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Poeta de slam em JF faz campanha para competir na França

wandin destacada
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Quem já teve a oportunidade de ver Wanderson Luís de Souza em um evento de slam poético conhece não só a qualidade de sua poesia, mas também a capacidade de interpretação, a verve afiada e a velocidade com que atinge o público com seus versos contundentes. Foi talvez com a mesma velocidade que, num prazo de apenas três meses, o jovem de 18 anos, da Escola Estadual Delfim Moreira, já era campeão nacional.

Depois de conhecer o slam poético e vencer a seletiva de seu colégio, ficou em segundo lugar no Slam Batalha da Ágora (nome do Interescolar local), que classificou cinco estudantes para o Slam Interescolar – MG; venceu a edição estadual; por fim, o III Slam Interescolar Nacional, modalidade ensino médio, realizado em novembro de 2019 em São Paulo – mesmo evento em que Júlia Medeiros, a Medusa, ficou com o título na modalidade de ensino fundamental. Na ocasião, a dupla foi entrevistada pela jornalista Marisa Loures para a coluna Sala de Leitura da Tribuna. Wanderson garantiu, ainda, o terceiro título para JF em três anos de realização da competição, que em 2019 contou com estudantes de cinco estados. Os vídeos da final nacional, inclusive, estão disponíveis no canal do Slam da Guilhermina (que organiza o evento) no Youtube.

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Wandin escreve e fala de suas dores e sentimentos em versos cantados e já premiados (Foto: Fernando Priamo)

Se todas essas coisas aconteceram tão rapidamente, o tempo continua a ser fator decisivo na vida de Wandin, como é mais conhecido o estudante. Ele agora precisa correr para conseguir até abril – ou quanto mais cedo puder – os recursos necessários para participar e representar o Brasil na Copa do Mundo de Slams Poéticos, que acontece entre 18 e 24 de maio em Paris, na França, reunindo todos os grandes slams do mundo. Serão 36 países na competição interescolar. São pelo menos R$ 16 mil para cobrir os gastos dele e do presidente nacional da Confraria dos Poetas, Éric Meireles de Andrade (Slam Master do Slam Interescolar – MG) ,com passagens, hospedagem, traslado e alimentação na capital francesa, além de uma esticada até Portugal para divulgar o slam escolar nacional.

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O valor, pelo menos até agora, é algo virtualmente impossível para o jovem, que vive há dois anos no abrigo Amigos Mãos Abertas (AMA). O local atende a crianças e adolescentes que perderam parentes ou não podem se manter de forma estável. Para conseguir os recursos, Wandin e Éric contam com a ajuda dos amigos para tentar arrecadar o montante de várias formas, com a venda de fanzines, realização de feijoadas (a primeira será em 8 de março), via mecenato, mas, principalmente, com uma campanha de crowdfunding, que arrecadou pouco mais de R$ 1.545 até a última sexta-feira (21). O link para quem puder contribuir é vakinha.com.br/vaquinha/slan-em-paris

“A escola tem se mobilizado e abraçou o projeto, tanto que foi a direção que abriu a campanha de crowdfunding”, conta Éric Meireles. “Queremos viralizar para as pessoas saberem que Juiz de Fora é tricampeã do Slam Interescolar Nacional, que o Wandin é estudante de escola pública. Ele vai representar os poetas de Juiz de Fora, Minas Gerais, de todo o Brasil. Será a segunda vez que levaremos um estudante da cidade. O Ícaro Renault participou em 2019, mas dessa vez o Wandin tem o diferencial de ser estudante de escola pública, da periferia, que vive em abrigo. Nossa missão é sensibilizar as pessoas da importância de levar esse jovem, e sem ajuda será impossível.”

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Éric acrescenta ainda que os dois já entraram em contato com a Funalfa para solicitar uma conversa com o prefeito Antônio Almas com o objetivo de pedir ao governo municipal que compre as passagens e pague a estadia. “Hoje, os R$ 16 mil colocados como meta – e que seriam apenas para o básico – já não cobrem os gastos, pois quanto mais perto da data da viagem, o preço do pacote fica mais caro. Esse apoio serviria de inspiração para novos slams e artistas estudantes”, ressalta o slam master, que também tem procurado comércio e indústrias locais para conseguir apoio. E lembra, ainda, Wanderson e Júlia Medeiros vão receber uma Moção de Aplauso na Câmara Municipal em 18 de março.

 

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Versos nascidos da dura realidade

Ao conversar com a Tribuna na última quinta-feira (20), Wanderson Luís contou um pouco de sua vida, mas principalmente das dificuldades e dramas que já enfrentou. Ele foi para um abrigo com apenas 6 anos de vida; aos 9, foi adotado por tios. Quando tinha 13 anos, enfrentou a morte da mãe. Aos 15, devido a problemas familiares, se envolveu com drogas, tanto vendendo para ter o que comer e onde morar como também consumindo. Há dois anos, recebeu a proposta de voltar a um abrigo e sair desse universo, e nesse mesmo período começou a escrever poesias. “Hoje as drogas não são uma opção para mim”, afirma, categórico.

“A primeira vez que escrevi foi para uma ‘tia’ que estava saindo da casa. Quando li para ela, me senti muito bem, gostei de fazer os trocadilhos. Virou meu estilo”, prossegue. “Conheci o slam quando alguns participantes fizeram uma apresentação no abrigo; como sou muito curioso, me animei e declamei minha primeira poesia lá, fora de competição. O primeiro poema que ouviu declamado foi ‘Morte aos elefantes brancos’, do Eric. Foi impactante, percebi que precisava colocar emoção nas poesias, passei a decorar para subir ao palco. Mas eu estava numa situação muito ruim comigo mesmo, e quando ia chutar tudo o Éric me falou do slam na escola. Foi minha primeira participação e fiquei em primeiro lugar na seletiva da Delfim Moreira.”Moreira.”

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Arte que ultrapassa a barreira dos idiomas

Para quem se via até pouco tempo sem perspectivas, a possibilidade de ir para a França e conhecer um novo país, outra cultura, estudantes de realidades diferentes, anima Wanderson, que já se mostra impressionado com a experiência no III Slam Interescolar Nacional. “Só de ir a São Paulo já mudou minha forma de brincar com as palavras. Poder ir ao exterior, conhecer o trabalho de estudantes de outros países, seria cabuloso.”

Caso consiga ir até Paris, Wandin vai soltar sua palavra no português mesmo. Quando se apresentar, os textos serão exibidos com traduções em francês e inglês. Igualmente importante será, na hora, a interpretação. “Em todas as minhas apresentações, faço do público um só, então não me preocupo se vai ter gente que não entende português, que a pessoa fale apenas inglês. Eu estarei focado na minha poesia, na forma que vou me expressar, na intensidade dos sentimentos. Acredito que é isso que toca as pessoas. Minha vibe nunca foi de ganhar, e sim de transmitir para os meus sentimentos, a minha dor. Procuro passar tudo isso por meio de palavras mais simples.”

“Independentemente da língua, a poesia já é uma coisa extraordinária por si só, que depende da forma como a pessoa se expressa”, reforça Éric, que explica ainda que “o conceito da poesia falada não é o melhor poeta ou a melhor poesia, e sim a melhor expressão dessa poesia. Ele vai ter contato com outras temáticas, realidades e estilos. O slam interescolar brasileiro é mais ligado ao rap e à crítica social, enquanto o europeu, por exemplo, é mais existencialista, mesmo que a crítica social também esteja presente. Seria enriquecedor, com certeza melhoraria ainda mais como poeta.”

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(Foto: Fernando Priamo)

Planos para crescer em JF e no mundo

Éric Meireles conta que o sucesso da campanha de crowdfunding vai além da Copa do Mundo de Slams Poéticos. “Também será um chance de colocar Juiz de Fora no circuito mundial de poesia falada estudantil, trazer eventos para o Brasil. Queremos realizar na cidade o primeiro slam estudantil internacional de língua portuguesa, e para isso já entramos em contato com instituições portuguesas, até para realizar outros projetos, como o ‘Poetas jovens mineiros’, com cursos para ensinar as diversas técnicas da poesia, com ajuda de custo de meio salário mínimo. Ao final, seria lançado um livro com os trabalhos. Seria uma forma de incentivar os jovens da periferia a prosseguirem na arte, com os estudos, depois que terminarem o Ensino Médio.”

Independentemente do resultado da campanha, a entrada no universo do slam já mudou a vida de Wandin. “A poesia ajuda a pensar em como estruturar minha vida daqui para frente. Ao mesmo tempo, fico triste pelas vezes em que contei com a ajuda dos outros e não recebi apoio. Às vezes, me surpreendo como isso sai nas poesias”, desabafa o jovem poeta, que se mostra sincero quando questionado sobre como foi sua vida até agora. “Eu não conheço o amor. O que conheço é a traição. Mesmo assim, procuro transmitir a melhor mensagem possível para conscientizar as pessoas, mostrar que há muita gente em situação pior que a delas.”

Uma das poesias selecionadas para a Copa do Mundo de Slams Poéticos

“Mais um ano se passou e olha eu aqui,
Não me importando com como estou e sim com como prosseguir.

Seguir na linha agora virei o trem bala,
Perdi o freio no meio da noite e ninguém me para.
Minhas palavras são tão fortes que vc se abala,
Parece um cão assustado qnd a Glock estala.

Estar lá na madrugada em meio choros e velas,
No velório do irmãozinho morto na favela.
Ou então daquele outro preso numa cela,
Que quando soube do que houve ficou uma fera.

Será que alguém ainda pensa no futuro?
Será que meu coração ainda é muito duro?
Será q meus pensamentos é de um imaturo?
Sei lá de onde vem essa luz em meio escuro!

Escudo é minha peita minha boca é uma espada,
Seja pro bem ou pro mal está sempre afiada.
Não é vc e nem ninguém q vai interromper minha caminhada,
E se tentar vai ficar caído no meio da estrada.

Estragar a minha alma não é o que planejo,
Destruir meu coração não é preciso.
Matança e um mundo sujo é isso que vejo,
Então olho para o céu e vejo paraíso.

Para isso q sempre ando na humildade,
E a ensinar a serem bons e nunca covardes.
Mesmo q as vezes pareça q seja tarde não ligue pro quanto dói ou pro quanto arde.

Arte eu faço muitas venha e confira,
Tem pra aliviar a dor e despertar a ira.
Engorde com palavras até criar estrias.
Apenas quem é de verdade conhece quem é de mentira.

Nasci mesmo na favela porque a vida é louca,
Com palavras vc me critica e com atitudes eu calo sua boca.

Já fui católico, evangélico, ateu mas ultimamente tenho vivido de farra.
Ter fé é acreditar que mesmo diante de tudo Deus nunca nos desampara.

Eu vi um menino na beira da estrada cantando de mais,
Percebi que temos um dom mas nossas histórias não são iguais.

E você briga com sua mãe que quase sempre chora quando tá sozinha,
Mas dê valor a ela meu bom porque com 13 anos nem família mais eu tinha.

Não sou filhinho de papai,
O que tú tá vendo é só um favelado provando que nem sempre sozinho se cai.
Se está dentro então saí e se está preso se solte
Pra derrotar esse preto aqui vai precisar de muito mais que um nocaute.

Mesmo diante de tantos preconceitos me mantenho com o braço forte.
Tá mais que na hora de calarem a boca e ouvir eu gritar: “Independência ou morte”.
Dessa vez não é pra uma colônia que se achava o paraíso,
E sim pra calar esses racista que acha que tudo o que fala é bonito.

Acham que isso aqui é jardim do Éden?
Aah saí, idealização nacional é o krai
Essa porta é a Babilônia e n um paraíso criado por Deus “o pai”.

Não se iluda com a paisagem nem com o caminho,
Saiba q todas as rosas são belas porém todas elas contém espinhos!!”

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