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Mostra virtual ‘CCBM Rock’ resgata memória de shows e festivais

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Apresentação da banda Scracho, para cerca de 700 pessoas, é um dos marcos dos shows de rock no CCBM (Foto: Hercules Rakauskas)
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Pode-se apontar uma série de motivos para o rock ter perdido espaço e popularidade não apenas em Juiz de Fora, mas também na maior parte do Brasil. Perda de espaço nas rádios; popularização de outros ritmos; uma nova geração de artistas que não atinge o plexo solar do fã; uma geração que trocou a guitarra por samplers, sintetizadores e outros gêneros musicais; bandas que encerraram as atividades, perderam integrantes e não produzem nada de relevante, recorrendo a eternos tributos às próprias carreiras.

Resultado? Não há mais shows e festivais em estádios, os medalhões do passado foram relegados a casas noturnas para duas ou três mil pessoas (nem todas interessadas no show), e as bandas emergentes ou veteranas na independência sobrevivem como podem em espaços que mal comportam cem almas roqueiras.

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Sabemos, todavia, que nem sempre foi assim, e taí a mostra virtual “CCBM Rock” para os veteranos poderem dizer “ah, no meu tempo que era bom”. E, como sujeito que se mudou para jufas em 2014, posso dizer que era bom mesmo. A mostra, que pode ser conferida neste link, reúne os mais diversos registros – entre fotográficos, audiovisuais e gráficos, além de depoimentos – de shows e festivais de rock realizados na Sala de Encenação Flávio Márcio entre os anos 2000 e 2010. A exposição reúne material do acervo da Funalfa, de artistas, fotógrafos, público e também do curador da mostra, o gerente de espaços da Funalfa, Luiz Fernando Priamo.

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E não faltou agitação na época. A Sala chegou a receber cerca de 700 pessoas que dançaram, pularam e cantaram junto a bandas e artistas locais (e de fora de Juiz de Fora) como Scracho, Voz Del Fuego, Soket, Lira, Martiataka, Baranga, Pantera Cor de Rock, Cherry Pie, Verbase, Loud Silence, Glitter Magic, Eminência Parda, Hot Shot, Onze:20, Raul Queixas e Mágoas, Beatles Forever, Super Hi-Fi, Os Mose, Cadillacs, duplodeck, Rowd, Moletones, Ricto Máfia e Desordem e Regresso. Eram nomes que marcavam presença em eventos semanais, mensais ou sazonais como o Festival de Bandas Novas, Mascarenhas Teen, Nossa Música, Mulheres no Volante, Quem Toca Cover Tá Fora e Rock de Natal.

(Aqui vale um parêntese deste repórter sobre o bom momento que o rock independente vivia à época. A menos de 200 quilômetros, outra cidade de médio porte, a fluminense Volta Redonda – onde morei de 1990 a 2014 -, teve entre os anos 2000 e 2012 várias encarnações do festival “Freakshow”, que chegou a ter por alguns anos apoio do governo municipal para realizar edições semanais gratuitas com shows de artistas locais ou não, emergentes, eternamente indies ou que já eram populares, como Detonautas, Cabeça, mim, Jason, Pitty, Los Hermanos, Zumbi do Mato, Mandril, Leela, Autoramas, Wander Wildner, Ack, Matanza, Djangos, Miami Bros etc)

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Dedicado para o público mais jovem, “Mascarenhas Teen” foi o cartão de visitas de várias bandas iniciantes (Foto: Reprodução)

Memórias eternizadas em fotos, vídeos e cartazes

A ideia de fazer a mostra era um projeto que há meses rolava na cabeça de Luiz Fernando Priamo, que não apenas viveu os áureos tempos como espectador mas também no palco, tocando na sua banda de punk e hardcore. Como ele recorda, foi uma década em que Juiz de Fora estava muito forte no cenário rock, com gente organizando evento toda semana, artistas aos montes querendo tocar toda semana e público igualmente aos montes querendo ouvir as bandas… toda semana, fosse no CCBM ou nas casas que abriam espaço para as bandas na época, como The Wall, Chopão, o antigo DCE (Diretório Central dos Estudantes) e o clube Tupi.

“A galera que viveu essa década tem uma memória muito forte (do período), pois era um momento muito favorável; tinha muita banda, público, muita circulação. Pena que o público, que era grande, caiu muito”, lamenta. “Mas foi uma fase muito forte da minha vida. Com a aproximação do Dia Mundial do Rock (celebrado último dia 13), resolvi juntar essa vontade com essa demanda, e foi muito oportuno porque, estando em casa, pude organizar meus arquivos e entrar em contato com as pessoas”, acrescenta, confessando que “não teve um flyer, cartaz” que não tenha guardado da época, além de CDs também. “Fui arquivando isso comigo.”

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Outro grupo que também ficou na memória do público roqueiro foi o Constante Estado de Medo (Foto: Hercules Rakauskas)

Além do material próprio e do acervo da Funalfa, a mostra conta com material enviado por várias pessoas graças a um chamamento feito pelo CCBM, o que permitiu ampliar ainda mais os registros e memórias do que rolou no espaço cultural, além de servir para mostrar às novas gerações um tempo que marcou história na cultura juiz-forana. É possível conferir nos slides da mostra virtual reproduções de cartazes e flyers dos eventos, registros fotográficos das bandas e públicos, alguns vídeos, uma apresentação contextualizando o momento histórico e também depoimentos de artistas, incentivadores, funcionários e gestores do CCBM que ajudaram a tornar realidade os shows e festivais.

“Tivemos bastante respostas legais, foram vários gigabytes de material, entre fotografias, arquivos de vídeo etc, que precisamos organizar com nossa equipe. Foi preciso deixar muita coisa de fora, porque ficaria bastante extenso tanto para o público quanto para as bandas e pessoas que registraram esses momentos. Era o início da década, quanto tivemos o início da popularização das câmeras digitais, então muita gente pôde fazer foto, filmar”, destaca. “Todo mundo tem uma história sobre a época, e o legal desse tipo de exposição é que você ativa a memória afetiva das pessoas. Nossa ideia com a convocatória era não apenas obter o acervo, mas resgatar essas memórias, tanto que convidamos algumas pessoas importantes para darem seus depoimentos.”

Atualmente conhecida em todo o Brasil, Onze:20 deu alguns de seus primeiros passos nos festivais que aconteciam no espaço (Foto: Hercules Rakauskas)

Falta de continuidade

Um dos depoimentos considerados importantes por Priamo é o de Vitinho, da banda Onze:20, que ultrapassou os limites locais e é conhecida hoje em todo o país. “Ele conta que começou como parte do público e posteriormente passou a organizar (eventos). Esses shows e festivais no CCBM ajudaram a mostrar que era viável viver de música, temos várias histórias parecidas. É bom perceber como o CCBM foi importante para a história das pessoas.”

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Priamo lamenta que a década que passou tenha se tornado apenas memória, com a efervescência de eventos tendo diminuído com o passar dos anos, por várias razões. “Eu comparo com a paternidade e a maternidade, a geração dos pais que cercam os filhos com muito cuidado, e estes deixam de se preocupar em aprender. Naquele momento, muitos organizavam porque queriam consumir música, eu mesmo tinha banda e a gente pegava para fazer para que os eventos continuassem. Se a gente fizer o salto geracional de sete anos, percebemos que não teve continuidade por haver uma turma que queria apenas acompanhar. Se você não tem quem continue, passa a haver uma lacuna. Lembro que chegou a se produzir um panfleto explicando como organizar um show, como se fosse passar o bastão, e mesmo assim as pessoas não deram continuidade.”

Mas chega de tristeza, afinal a exposição é para resgatar os bons momentos. Luiz Fernando Priamo lembra que é daqueles que tem toda uma vida ligada ao espaço cultural, que começou com as colônias de férias na infância, passou pelo teste para o filme “O menino maluquinho”, fazer e organizar shows e hoje trabalhar como gestor do espaço. Por isso mesmo, não são poucas as memórias que tem ligadas ao CCBM.

“Um momento que ficou marcado na memória de quem trabalha ou trabalhou lá foi o show da banda Scracho, que levou mais de 700 pessoas, e hoje a sala não pode reunir mais de 160, segundo o Corpo de Bombeiros. Foi muito legal para quem quem fez os registros, como o Hercules Rakauskas, que estava começando a vida na fotografia naquele momento. Ver um mundaréu de gente num lugar pequeno é como se tivesse transformado a sala de ensaio num Rock in Rio.”

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