Há cinco anos, o grupo Corpo Coletivo estabeleceu para si o desafio de criar um espaço cultural na parte baixa do Centro de Juiz de Fora. Daí surgiu o Espaço OAndarDeBaixo, definido por eles como “espaço antropofágico de criação” que, entre altos e baixos da vida e o drama da pandemia, comemora – mesmo que de portas fechadas para o público – cinco anos de atividades com uma série de ações virtuais gratuitas, que prosseguem até junho.
A primeira delas teve início na última sexta-feira (19), com a estreia da série de videoperformances “Saí do armário #2”, do ator, dramaturgo e “bicha” (como ele mesmo se define) Gabriel Bittencourt, que terá um episódio inédito a cada três dias até 9 de março, com exibição no perfil do espaço no Instagram (@oandardebaixo).
Entre as outras atividades comemorativas estão duas oficinas. A primeira delas, “Fricções ou processo de criação teatral através de provocações”, tem inscrições até 5 de março e terá um total de quatro encontros pelo Google Meet; a outra oficina, “Coragem: presença em público” recebe inscrições até 9 de março e terá seis encontros, no total, por meio do JitsiMeet. O Corpo Coletivo fará, ainda, a exibição da peça-metragem “Vida: relatos de uma mulher só ou quase isso” no dia 27 de março, às 20h, também pelo perfil do grupo no Instagram.
Mais para frente, OAndarDeBaixo realiza, entre 14 e 18 de abril, o festival de arte LGBTQIA+ “O berro que eu dei”. Depois será a vez do lançamento da dramaturgia do espetáculo “7 vidas”, que acontece em 3 de maio, às 20h, também pelo perfil no Instagram. Ainda em maio, do dia 4 ao 29, acontece a “Ocupação virtual d’OAndarDeBaixo”, com espetáculos, leituras e bate-papos que poderão ser conferidos no Instagram, no canal do espaço no YouTube e também pelo Spotify.
Para o mês de junho, estão programadas as “Pílulas teatrais amores improvisados”, nos dias 5, 9 e 12, às 20h, pelo Instagram, e “Performação: mostra de teatro provocativo”, de 23 a 27 de junho, no Instagram e YouTube.
Fora do armário
Primeira atração das comemorações de cinco anos d’OAndarDeBaixo, a série “Saí do armário #2” é inspirada no desejo de Gabriel Bittencourt de pesquisar/apanhar/unir/mostrar/apresentar autores e dramaturgos pertencentes às siglas LGBTQIA+ de Minas. Com a iniciativa, ele também pretende estimular o acesso aos conteúdos LGBTQIA+; potencializar e fortalecer artistas e a produção artística LGBTQIA+ de Minas; reaquecer o mercado teatral do interior; e reconhecer a importância da criação autoral e independente na construção da identidade cultural do estado.
Com todos esses objetivos em mente, Gabriel fez uma chamada para receber trabalhos de autores desse universo de todo o estado. Ele recebeu um total de 25 textos, dos quais foram selecionados sete, e dois já foram exibidos no Instagram do Espaço OAndarDeBaixo; o terceiro será exibido nesta quinta (25), às 20h.
“Para selecionar esses textos, optamos por aqueles que pudessem ser encenados em um tempo de 3 a 5 minutos”, explica. “O objetivo foi de usar cada texto na íntegra e tentar abordar uma maior parte de cidades do estado. Também foi importante a diferenciação da escrita dos textos. Recebemos músicas, poemas, textos narrativos, jornalísticos, espetáculos, contos… Com isso, buscamos essa variedade para me instigar de diversas formas no processo de criação. Outro fator foi a imagem que cada texto me trouxe em relação ao meu crescimento pessoal sendo gay.”
De acordo com Gabriel, os vídeos foram gravados entre os dias 3 e 9 deste mês n’OAndarDeBaixo, onde também se desenvolveu o processo de criação da performance de cada texto. “(O espaço), localizado na parte baixa da cidade, vem sendo referência de arte subterrânea, sendo assim o melhor lugar para a criação do projeto”, afirma. “A preparação de ator foi feita por Hussan Fadel, e direção dos vídeos é assinada por mim e PriHelena.”
Encontrando referências
Sobre as questões que o instigaram a criar o projeto, o artista explica que muito disso se deve às suas origens. “Nascido e criado em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, Além Paraíba, minha vida foi moldada por conceitos conservadores vindos da sociedade e dentro da minha própria casa. Fui crescendo sem nenhuma referência homossexual na minha cidade, nem na área artística e nem em qualquer outra profissão”, relata.
“Com isso, acreditava que tudo que eu vivia/sentia era realmente errado. Com minha vinda para Juiz de Fora, pude conhecer cada vez mais o movimento LGBTQIA+ e sempre usar da minha arte como um porta-voz aos nossos”, acrescenta. “Nós, LGBTQIA+, precisamos ocupar cada dia mais nosso lugar na sociedade e na arte. Assim como a expressão ‘sair do armário’ é uma forma de libertação de valores impostos aos pertencentes dessas siglas, o projeto surge como uma forma de sair do campo das ideias, o armário, e ir para o mundo.”
Para encerrar, Gabriel Bittencourt comentou ainda a necessidade de fazer teatro a partir da perspectiva de isolamento provocada pela Covid-19, que já dura quase um ano. “Penso que o teatro, como a gente costumava a fazer antes, ainda está se reinventando. Seguimos descobrindo novas ferramentas de transpassar através do audiovisual os elementos do teatro, como mudança e pensamento de luz, movimentação cênica, atuação, presença do ator. Em cada experiência de teatro/apresentação on-line tiro uma nova vivência. Por enquanto está suprindo uma necessidade, mas ainda não estou satisfeito por completo sem a presença e o calor do público.”