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Diogo Veiga lança EP que tem como base a música afrocentrada 

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Diogo Veiga aprofunda-se na música afrocentrada, nele mesmo, em seus ancestrais e na sua religião (Foto: Thiago Britto/ Divulgação)
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“Antes da raiz vem a semente.” Diogo Veiga diz essa frase repetidas vezes. Talvez seja esse o motivo de seu primeiro trabalho e, por isso, ele a diz tantas vezes, tanto na entrevista quanto em suas postagens nas redes sociais. É isso que o fez aprofundar-se na música afrocentrada, nele mesmo, em seus ancestrais e na sua religião. E foi isso que o levou a atuar como arte-educador, para atingir a base. Pensar, no agora, no futuro, através, essencialmente, da arte. Tudo isso ele fez desaguar no EP “Egbe tobi obe”, lançado nesta sexta-feira (24), em todas as plataformas digitais. Antes, ele já havia lançado o single “Ijexá pra Oxum”: como uma porta de entrada a esse trabalho sonoro que é apenas o começo.

O EP é composto por quatro faixas que são como temas. Em ordem: “Igbó”, “Ijexá pra Oxum”, “Tema Mbira Dzavadzimu” e “Festa na Comunidade”. Para entender esse trabalho é preciso compreender a própria trajetória de Diogo, que, de certa forma, está inscrita em cada uma das músicas que, juntas, contam uma história.

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Do começo

Diogo vem de uma família com pés fincados na música, principalmente no samba carioca. Ele é sobrinho de Marçal, o mestre de bateria e percussionista que rodou com tantos nomes da música brasileira. Quando Diogo tinha quatro anos, ganhou um tamborim de seu tio para tocar em um show-homenagem que fizeram ao Marçal, com o nome de “Ao mestre, com carinho”. Diogo tocou. “Acho que na hora eu vi que isso era muito bom. Isso, a música.”

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Entre idas e vindas, por tempos, o contato com a música se deu por sua família. “Lá em casa o samba reina”, ele afirma. Mas, mais tarde, o artista se deparou com a capoeira e, principalmente, com a musicalidade dela. E esse foi um ponto inicial: o seu caminho próprio em um terreno fértil.

A música, de maneira profissional, entrou em sua vida já em 2022, quando montou a primeira banda de reggae. “A galera me chamava para uns shows ou para gravações porque sou tecladista. Eu sou o músico que acompanhava as outras pessoas.” Nesse tempo, até passou a compor algumas músicas instrumentais de reggae. Mas se ver como compositor é um entendimento novo.

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“Nunca me achei compositor. Isso está vindo mais por agora.” As músicas que compõem o EP foram feitas por ele em parceria com outras pessoas. A “Ijexá pra Oxum”, por exemplo, é dele com Caru Calixto. “As músicas do EP estão fresquinhas. São bem recentes”, afirma. Pensar nelas partiu dessa sua pesquisa e de um primeiro contato com os instrumentos da música africana. “Cada tema ali foi um estudo. Quando os instrumentos foram chegando para mim, o balafon, por exemplo, eu fui criando metodologias para eu poder estudá-los. E, dentro de algumas dessas metodologias, os temas foram aparecendo. O EP veio dessa pesquisa.”

Percepções e crença

Já são cinco anos que Diogo vem estreitando essa relação, que partiu de sugestão de amigos que viam que seu trabalho como arte-educador ia ao encontro do trabalho de outros que pesquisavam a música africana. O primeiro foi Fábio Simões. Diogo conheceu esses instrumentos através dele e acabou fazendo um curso. “E eu fui procurando outras pessoas. Esses instrumentos fazem uma teia de pessoas.”

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A pesquisa foi abrindo sua mente para assuntos e processos que sempre estiveram ali, mas só vieram à tona a partir desse contato. “Eu, como homem preto, vinha sendo moldado nesse padrão de colonização, desde a estética à simbologia. Quando eu começo a trazer esses instrumentos para apresentar para o pessoal, isso traz a minha raiz preta e meus antepassados africanos. Por isso que eu falo que esses instrumentos me tornam mais pretos. O trabalho vem sendo pautado na musicalidade afrocentrada. Por isso, a importância do tambor, de outros instrumentos que a gente nunca ouviu falar na vida.”

Ele afirma que até demorou a ter esse contato e acredita que isso faz parte de um apagamento colonizador da cultura preta. “A gente ficou vendido. A gente começou a se alimentar das coisas da América do Norte, da Europa, e cada vez menos das coisas africanas, o que acabou com nossa autoestima, inclusive.” Por essa razão, tudo isso tem a ver com o seu trabalho enquanto arte-educador: “Quando a gente aparece com esses instrumentos para as crianças, elas estão adeptas a receber aquilo. O adulto, muitas vezes, não está aberto. As crianças, com carinho, com jeito, com brincadeira, a gente consegue acessar. E são eles que vão fazer o nosso futuro. Antes da raiz vem as sementes. A gente tem que plantar boas sementes, porque, lá na frente, elas vão virar árvores, que precisam dar frutos”.

“Esse EP é uma extensão de alguns trabalhos: capoeira, arte-educação e filosofia de religião. É um modo de expressar isso tudo. E principalmente por causa das crianças”, ele continua. Tudo está expresso nos temas e nas músicas do EP. “O EP conta a história de um jovem caçador. A primeira faixa é o instrumento que o jovem caçador toca.  Aí o caçador encontra água, depois tem um tema mais lúdico, e, por fim, tem a festa da comunidade, um tema mais alegre, com o balafon”, resume. O jovem caçador representa o orixá Oxossi, de quem Diogo é filho. O começo da ideia do EP surgiu junto com a iniciação do artista no candomblé.

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“Difícil vai ser parar”

Henrique Vilella é quem assina a produção, ao lado de Diogo, e quem escreveu alguns dos arranjos dos temas. Para o artista, foi importante contar, nesse processo, com pessoas com as quais ele já tinha uma parceria e entendia o seu intuito com o EP. No estúdio, eles puderam experimentar da melhor forma tanto os instrumentos quanto os coros e as sonoridades para que tudo fizesse um grande sentido. “A ideia é propiciar novas experiências sonoras”, diz Diogo, lembrando que o EP contou com financiamento do Programa Cultural Murilo Mendes.

Isso tudo tem a proposta de ser também uma porta de entrada para outras pessoas que têm interesse na música afrocentrada e ainda para aquelas que sequer ouviram os instrumentos que fazem parte do EP. “A gente, aqui em Juiz de Fora, está abrindo uma mata. Até eu estou querendo saber o que as pessoas vão achar. A primeira música é cantada, tem um swing. As outras são instrumentais e aí a gente vai ver melhor. A gente está abrindo uma mata, com um facão na mão. Ela está fechada, mas está sendo aberta para a gente construir uma casa, para outras pessoas fazerem casa também. Agora que a gente começou, difícil vai ser parar”.

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