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150 anos de Santos Dumont: sandumonenses falam sobre relação com o Pai da Aviação

Estatua Santos Dumont Leonardo Costa
Sheila e Bruno Santos Dumont Foto Leonardo Costa
Sheila Naves e Bruno Ramos idealizaram e criaram a Petit Dumont, primeira loja brasileira dedicada a Santos Dumont (Foto: Leonardo Costa)
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Observando cada canto da cidade, é mesmo como se Santos Dumont tivesse passado maior parte da sua vida por ali, no lugar que até leva seu nome – onde, na verdade, passou poucos anos. A avenida principal é rodeada de menções ao seu filho mais próspero, aquele que encurtou as distâncias. E até se dá um jeito de fazer com que aquele ambiente seja realmente o seu, o mais próximo, dadas as devidas proporções, ao lugar onde ele fez a vida. Uma réplica do 14-Bis bem na entrada da cidade cortada pela BR-040, outra da Torre Eiffel com um dirigível ao lado, atrás de seu busto, ganham novos significados sobretudo nessa época, em que se comemora os 150 anos de Santos Dumont. Os turistas analisam esses detalhes; param para tirar foto com o monumento; sentam-se bem ao lado da estátua do Pai da Aviação colocada na praça principal da cidade – coisas que, durante o ano, simplesmente fazem parte da paisagem do lugar.

O turista tem mesmo aquele olhar curioso para o espaço novo. Observa, às vezes, coisas que o morador por essência não encontra. Mas tem coisa que só o morador sabe encontrar, de fato. A vontade, na verdade, é fazer com que as menções sejam ainda maiores. O desejo de reafirmar aquele lugar como o lugar onde nasceu Santos Dumont é muito maior que o que já existe: é um esforço coletivo compartilhado por diversos sandumonenses que resguardam e contam a história e a memória de Santos Dumont, para além das datas comemorativas. Isso porque as vidas da cidade estão entrelaçadas pela história dele, em maiores ou menores proporções.

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“Um ícone da cultura pop”

A Casa de Cabangu, lugar onde Santos Dumont nasceu, que, hoje, é um museu, guarda parte de sua história através das mobílias que recriam o cenário, bem como apresentam algumas de suas invenções – ao mergulhar na história do mineiro de nascença, percebe-se que sua genialidade vai além mesmo do 14-Bis. Mas lá, seu rosto é raramente recriado. A história é contada pelo lugar. Já na Petit Dumont tudo ali faz menção à sua vida através de seu rosto e suas marcas registradas: o chapéu, o bigode e o colarinho. Sheila Naves cresceu indo de maneira recorrente à casa de Santos Dumont para fazer passeios. Seus pais é que contavam o motivo de todo o alvoroço em cima do nome de Santos Dumont. E essa história ficou no imaginário da ainda criança de maneira que, aos 15 anos, sua festa de aniversário foi feita lá. “Eu vejo como isso faz parte da minha infância e da minha criação”, assume. Mas ela foi percebendo que, com o passar do tempo, essa história e essa ligação com Santos Dumont foram sendo perdidas. Ela, já mais velha, tinha vontade de fazer com que houvesse ainda mais lugares que fossem associados a ele. Ouvia que sua imagem não vendia. Mas foi aí que ela teve o desejo de comprovar: “Vende, sim”.

“Eu sempre falei que aqui precisa identificar Santos Dumont, se sentir abraçado por Santos Dumont, pensar mesmo que está na cidade do Pai da Aviação. E eu queria que a pessoa vestisse a camisa de verdade, com uma coisa realmente bonita. E por isso que a gente passou a trabalhar as imagens”, conta, sobre a idealização da Petit Dumont. Sheila começou a rabiscar as ideias que tinha e chamou Bruno Ramos para a ajudar a pensar nos produtos e criar a Petit Dumont. “A gente tomava café, passava noites fazendo as coisas”, afirma Bruno, designer gráfico responsável pelas estampas que trazem o Santos Dumont de maneira mais contemporânea. Esse era, inclusive, um desejo compartilhado pelos dois: aproximá-lo da nova geração a partir da loja. “As pessoas da cidade puderam aproximar da imagem de Santos Dumont. É um trabalho de aproximação e resgate da memória. E fazer dele um ícone da cultura pop”, admite Sheila, dois meses após a inauguração da Petit Dumont.

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Do chão ao teto, tudo faz menção a ele. São diversas camisas, imãs, canecas, objetos decorativos, quadros e até seu totem que dá as boas-vindas ao cliente. A Petit Dumont é a primeira loja brasileira totalmente dedicada a Santos Dumont, o que fez com que, em pouco tempo, eles fossem reconhecido no Brasil, tendo sido chamados para fazer seu lançamento em Belo Horizonte. E foi lá que eles entenderam que a loja daria certo, mesmo em uma cidade que ainda não desenvolveu amplamente o turismo relacionado ao tema. “A gente é daqui, tinha que ser aqui. E depois a gente pode até sair, abrir filiais. E, posso te falar: Santos Dumont é pop, admirado, conhecido em todos os lugares. Quando a gente chega com esse totem, parece que é ele que chega”, brinca Sheila.

Laurete Godoy, conhecida como embaixadora de Santos Dumont, sabe de cor os seus feitos (Foto: Leonardo Costa)

“Santos Dumont nasce junto com a gente”

Além dos itens fabricados por Sheila e Bruno, o lugar atrai os entusiastas de Santos Dumont do Brasil (e do mundo) todo. Chegando lá, na última quarta-feira (19), um grupo estava reunido falando, exatamente, de Santos Dumont. Entre eles, Léo Barroso, sandumonense radicado em Juiz de Fora responsável por idealizar, junto com Avani Fátima Fernandes e Wesley Introvigne, o álbum de figurinhas que conta a história de Santos Dumont para as crianças, e Laurete Godoy, conhecida como a embaixadora de Santos Dumont, por defendê-lo em um programa do SBT. Ela é de Santos, São Paulo, mas por pesquisar e escrever sobre ele ganhou o título de cidadã honorária. “Eu digo que sou original de Santos, mas genérica de Santos Dumont.” Ela fala com orgulho do homem que considera “o gênio mais elegante da história”. Conta seus feitos de cor e não se importa tanto que a memória de Santos Dumont não seja tão difundida. “O produto mais perecível é a notícia. Por isso que as coisas são esquecidas. A gente não tem que fazer drama. É isso. Mas sempre tem alguém que sabe a história e se dedica a contar e a guardar porque sabe que é bom e importante. Temos que criar uma energia de alegria.”

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Parece que esse medo é mais compartilhado entre os sandumonenses. Porque eles cresceram na Casa de Cabangu ouvindo as histórias daquele que nasceu ali, e perceberam que, com a nova geração, não acontece isso. Tanto que Léo fez o álbum também nesse esforço que renovar e compartilhar essa história. “Eu tinha 3 anos e tinha uma professora entusiasta de Santos Dumont. No final do ano, os alunos desenhavam coisas relacionadas a ele e ficava no colégio. Na época, eu desenhei o 14-Bis. Mas isso (essa tradição) se perdeu. A gente, como sandumonense, tenta trazer isso de volta. São muitas pessoas que trabalham nesse sentido. Isso mexe muito com a gente. Primeiro porque ele era um visionário, à frente do seu tempo. E segundo porque a importância de Santos Dumont nasce junto com a gente. É impressionante como a gente vive essa história. É muito significativo esse fato. E a história dele, quando você mergulha um pouco e vê os ideais, é muito inspiradora.”

Réplica do 14-BIS passou por um trabalho de restauração e será reinaugurada neste domingo, também em comemoração aos 150 anos do inventor (Foto: Divulgação Senai Juiz de Fora)

“É importante ser permanente”

Também nesse esforço está, e sempre esteve, Vander Montesse. Lá em 1999, quando era professor de uma escola profissionalizante mantida pela prefeitura, foi um dos responsáveis pela confecção da réplica do 14-Bis posta na Praça Bagatelle. Em 2001, foi ele também que realizou as réplicas da Torre Eiffel com o dirigível. E em 2003, já como diretor da instituição, foi responsável pela restauração do monumento na praça. Depois, como secretário de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, continuou com esse trabalho com a memória de Santos Dumont. Agora, como diretor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de Juiz de Fora (Senai – JF), trabalha no restauro da réplica para as comemorações dos 150 anos de Santos Dumont, que será reinaugurada neste domingo (23).

A vida dele, em diversos momentos, esteve ligada à de Santos Dumont, e ele percebe mesmo que a ligação dos sandumonenses com o Pai da Aviação vem diminuindo. “Quando a gente fala de Santos Dumont para além da aviação, fica ainda mais desconhecido”, afirma. Para ele, é mesmo interessante que seu nome seja relembrado em datas comemorativas que fazem surgir um sentimento patriótico. “As datas comemorativas trazem uma intensificação desse assunto e fazem surgir um sentimento patriótico, e aí há um ganho, com certeza, e um aumento do interesse pela história. A minha preocupação é que o pós-evento, às vezes, não consegue ser alimentado da mesma forma que esse boom que a gente alcance agora. Isso não se sustenta com o tempo, e talvez o nosso desafio seja esse. As comemorações chamam atenção. Mas a gente tem o dever de casa para fazer isso se consolidar e não se firmar como meros espasmos. É importante ser permanente. Isso é fonte de geração de emprego e renda em torno do turismo e da história, e de autoestima dos munícipes por serem conterrâneos talvez do maior inventor brasileiro.”

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Ainda assim, sua parte está sendo feita. “A sensação é muito gratificante, porque é algo que começa a fazer parte da nossa própria história. De alguma maneira eu já tenho esses vínculos e isso faz parte da nossa memória. É uma sensação de dever cumprido, para mim que sou do município, de poder auxiliar nesse processo de resgate da memória e da cultura. E é uma história que a gente começa a carregar para a vida”. Léo Barroso acredita que o caminho para fazer crescer esse interesse é mostrar que Santos Dumont é um homem também do tempo de agora. “O que a gente precisa lembrar é que Santos Dumont não é essa imagem do passado. Ele não tem nada de antigo. Ele é visionário, é uma pessoa que pensa em tecnologia e em vanguarda e quer ir além. Acho que esse sonho de voar a gente precisa usar isso até para levantar a nossa autoestima. A gente precisa disso. E vamos voar, inventar, criar.”

 

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