O livro “Sete mentiras e uma verdade”, de Rodrigo Barbosa, surge em um momento de crises – inclusive a que atinge nossas crenças a respeito do que é verdade e o que é mentira. Esse cenário também causou, para o autor, uma intensificação de uma série de questionamentos que o acompanharam ao longo da vida e que abalaram de forma mais forte alguns pilares que foram centrais de sua trajetória. É por isso que, no novo romance, tudo começa no momento em que as coisas não parecem correr bem no voo do jatinho do empresário Antenor Furquim. A partir desse ponto, várias histórias e narrativas vão sendo entrelaçadas, e uma jornalista, uma ghostwriter, um professor apaixonado, um homem de teatro, uma mulher de múltiplas faces, um compositor e uma escritora são envolvidos e lançados a uma série de perguntas que guiam todas essas histórias. Para descobrir o mistério por trás dessa narrativa, o lançamento acontece nesta quinta-feira (25), às 19h, na Cantina do Bexiga (Rua Oswaldo Aranha, 380). O livro pode ser adquirido em pré-venda pela Editora Patuá.
Rodrigo Barbosa é professor, jornalista, compositor e mais um tanto de coisas. Para dar andamento a todas essas ocupações e vocações, o autor de “O homem que não sabia contar histórias”, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, passou a explorar as próprias experiências para o romance. “Eu não tenho como negar o quanto tem de autoficção nesse romance. As experiências das personagens misturam invenção e realidade, sensações vividas e outras ficcionadas. Tem muito disso, também. Mas por outro lado, tem a imaginação e a criação”, diz. As vivências, nesse sentido, serviram para dar amplitude às questões que estavam perturbando o autor e envolvendo as suas áreas de atuação, principalmente no que diz respeito às mudanças trazidas pelo uso intenso das redes sociais, a massificação das fake news e a era da pós-verdade. “A ideia de usar essas possibilidades narrativas é para poder ampliar ainda mais a discussão sobre o que é verdade e o que é mentira nessas nossas narrativas do dia a dia, sobre o quanto nós criamos os personagens de nós mesmos e o quanto isso gera comunicações, com seus desvios e imperfeições”, explica.
O momento dos estudos coincidiu com um momento mais pessoal de crise aguda: “Me vi diante de decepções muito grandes com alguns pilares da minha vida, especialmente a política, o jornalismo e a arte”, conta. Na própria tese, isso passa a ser abordado, em um capítulo sobre os “desmoronamentos”, no qual Rodrigo questiona as próprias “perplexidades diante desse processo”, e chega a questionar “se faz sentido fazer um livro e a função do escritor”. Colocando essas dúvidas também nos personagens e decidindo seguir, mesmo assim, encontrou no livro uma forma de, ao menos, encontrar espaços para essas reflexões e também provocar questionamentos na mente dos leitores. “Nem que seja para ‘desmoronados’, que nem eu, esse livro faz algum sentido”, diz.
Vários Rodrigos, vários pontos de vista
Com a vontade de colocar em cena “os tantos Rodrigos que existem por aí”, ele pensou em figuras que, guardando suas proporções, têm grande relação com a própria vida, com o tempo presente e com a cidade em que mora e que lhe serve de cenário, Juiz de Fora. Na obra, há passagens no Aeroporto da Serrinha, no Bar do Abílio, no Mercado Municipal e muito mais, que trazem ainda mais verossimilhança para a narrativa. As questões, por isso mesmo, também evocam temas da atualidade e que são caros tanto para jornalistas, como ele, como para aqueles aflitos com os caminhos humanos. “Como professor, me questionava o que vai ser dessa atividade jornalística. Como injetar entusiasmo e crença nessa profissão para estudantes, como se posicionar hoje no exercício profissional nessa realidade que estamos vivendo? Todas essas questões estavam me surgindo ao mesmo tempo em que o romance estava sendo formado”, relembra.
Enquanto que, pelo ponto de vista profissional, os personagens se aproximam do autor, ele também observa que trouxe para a narrativa figuras que têm vivências diferentes da dele. “Estava muito em pauta essa discussão da escrita e do lugar de fala, inclusive sobre a legitimidade que um homem branco, heterossexual, de classe média, teria para escrever na voz de uma mulher, negra, uma personagem periférica, como é o caso. Acho que há uma necessidade de trazer esses personagens para o protagonismo, e eu me sinto próximo desses personagens na minha convivência e na minha vida”, explica. Por outro lado, revela que foi uma tarefa instigante, porque chegou até mesmo a escrever trechos que são um diário, narrado em primeira pessoa, escrito por uma mulher. Ele ainda reflete que, na obra anterior, se concentrou na crise existencial de um homem de meia idade, mas neste outro momento quis trazer para cena uma diversidade maior de pontos de vista sobre a história. “Quis colocar personagens que têm muito a dizer, mais inclusive que esse homem que sou eu”, diz.
Uma verdade possível
Ao longo da obra, o leitor é levado – assim como a personagem principal, a jornalista Jaiane Rosa – a tentar chegar à verdade. É possível perceber pistas às quais a personagem ainda não tem acesso e versões da história que ela não pode saber, pois pertencem à vida de outros. O que se encontra, então, é uma espécie de “verdade possível”. O que isso é, na visão de Barbosa, é justamente o que o leitor deve – ou não – tentar encontrar. “Talvez a única verdade seja que não há verdade, que nós somos construídos por narrativas e a partir do momento em que estamos narrando, estamos falseando, transformando o real em narrativa. E ainda entra a questão de que nossas narrativas têm objetivos, e as nossas narrativas envolvem o outro”, reflete. Esse mistério que envolve a trama também prende o leitor para saber, afinal, o que motivou o incidente envolvendo o jatinho.
A escolha pela ficção para refletir sobre esses temas não poderia ser diferente: “A mentira é o melhor caminho”, afirma e ri. Essa é a forma pela qual, em sua visão, se pode ter uma liberdade e uma possibilidade criativa de saltos muito ricos. “Gosto muito dessa mistura, desse jogo com o leitor do que é verdadeiro e do que não é em um relato ficcional. Como há vários elementos reais, como a paisagem, o cenário e até acontecimentos reais, é como se ali tivesse um pacto de ambiguidade com o leitor”, explica. O leitor é levado, ao longo dessa trajetória, a percorrer seus próprios caminhos e enfrentar também as próprias questões, com o mesmo faro pela busca que percorre todas as páginas. “Estamos diante de um fato, estamos recolhendo pedaços desse fato, tem coisas que vemos e coisas que não vemos. A vida é isso, essa mistura do que é visível e do que não é, do que está na nossa frente e o que está escondido”, diz.