Um dos grandes desafios de uma cidade que tem no patrimônio arquitetônico parcela importante de sua história é conseguir manter em pé, para a posteridade, as paredes erguidas que são muito mais que um aglomerado de tijolos, reboco e argamassa. Este é o caso de Juiz de Fora, que infelizmente nem sempre consegue vencer a batalha de legar para as futuras gerações construções como o antigo Colégio Stella Matutina e sua capela, o Palacete dos Fellet ou o Casarão do Bispo e a Tecelagem Santa Cruz.
Crise econômica, especulação imobiliária ou a insensibilidade com o patrimônio são alguns dos motivos que resultam na descaracterização de uma cidade, que só pode manter viva na memória ou em fotografias uma Juiz de Fora que se modifica com a passagem dos anos. Ou, ainda, por meio da arte: é o caso do tradicional calendário da Funalfa, que para 2017 é ilustrado com imagens de imóveis que não mais existem. O trabalho de representar essas construções ficou por conta do artista plástico Ramon Brandão, e o calendário já pode ser retirado na sede da Funalfa durante o horário comercial, mediante a apresentação de documento de identidade.
Ramon reproduziu os prédios da cidade, dos mais conhecidos aos anônimos, utilizando as técnicas mistas de tinta a óleo, aquarela, lápis aquarelado e aquarela com acrílica. Além das imagens, o calendário apresenta trechos de textos de poetas e escritores como Manuel Bandeira, Carlos da Rocha e Fernando Fiorese.
“A proposta apresentada pelo superintendente da Funalfa, Toninho Dutra, é voltada principalmente para a arquitetura mais popular. Ainda que tenhamos grandes construções de prédios industriais, escolas, palacetes, também temos os conjuntos habitacionais de operários que faziam parte do imaginário coletivo da cidade”, explica. “E foram desaparecimentos traumáticos, pois eram representativos para a imagem da cidade, como o Stella Matutina, o Palacete dos Fellet – este foi até esquisito, pois um sujeito veio num domingo com uma marreta e derrubou tudo.”
Para fazer a série, Ramon contou com o acervo fotográfico da Funalfa, imagens que garimpou na internet e também diversas fotografias de seu acervo pessoal, feitas entre as décadas de 80 e 90, dos imóveis que foram retratados. “Ao ver as fotos, você se lembra de detalhes que às vezes elas não mostram, mas a memória sim”, ressalta. Ele aponta, ainda, a diferença de trabalhar com a representação de prédios públicos, que geralmente possuem registros sob todos os ângulos, e das construções particulares. “É preciso lançar mão de quase tudo que você tem, inclusive fotos panorâmicas, feitas de avião, que você pode ampliar e ver detalhes que eventualmente a fotografia feita do chão não revela. É o caso de um chalé que ficava ao lado do antigo Cinema Excelsior, na Avenida Rio Branco, onde hoje fica o Edifício Rossi, em que só descobri que havia uma chaminé graças à foto feita do alto”, exemplifica o artista, que lançou em 2013 um livro sobre a arquitetura neocolonial da cidade.
Ao ter a memória despertada por tantas referências de uma cidade que se tornou pó, Ramon Brandão tem carinho especial pela representação da antiga Tecelagem Santa Cruz, em particular a entrada que havia pela Rua Benjamin Constant. “O meu pai era representante comercial, e a tecelagem era freguesa do nosso escritório. Quando vi a foto, me lembrei imediatamente do meu pai, já falecido, mas foi uma lembrança gostosa da época em que trabalhei com ele. Me lembrei especificamente do episódio em que visitamos a fábrica, e eles se tornaram nossos clientes, fui eu quem datilografou a ficha cadastral. Uma boa época, tinha 20 anos e morava perto do Mergulhão.”