É uma coisa absolutamente sem controle. Então, eu tenho consciência disso.
E como é que você vê essa recepção de um público jovem que está conhecendo o seu trabalho agora, muitas vezes pelas redes sociais, sendo que você já tem muitos anos de carreira? Como é essa recepção?
Isso daí é uma coisa impressionante. O meu público é eminentemente jovem. Eu tenho 68 anos de idade, mas eu não tenho público com 68 anos. O meu público é de 18, 19, 20 anos. Esse é o público. O que eles querem não é ouvir uma música nova. O que eles querem é cantar e dançar. Eles saem totalmente molhados do meu show. Isso também é uma forma de explicar aquilo (do setlist), eles não querem ouvir nada novo, eles querem reouvir. Eles não querem ouvir pela primeira vez. Eles querem reouvir, cantar e dançar. É isso que eles querem.
Recentemente, você lançou o “Homem-urubu”, é o seu primeiro livro de ficção, né? Fala mais dele para gente. Quais suas inspirações e como foi esse processo criativo?
Eu decidi por esse formato de livro, que não é um formato tradicional. É um formato meio entre o grandão e o menorzinho, de bolso. Não é bem de bolso, mas é um livro que você pode manusear bem na mão. É um livro de contos. É o meu primeiro livro de ficção. Eu tenho cinco livros publicados. Desses cinco, dois são de poesia, dois são de ensaios. Um de ensaio político e outro de ensaio musical sobre a canção brasileira. E tenho outro livro de crítica literária, baseada no Henry James. Então, esse é o primeiro livro ficcional.
A minha grande inspiração, não que eu comungue do pensamento deles, porque já passaram muitos anos, são os modernistas. Os modernistas, estavam muito ligados a essas ideias que surgiam, novas, experimentais, de vanguarda. Quando você me pergunta qual a minha grande influência, eu vou dizer eles. Ainda que eu ache que o pensamento deles não seja preponderante para mim
Mas por que eu acho que eles são importantes? Porque eles são, de fato, intelectuais. Intelectual no sentido clássico do termo. Eles experimentaram todos os gêneros que você possa imaginar. Eles escreveram livros, ensaios, discursos, críticas literárias, romances, contos, crônicas… Então, para mim, o grande germe está no Mário e no Oswald de Andrade, no início do século 20. Porque eles, de fato, eram uma figura do intelectual clássico, que queria experimentar diversas formas de linguagem. E, hoje, isso acabou.
Você falou que é um livro de contos. Tem alguma temática que liga esses contos?
Você veja aí no sumário quantos contos que está escrito o homem urubu, o homem invisível, o homem… Eu acho que talvez por aí há um rastro para você tentar entender esse livro. Quer dizer, é o homem visto de fora. Não é o homem visto por dentro, é o homem visto de fora. Mas o homem urubu é muito interessante porque o homem urubu é muito baseado em Kafka. Ele está contando a história de uma pessoa que nasce na lixeira e se transforma em um urubu. No lançamento eu vou ter um bate-papo com o público, vai ter noite de autógrafos e o livro estará a venda com desconto.
Rogério, 68 anos de vida, desses, mais de 30 de carreira. Você vai continuar fazendo música?
Vou continuar, cara. É impressionante. Não tem mais como fugir disso. Eu acredito que o ser humano é uma pessoa viciada. A maior característica do ser humano é o vício, sabe? É o vício, o vício por droga, o vício por literatura. É o vício. Você também pode traduzir essa palavra por obsessão. É impossível ser um artista se você não for obcecado por alguma coisa e eu sou completamente obcecado disso em produzir música. Criar música. Compor música. Então, por exemplo, eu estou já com vários projetos em vista para lançar. Vários músicas novas, algumas que serão gravadas na Versus nessa sexta, como te falei. A minha obsessão é isso: é produzir música.
Mas o que é a música para você, então?
Pois é… a música, no meu caso, é um aprendizado. Eu me lembro que quando eu comecei a fazer música eu me achava desafinado, me achava um péssimo cantor. Hoje eu acho que já estou cantando bem. É tudo aprendizado. E compor é a mesma coisa. Se você for estudar música em Berklee, no Instituto Berklee, um dos maiores, você vai sair dali e você vai aprender composição, arranjo, enfim, uma porção de coisas. Mas você não vai aprender a fazer música. Porque é aquele velha frase do Noel Rosa: “Samba não se aprende no colégio”. Não é uma questão teórica. É uma questão prática.
Serviço
Lançamento do livro “O homem-urubu”
Nesta quinta-feira (24), às 21h
Na Versus (Avenida Eugênio do Nascimento 815 – Aeroporto)
Show de Rogério Skylab
Nesta sexta-feira (25), às 23h30 (a casa abre às 21h)
No Centro Cultural Seila Neves – Versus (Avenida Eugênio do Nascimento 815 – Aeroporto)