Marcos Veras chega com o coração aberto: fala sobre as dores e as delícias que perpassam seus anos de carreira, dedicados, principalmente, ao humor. Tocando, pela primeira vez, em assuntos importantes, como as mortes de seu pai e sua irmã, o humorista apresenta, em Juiz de Fora, o espetáculo solo “Vocês foram maravilhosos”, com direção de Leandro Muniz, no Cine-Theatro Central, neste domingo (23), a partir das 19h. Os ingressos podem ser adquiridos no Uniticket.
Nesta peça, o público é chave no desenrolar da história. Veras conta que, em certo momento de “Vocês foram maravilhosos”, ele convida o público para uma espécie de sessão de terapia. É um momento em que, assim como ele faz, a plateia é convidada a falar de coração aberto. Mais que uma homenagem à sua própria história, o humorista tem o intuito de fazer com que as pessoas se identifiquem com o que ele passou. Na entrevista à Tribuna, Veras fala sobre sua relação com o teatro e a concepção da peça, que mescla humor e drama.
Tribuna: Primeiro, qual é o lugar do teatro da sua vida?
Marcos Veras: O teatro foi a primeira coisa que entrou na minha vida. Eu vejo o teatro como lar, habitat natural de qualquer ator que ame o seu ofício. O teatro sempre esteve muito presente na minha vida. Do ano passado para cá, eu estou emendando uma peça na outra. E depois da pandemia eu acho que o teatro voltou com muita força. O público estava com vontade de assistir ao vivo a experiência coletiva que o teatro e o cinema trazem. A casa do ator é o teatro. É onde o ator é mais dono e pleno em seu trabalho. O palco é realmente um lugar muito mágico e poderoso. Quando eu vou para o cinema e para a televisão, eu levo o teatro comigo.
E só pelo nome dá para perceber que, nesse espetáculo em específico, a plateia é super importante, né?
A plateia é um personagem na peça. É um ser vivo mesmo no ser teatral. E, nesse caso, a plateia é mais importante ainda porque ela tem participação efetiva. Ela é citada o tempo inteiro e minha comunicação é direta com ela. Eu não faço um personagem. É quase como uma grande contação de história. É algo muito íntimo esse espetáculo com a plateia, a ponto de eles dividirem o palco comigo.
Quando “Vocês foram maravilhosos” surgiu?
A peça surgiu da vontade de fazer um novo solo de humor. Eu fiz durante 11 anos o “Falando a Veras”, que trouxe muita coisa. Eu fiz depois outros espetáculos e vinha desenvolvendo a ideia de fazer um novo solo onde eu exercesse esse meu lado de comediante stand up, de comunicador e apresentador. Durante a pandemia, eu fui escrevendo, juntando as ideias, coisas que eu escrevi, e foi nascendo um espetáculo em que eu pude fazer uma revisita à minha história. Mas não da forma como se faz uma homenagem. De forma que a plateia se identifica. As histórias que eu conto ali são minhas mas podem ser de qualquer pessoa.
E o que é, afinal, o espetáculo?
Eu acho que esse espetáculo é um espetáculo híbrido. As pessoas me perguntam o que é: é stand up, é comédia, tem momentos de drama, é um espetáculo rico porque é diverso. Eu sempre tive vontade de falar, de externar sobre as mortes do meu pai e da minha irmã que foram muito próximas uma da outra e que, claro, marcou muito. Eu sempre tive vontade de colocar isso em um espetáculo ou em um livro, mas não sabia como. E aí quando eu fui desenhando o espetáculo, eu vi que cabia falar deles, já que eu estava falando de família, carreira, paternidade e casamento. Eu acho que eu consegui, de alguma forma, transformar a dor em arte e em humor. Ainda é um tabu para muita gente falar sobre isso. Mas eu acho que consegui, de uma maneira muito leve, muito bonita, falar da partida dos dois e de como eles se mostram presentes aqui.
Como é, para você, falar sobre esses temas?
Nos ensaios e nas primeiras apresentações eu tive que segurar a emoção. Eu sempre me emociono. Porém, como eu sei que estou contando uma história e estou em cena sozinho, eu passei a ter um certo controle, pelo menos do choro. Porque depois eu volto para a comédia. Uma produtora me falou que esse espetáculo é muito corajoso, porque estou de peito aberto e abro a minha vida sem amarras. Eu acho que acabo fazendo um carinho, uma reflexão, para as pessoas conseguirem falar sobre isso. Porque a dor existe, mas a vida segue.
E ter essa “sessão de terapia” com a plateia tem a ver com isso?
As pessoas sobem e eu fico impressionado, porque ali é um momento em que o espetáculo é mais vivo que nunca, porque não tem texto, não tem nada combinado. E eu fico impressionado como a pessoa em cinco ou seis minutos consegue se abrir. A gente consegue ir do humor à emoção. As pessoas se abrem mesmo. E vem acontecendo coisas muito engraçadas e bonitas, e tudo muito de uma maneira na sala de casa: respeitosa, carinhosa. A pessoa se sente segura ali no palco. Eu sempre falo que a gente tem um combinado: tudo o que vai acontecer ali só nós sabemos. Então vira, realmente, uma grande sessão de terapia coletiva, uma catarse, uma cumplicidade com a plateia, e a pessoa acaba ficando à vontade para falar sobre ela no palco, por mais tímida que ela seja.
É uma sessão de terapia para você também, Marcos Veras?
Para mim acaba sendo também uma sessão de terapia. Quanto mais eu falo sobre isso, mais eu entendo a partida dos dois. Mais compreensão eu tenho sobre a morte, a presença deles aqui comigo de alguma forma. A impressão que eu tenho é que eles estão comigo em todas as apresentações. Eu acabo colocando para fora uma dor que é constante. E por que não falar sobre isso com humor? É para falar também sobre a vida.
E tudo gera identificação, né?
Sim. Eu começo falando de carreira e das pessoas que foram importantes na minha carreira: Jô Soares, Fátima Bernardes. E aí eu apresento minha família, e isso vai trazendo identificação com a plateia. Falo sobre minha paternidade, sexo, primeira primeira vez. É curioso ver como os assuntos são universais. São para todo mundo. Por isso é democrático: as pessoas se identificam com pelo menos alguma coisa que falei ali. A impressão que eu tenho é a de que as pessoas saem do espetáculo muito leves, rindo, emocionadas: tudo junto e misturado. Que é o que o teatro pode causar na gente.