O mundo dos quadrinhos, cartuns, teatro, jornalismo, das charges, literatura, audiovisual vai comemorar, nesta segunda-feira (24), os 90 anos de um dos artistas mais polivalentes e inquietos já nascidos no Brasil. Natural da mineira Caratinga, Ziraldo Alves Pinto chega às nove décadas de existência com uma carreira repleta de prêmios, reconhecimento e, principalmente, homenagens ainda em vida.
Entre os eventos que homenagearam Ziraldo pelos seus 90 estão o lançamento do documentário “Ziraldo, Era uma Vez um Menino”, dirigido pela filha Fabrizia Alves Pinto, ainda em dezembro de 2021, e a exposição “Ziraldo 90 – Caricaturas do mestre nos traços de 90 cartunistas”, que fez parte, em setembro, da programação do 49º Salão Internacional de Humor de Piracicaba.
A homenagem em sua terra natal – onde há uma estátua do Menino Maluquinho, inaugurada em 2003 – acontece entre os dias 21 e 30 de novembro, dentro do 17º Salão Internacional de Humor de Caratinga, com uma mostra paralela na Casa Ziraldo de Cultura.
Nascido em 24 de outubro de 1932, Ziraldo chegou a se formar em Direito pela UFMG em 1957, mas foi como chargista, cartunista e ilustrador que se tornou conhecido. Tudo começou em 1954, na “Folha da Manhã” (atual “Folha de São Paulo”), antes de ir para a extinta revista “O Cruzeiro”, em 1957, e mais adiante foi contratado, em 1963, pelo “Jornal do Brasil”. Ziraldo foi, ainda, o responsável pela primeira HQ nacional produzida por apenas um autor, a “Turma do Pererê”.
É dessa época a criação de alguns de seus personagens mais queridos, como a Supermãe, Mineirinho e Jeremias, o Bom. Em 1969, ele foi um dos fundadores do semanário “O Pasquim”, que o levou a ser preso com seus companheiros pelo regime militar. O tabloide foi publicado até 1991.
Mas o seu maior sucesso individual se deu em 1980, quando lançou o livro “O Menino Maluquinho”, que virou revista em quadrinhos e foi adaptado para o cinema, televisão e teatro. Ziraldo também foi um dos fundadores da revista “Bundas”, que tentou reviver o espírito de “O Pasquim” (e que tinha como bordão “Quem mostra a bunda em ‘Caras’ não mostra a cara em ‘Bundas’”) e “A palavra”. Ele ilustrou, ainda, inúmeras capas de revistas, livros e pôsteres, entre tantos outros trabalhos, além de participações em revistas do Brasil e do exterior com ilustrações e charges. Ziraldo também não parou de escrever livros e produzir HQs.
Com uma carreira tão expressiva, certamente Ziraldo influenciou gerações de artistas e acumulou inúmeros admiradores e fãs de sua obra. Por isso, a fim de celebrar os 90 anos do artista, a Tribuna procurou dois artistas para darem seus depoimentos a respeito do polivalente criador mineiro. Um deles é seu conterrâneo, o cartunista, produtor cultural, designer gráfico, editor e jornalista Edra, idealizador e realizador do Salão Internacional de Humor de Caratinga e idealizador/fundador da Casa Ziraldo de Cultura e da Gibiteca Turma do Pererê.
Entre seus 36 livros publicados está “Ziraldo – Ao mestre com carinho”, premiado pelo Troféu HQMix em 2019. Ele também é coautor e organizador do livro “90 maluquinhos por Ziraldo”, lançado este ano e que reúne grandes nomes do humor gráfico e da literatura brasileira, e foi premiado em 2012 e 2016 no Salão de Humor de Juiz de Fora. O outro convidado é o ilustrador, quadrinista e designer gráfico Will, autor de HQs como “Sideralman”, “Mil Léguas Transamazônicas” e “Demetrius Dante”, fã de Ziraldo a ponto de ter iniciado a carreira emulando o estilo do ídolo. Sem mais delongas, aos depoimentos, então.
“Desde o primeiro momento percebi que ele era único”
Por Edra
“Sempre gostei de ler revistas e jornais. Nesta época, já com o dom para o desenho, as ilustrações e charges logo me despertaram uma atenção especial. Logo comecei a fazer os meus desenhos, mas não mostrava para ninguém e engavetava tudo. Na medida em que fui me aprofundando no assunto passei a distinguir melhor a qualidade de um trabalho para o outro.”
“Foi quando, antes mesmo de saber que ele também era de Caratinga, deparei com um desenho do Ziraldo… BROHWMMMM!!!! Foi aquele impacto! Que plasticidade! Pareciam brotar das páginas com uma estrutura arrojada, enquadramento, perspectivas, luz, ângulos. Os balões, as onomatopeias, as letras totalmente de estilo próprio. E nos desenhos das mãos, quanta expressão! Encantei-me, e quanto mais eu ia conhecendo sua produção logo percebia que estava entrando num universo de criatividade e diversidade que não teria fim, conforme não teve mesmo.”
“O cara é de uma expressividade de talento enorme, e entre outras áreas que aventurou se arriscar nunca foi mais um, sempre se colocou na prateleira de cima em todas elas, simplesmente em todas! Mudou todo o meu conceito de histórias em quadrinhos quando passei a acompanhar as aventuras da Turma do Pererê. Na adolescência deparei-me com ‘O Pasquim’, outra grande identificação. Daí por diante, passando por ‘Flicts’ até chegar ao ‘Menino Maluquinho’, fui me acostumando a constantemente ter conhecimento de uma nova produção sua, sempre com sucesso!’
“Ao longo da minha vida, o multifacetado artista me inspirou e procurei levar a minha arte com o profissionalismo que eu enxerguei nele. Contudo, não tive nenhuma influência do mestre em termos de estilo ou traço. Desde o primeiro momento percebi que ele era único, distante anos-luz de quase todos os outros. Isto, pra mim, foi muito positivo, não carreguei esta carga comigo. Tracei, literalmente, o meu caminho e conquistei o meu espaço.”
“A primeira homenagem aconteceu no 1º Salão de Humor de Caratinga, em 1998, dando o nome ao troféu destinado aos premiados do evento. Nos anos seguintes foi instituído com a denominação de Troféu Pererê. No 6º Salão de Humor de Caratinga, em 2004, quando ele conheceu pessoalmente o evento, ficou encantado e passou a fazer todos os cartazes. Fomos parceiros na cartilha ‘Como são feitas as leis’, e ao aceitar o convite de participar na coautoria em dois livros que eu organizei (“Uma ‘doze’ de Humor Mineiro” e “Ninguém Segura Caratinga”), ele voltou a demonstrar entusiasmo e satisfação com o resultado da parceria, que perdurou com um grau de total confiança por parte dele para com os meus projetos a ele apresentados.”
“Quando voltei para Caratinga, com experiência profissional e possuindo uma maior noção do que representava o Ziraldo e o valor de sua obra para imprensa, literatura e educação do nosso país, eu não aceitava o fato de que aqui na nossa cidade não o enxergasse com o mesmo prisma. Nenhuma referência ou homenagem me incomodava muito. Arregacei as mangas e criei a Casa Ziraldo de Cultura.”
“Em 2018 lancei, pela Melhoramentos, o livro ‘Zirado 85 – Ao Mestre Com Carinho’, com páginas ricamente ilustradas apresentando a sua vida e obra, intercaladas com caricaturas de 85 grandes cartunistas do Brasil, entre os quais Maurício de Sousa. O livro teve repercussão nacional, sendo inclusive premiado com o Troféu HQMIX.”
“Um dos gigantes da arte gráfica”
Por Will
“Conheci o trabalho do Ziraldo nas páginas da revista ‘O Cruzeiro’, publicação que lia emprestado de meus primos mais velhos. Mesmo sem saber de fato a quem pertenciam, aqueles desenhos foram me encantando e povoando a minha imaginação durante minha infância e adolescência. Com o passar do tempo fui vendo outras coisas e também adquirindo livros que tinham suas ilustrações, e fui conhecendo mais sobre quem era aquele cara.”
“Pode parecer só um jogo de palavras para beneficiar este texto, mas desde pequeno eu sabia que queria ser desenhista; já tinha descoberto que tinha brasileiro fazendo histórias em quadrinhos, e isso me animou a dar meus passos nesse caminho. Ali pelos meus vinte e poucos anos, ainda não profissionalizado, aquele traço ágil e marcante, os famosos ‘pés de ferro’, a técnica soberba, foram minha inspiração, o imitei descaradamente para forjar o meu próprio estilo. Com ele descobri o termo ‘artista gráfico’, estudei com afinco seus desenhos, a composição estética, incorporando o que me parecia apropriado para mim.”
“Ainda muito novo ele ganhou o título de ‘Lápis Mágico de Caratinga’; essa alcunha já prenunciava a sua genialidade de mestre, genialidade essa que se espalhou pelo Brasil e pelo mundo, traçando com lápis, canetas, tintas, letras, designs a trajetória que o levou a se tornar um dos gigantes da arte gráfica.”
“Sua marca é inconfundível, ela pode ser vista por aí em quadrinhos de saci, cartazes de cinema, em ‘O Pasquim’, na exposição ‘O pipoqueiro na esquina’, em murais, capas de livros, cinema, teatro, na Supermãe, no livro ‘O bichinho na maçã’ e um ‘zilhão’ de outras coisas. É uma marca deslumbrante e desbundante, sempre com muita graça e elegância, de A a Z.”
“Ziraldo é o Bom, é Maluquinho, é Mineirinho, é Flicts, é Zerói!”