Em cartaz desde o começo do mês, o filme “Predestinado” tem lotado as salas de cinema. É uma biografia, de produção independente, sobre a vida de Arigó: um dos médiuns mais conhecidos do Brasil, que supostamente reencarnava o espírito de Doutor Fritz e milagrosamente curava os fiéis que enchiam sua casa em Congonhas. Além de pessoas de vários lugares, até cientistas da Nasa ele atraiu, que vinham a Minas Gerais para estudar o fenômeno. Anos depois, nem os personagens envolvidos existem mais, muito menos a Congonhas ou a Belo Horizonte de meados do século passado. Como para o cinema tudo é possível, essa história foi gravada para ser contada na Zona da Mata, mais especificamente em Rio Novo e em Cataguases (apenas uma cena foi realmente gravada em Congonhas, e outra, no interior de uma igreja em Tiradentes). Além disso, o filme contou com a atuação de pessoas da região que, agora, ocupam as telas dos cinemas brasileiros.
Essa integração e a possibilidade de fazer com que Rio Novo fosse Congonhas, e Cataguases, Belo Horizonte, foi graças ao Polo Audiovisual da Zona da Mata. A proposta do projeto é a de promover o desenvolvimento econômico da região a partir das produções audiovisuais. Em uma feira em 2017, em Belo Horizonte, integrantes do Polo apresentaram a proposta de repensar a locação e transformar o interior de Minas em um set de filmagens. O produtor de “Predestinado”, Roberto D’avila, estava nessa feira e ficou interessado, já que o problema para a gravação do filme que ainda era ainda uma ideia era exatamente a falta de locação. A partir daí, surgiu a parceria que envolveu as cidades e seus habitantes.
“A gente estava provando que é possível fazer filme em qualquer lugar, e que o interior de Minas Gerais tem tudo o que é necessário para receber as gravações e realizá-las a céu aberto, por causa da arquitetura, das matas, da preservação de várias casas. É a mágica do cinema”, afirma César Piva, diretor-presidente do Polo Audiovisual, que teve em “Predestinado” sua maior produção. Foram necessários 130 profissionais de produção, mais 60 atores e atrizes e cerca de 1.200 figurantes locais, além de outros fornecedores e prestadores de serviço da região. A escolha por movimentar as pessoas da região foi também uma forma de mobilizar os moradores na realidade de uma filmagem, que aconteceu em 2018, e de forma que também elas sentissem o impacto da produção ao receber em casa o filme.
Oportunidade de estar na grande tela
Para completar o elenco de apoio, foi feita uma seleção com atores experientes e ainda os que não tinham experiência, também com foco na Zona da Mata. O processo foi divulgado pelos meios de comunicação das cidades e passado de boca a boca. Luma Schiavon, por exemplo, que já tinha sua carreira como cantora, ficou sabendo através de uma rádio em sua cidade, Rodeiro, dessa seleção. Até então, ela nunca havia tido uma experiência profissional no audiovisual e viu a oportunidade de iniciar no ramo.
Ela fez o teste para ser a tradutora do núcleo do cientista da Nasa e conseguiu o papel. “Foi tudo muito surreal. Porque, como eu nunca tinha participado de nenhuma produção no cinema nem nada, além dessa novidade de participar de uma produção, como atriz, pela primeira vez, ainda tinha esse plus de ser uma superprodução. A gente está vendo agora uma produção imensa. A sensação era a de que eu estava saindo da realidade para um mundo completamente diferente e incrível. Eu comento que aprendi em três dias coisas que talvez eu demorasse a vida toda para aprender. Foi muito intenso, muito produtivo.”
Vinícius Cristóvão fez o teste para viver um repórter, mas, por fim, o próprio diretor identificou que seria melhor que ele fizesse o médico que atendeu Arigó na cadeia. Para além da grande produção, ele também pontua a oportunidade de poder aprender com atores que já estão atuando em grandes filmes há tempos, como Danton Mello, que fez Arigó, e Juliana Paes, que atuou como a esposa do médium. Assim como Luma, suas cenas foram gravadas em Rio Novo. “Foi muito especial naquele momento. Vamos colocar que foi o grande momento antes da pandemia, antes de estourar todas as outras coisas.”
Fafah Ramus interpretou uma das pacientes operadas pelo médium. Ela conta que a produção é tanta e move tantas pessoas que, na hora, surge até uma dúvida: “Será que isso vai dar certo?”. Ela ficou um dia inteiro com o olho tampado. “Por mais desconfortável que estivesse, o melhor era estar ali. É intenso, é muito trabalho, e uma ótima experiência. E o interessante é como a cidade toda parou para isso e se movimentou para isso. Por mais que tenha tido esse lapso de tempo, eu lembro de cada detalhe. Eu fui ver o filme e é impressionante o trabalho pronto. É mesmo mágico.”
Ver-se em uma tela grande é uma sensação à parte. Leandro Ruhena, que deu vida ao escrivão na cena do julgamento de Arigó, sente-se emocionado por poder levar isso consigo. “A sensação de entrar na sala do cinema e numa fração de segundos passar de espectador para a tela foi emocionante.” Mas, mais que isso, reconhece que o ganho é, também, para a região. “Tem muita gente qualificada na região. Isso para o produtor de elenco também é importante: ter material humano de qualidade nas cidades de gravação. É fundamental pra gente, pois surgem oportunidades, abrem portas. E poder estar ao lado dessa turma fera, contando essa história, foi lindo demais.”
Produção como vitrine
Para o Polo Audiovisual da Zona da Mata, essa produção é como uma vitrine de funcionamento, de um modelo de negócio do setor criativo que movimenta toda a região. Foi também uma oportunidade de ver um filme lotando os cinemas em um sentido oposto das produções independentes brasileiras: “Predestinado” foi direto para as salas de exibição, sem participar de festivais. “Nada é natural. Tudo isso envolve um trabalho longo que ainda não terminou”, conclui César, que, comemora a decisão da Academia Brasileira de Cinema de indicar o filme “Marte um”, da produtora Filmes de Plástico, como o representante do Brasil no Oscar. Ele foi um dos selecionados pelo Polo, junto com a Ancine, em um edital para a distribuição do filme.